Fevereiro de 1964. Dia 2. O SL Benfica recebe em casa o Seixal FC — hoje nas distritais da Associação de Futebol de Setúbal — em jogo a contar para a 16ª jornada do Campeonato Nacional da I Divisão. Os encarnados estão em primeiro lugar, com quatro pontos de vantagem sobre o segundo classificado, o FC Porto. Já o Seixal está em antepenúltimo, um lugar acima dos lugares de despromoção. Ora falemos de golos: o Benfica, com 15 jogos, tinha marcado mais do que qualquer equipa, 50 golos — uma média de 3,3 tentos por jogo — enquanto que o Seixal tinha sofrido 32 em iguais 15 jogos — média de 2,1 golos sofridos por partida. Seria suficiente para a “castástrofe”?

Uma goleada que foi ainda maior do que as de antigamente (a crónica do Benfica-Nacional)

Numa equipa que tinha sido campeã europeia há dois anos e onde figuravam nomes como António Simões, Torres, Coluna, José Augusto ou… Eusébio, tudo era possível. O “Pantera Negra” foi, de resto, a figura da partida — para variar: seis golos, três deles marcados em apenas sete minutos. Os restantes foram marcados, aos pares, por José Torres e Yaúca.

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Talvez haja uma explicação para o fenómeno daquela tarde de há 55 anos, dada há já algum tempo por José Augusto, em entrevista: “Antes do jogo com o Seixal, o presidente [à época Adolfo Vieira de Brito] disse-nos: ‘Pago por cada golo que marcarem’. Com este espírito, fomos para o ataque e fizemos 10. Resultado: recebemos 20 mil escudos. Ele passou-nos o cheque assim que o jogo acabou. Era um homem de palavra”. Os 20 mil escudos de 1964 corresponderiam atualmente, com a evolução da moeda, a cerca de 7.100 euros.

Terá sido o motivo? Provavelmente não, visto que os encarnados acabaram a época com 103 golos marcados em 26 jogos, uma média de 4 golos por jogo. E com muitas outras goleadas: duas vitórias com 6 golos, uma com 7, cinco com 8, e mais uma com 9.

Mas nada é como uma vitória de 10-0. No dia seguinte, na sua crónica de jogo, o Diário de Lisboa anunciava, pelas palavras do jornalista Fernando Soromenho, que tinha havido um “Concurso de tiro no Estádio da Luz”, com 10 tiros certos no alvo. “Naturalmente, como se bebesse um copo de água por desfastio, o Benfica […] conseguiu o resultado ‘record’ do campeonato”, comparava a peça, que contava ainda como o árbitro Saldanha Ribeiro fez um jogo tranquilo e como Eusébio marcou os seis golos, havendo até tempo para fazer humor com o nome do guarda-redes do Seixal. Trancas era o nome, que não fez juz à sua exibição.

O destaque da goleada do Benfica na edição de dia 3 de fevereiro de 1964 do Diário de Lisboa (Fundação Mário Soares)

Outro pormenor interessante mereceu destaque para o jornal. “Seixal aceitou a derrota com modelar desportivismo”, sublinhava um título, que era desenvolvido com o facto de ser com justiça que se devia apontar “o desportivismo dos seixalenses, que encararam a realidade segundo a filosofia da vida mais conveniente, isto é, com substancial dose de paciência” e “sem manifestarem o mínimo azedume”. Poesia.

No final da época, os 10-0, ainda que na história, não foram tão importantes quanto isso. Agora, 55 anos depois, António Simões, titular na partida, nem se recordava do jogo: “Sinceramente já nem me lembrava. Vi hoje que sim, mas já nem me lembrava que tínhamos ganho um por 10-0. Se pensar bem, aquela equipa bateu todos os recordes, é difícil memorizar todos”. A influência do jogo, na verdade, acabou por ser pouca. Nesse ano, o SL Benfica sagrou-se bicampeão, com seis pontos de vantagem sobre o segundo classificado, FC Porto, e com mais do dobro dos seus golos. Já o Seixal FC conseguiu a permanência na I Divisão por apenas 2 pontos e foi a segunda equipa com mais golos sofridos.

António Simões, velha glória benfiquista, apela à reflexão após o 10-0: “Não faz sentido que haja goleadas destas atualmente”