Uma “situação limite”. É assim que o Sindicato dos Trabalhadores dos Registo e do Notariado (STRN) classifica o cenário registado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, na Rua Rodrigo da Fonseca, onde os problemas de higiene e de segurança afetam os trabalhadores há vários anos e colocam em risco os utentes. “Não consigo sequer imaginar a situação que pode advir daqui”, alerta Arménio Maximino, presidente do STRN, ao Observador. O ministério da Justiça, por seu turno, garante estar a par da situação e afirma já ter tomado medidas como o esvaziamento parcial do arquivo, desinfestações e limpezas extraordinárias.
Bolores, humidade e infiltrações na cave do edifício, onde estão guardados vários documentos, têm provocado vários problemas de saúde aos funcionários da conservatória, afirma o sindicato. A presença frequente de ratos, baratas e pulgas também pode ter contribuído para esses problemas. A somar-se a tudo isto, há riscos de segurança, como os elevadores que avariam, as instalações elétricas descarnadas, a falta de sinalização de emergência ou a inexistência de rampas.
A denúncia foi feita pelo STRN num comunicado enviado por email às redações e confirmada ao Observador pelo sindicato. “Os trabalhadores trabalham naquelas condições há muitos anos. Nós tivemos conhecimento em 2016 e a partir daí fomos alertando para estes problemas”, garante o seu presidente, acrescentando que, desde que a direção atual teve conhecimento da situação, informou repetidamente o conselho diretivo do Instituto de Registos e Notariado (IRN) e a secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso. “A verdade é que nada foi feito”, afirma, razão pela qual o STRN decidiu vir a público com esta denúncia.
Sindicato diz que há trabalhadores com problemas respiratórios e dermatológicos. IRN “não tem conhecimento” de faltas ao trabalho por doenças relacionadas com a situação da cave
O cenário na cave do edifício, que já terá mais de 40 anos, é “de terceiro mundo”, na opinião do sindicato. O ar é “irrespirável”, agravado pelos efeitos dos bolores, humidade e infiltrações de esgotos. As condições de higiene são agravadas pela presença de ratos, baratas e pulgas.
Vão-nos chegando vários relatos de problemas de trabalhadores. Uns foram picados, não sabem bem pelo quê, e apareceram-lhes manchas vermelhas e esverdeadas no corpo, que demoraram cerca de um ano a passar e que necessitaram de tratamento dermatológico”, conta Arménio Maximino. Para além disso, há registo de problemas “nas vias aéreas e alergias oculares”.
“O facto de não termos Medicina no Trabalho acaba por escamotear os problemas de saúde, que vão sendo agravados de ano para ano”, explica o dirigente sindical. “São condições que só quem lá está tem noção.”
Contactado pelo Observador, o ministério da Justiça confirma ter conhecimento da “necessidade de melhoria de condições nos arquivos desta conservatória”. No entanto, garante que o IRN não tem conhecimento de quaisquer “ausências de serviço motivadas por eventuais problemas de Segurança e Saúde no Trabalho (SST)”.
A tutela garante ainda que as instalações “são objeto de visitas frequentes da técnica de Segurança e Saúde no Trabalho” e que a partir dessas visitas “têm sido formuladas recomendações ou ações de mitigação da situação que têm sido seguidas”. No entanto, e a pedido dos funcionários, houve na quinta-feira uma visita de uma unidade de saúde pública ao local, para avaliar as condições de higiene no edifício. O sindicato aguarda agora pelo relatório da equipa.
Mas, de acordo com Arménio Maximino, não há problemas só na cave. O sindicato afirma que as condições do edifício estão de tal forma degradadas que colocam em risco a segurança de funcionários e utentes da conservatória. Para além da falta de rampas que dificultam o acesso dos utentes com mobilidade reduzida, há falta de sinalização de emergência, problemas nos elevadores e muito mais: “Há instalações elétricas completamente degradadas, pingos de água a cair do teto e a passar perto de lâmpadas”, avisa Arménio Maximino. “Há risco de incêndio e as caves estão cheias de papel. Se houver ali algum azar, o incêndio propagar-se-á com muita velocidade e não há saídas de emergência próprias.”
Para além dos riscos para as pessoas, há também perigo para a documentação armazenada na conservatória nacional que tem a responsabilidade de assegurar “o registo central da nacionalidade e respetivo contencioso, o registo central do estado civil e o registo central de escrituras e testamentos”, como explica o próprio IRN no seu site. “Se não receberem tratamento de arquivo, os documentos vão-se deteriorando até ficarem apodrecidos e irrecuperáveis ou então podem tornar-se ilegíveis”, avisa o presidente do sindicato.
“O próprio Estado não cumpre as regras que obriga os privados a cumprir”, acusa sindicato. Ministério garante que tem tomado medidas
O STRN garante que informou várias vezes o IRN e o ministério da Justiça da situação que se vive no número 198 da Rua Rodrigo da Fonseca. “A resposta é sempre a mesma: ‘vamos analisar, vamos resolver, não se resolve tudo de um dia para o outro'”, diz Maximino. “O IRN recebe 600 milhões de euros por ano, portanto não é por falta de verba… é desinteresse ao longo dos anos”, acusa o dirigente sindical. “O próprio Estado não cumpre as regras que obriga os privados a cumprir”, afirma.
A acusação é rejeitada pelo ministério da Justiça, que afirma ter colocado em prática uma série de medidas para resolver os problemas, de acordo com as recomendações da técnica de Segurança e Saúde no Trabalho. “Para mitigar esta situação está em curso o esvaziamento parcial de arquivos em cave tendo, ainda na passada sexta-feira, sido feita nova visita no sentido de avaliar o resultado da recente remoção do arquivo para o concelho de Mêda nos pisos superiores e caves do edifício”, explica fonte oficial do ministério ao Observador.
Para além disso, declara a tutela, “foram desencadeadas desinfestações, tendo a última ocorrida no verão de 2018”.
Houve ainda limpezas extraordinárias e trabalhos de reorganização de arquivos com colocação dos postos de trabalho associados nos pisos superiores”, bem como reforçada “a climatização com novos aparelhos no Outono passado e feita uma grande reparação da unidade principal”, garante o ministério.
Segundo Arménio Maximino, o edifício terá sido alvo de uma intervenção “em 2014 ou 2015”, na sequência de uma infiltração de esgoto detetada. “Houve pequenas obras, mas foi uma operação cosmética. Voltaram a aparecer infiltrações”, diz o sindicalista. Fonte oficial do ministério garante que as instalações “são intervencionadas regularmente, incluindo na área de arquivos com recurso a prestação de trabalho comunitário, e solicitações de intervenções junto da ESTAMO, atual proprietária do edifício”.
(Atualizado às 20h13 com as declarações oficiais do ministério da Justiça)