Quando falamos nas rendas excessivas no setor da eletricidade é importante perceber que “temos um operador incumbente que domina todos os setor da eletricidade, da produção e distribuição à comercialização, a tudo”, afirmou o ex-secretário de Estado da Energia no Parlamento.

Jorge Seguro Sanches não se referiu expressamente à EDP mas sublinhou que quando é tomada uma medida que afeta uma das áreas é muito fácil fazer a recuperação em outras áreas da cadeia económica do setor elétrico. Enquanto que os pequenos produtores não têm esta capacidade. E avisou que se não conseguirmos criar um mercado concorrencial e aberto para todos, com a democratização da produção de energia, daqui a cinco anos “voltaremos a ter o problema de rendas excessivas”. Segundo Jorge Seguro Sanches, “ainda não ligámos o interruptor e já estamos a pagar 40%”, numa referência ao peso dos custos de interesse económico geral (CIEG) na fatura elétrica, ainda que nem todos os CIEG sejam equiparados a rendas pagas aos produtores, o tema da comissão de inquérito.

“Os produtores não podem ser sempre os mesmos, os consumidores podem também ser produtores, é para isso que temos de caminhar.

Apesar deste sublinhado, Jorge Seguro Sanches também testemunhou esta quarta-feira ter tido a “melhor das relações com a EDP” que é uma empresa “que faz muito bem o seu trabalho”, apesar de alguma “instabilidade interna” que não detalhou. O ex-secretário de Estado adiantou que foi possível resolver problemas em colaboração com a EDP e construir “canais construtivos” com a empresa. Mas ter esta atitude, “não significa que não se seja rigoroso” na aplicação do quadro legal e na tomada de decisões.

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Seguro Sanches refere ainda que falou com vários administradores da EDP, em particular António Mexia e João Manso Neto, e destaca a postura “extraordinária” do diretor da EDP Distribuição, João Torres. E revela que também falava com acionistas. Não só o maior acionista, a China Three Gorges, mas também investidores financeiros internacionais como a americana Capital Group que saiu entretanto do capital da Empresa, e o Norges Bank, fundo soberano da Noruega.

Em resposta ao deputado do PCP, Bruno Dias, o ex-secretário de Estado diz que a sua saída do Governo sucede do facto de o ministro da Economia — Caldeira Cabral — ter deixado de exercer funções em outubro do ano passado. No entanto, esta consequência não é uma inevitabilidade — por exemplo, quando Álvaro Santos Pereira deixou o cargo de ministro, o seu secretário de Estado, Artur Trindade, manteve a pasta tendo transitado para o Ministério do Ambiente, uma alteração da estrutura do Governo que foi reproduzida nesta remodelação.

Governo muda pasta da energia no meio de guerras e negociações com a EDP

Na sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas, Seguro Sanches considerou que para além de representarem um custo para os consumidores — porque o risco está sempre do seu lado — as rendas “também distorcem a sã concorrência entre os operadores”.

Para atenuar estes problemas, Seguro Sanches deixou várias reflexões/propostas como a separação de atividades em conflito de interesses e certificação da atividade de distribuição, que estás nas mãos da EDP. Defendeu ainda a criação de um registo de interesses de consultores e a responsabilização financeira de medidas de infrações de decisores que tiveram custos para o consumidor, bem como a divulgação de todos os pareceres do regulador sobre decisões que afetam os custos do sistema e com impacto no preço da eletricidade.

Lobby da energia fez tentativas e propôs decretos

E quando questionado sobre se recebeu pressões do lobby da energia, Seguro Sanches admite que houve tentativas, mas que não tiveram resultado porque tomou sempre as decisões em nome do interesse público. Da mesma forma, confirmou a existência de tentativas por parte de empresas de energia para fazer propostas de decretos. Sobre a litigância promovida pelas empresas contra medidas do Governo, em particular da EDP, Seguro Sanches admite que agora “há mais barulho”, mas sublinhou, em resposta ao deputado Hugo Costa do PS, quem estabelece as linhas vermelhas é o Governo e a lei e não as empresas.

O ex-governante que deixou funções em outubro do ano passado foi ouvido esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito recordou o cenário que encontrou quando chegou à pasta da energia no final de 2015. O sistema elétrico valia, em termos de receitas anuais, 6,2 mil milhões de euros, mas a dívida tarifária (às empresas da energia) era de cinco mil milhões de euros, ou seja, pouco mais de 80% do que o valor anual de todo o sistema. Os juros dessa dívida estava nos 3%, 210 milhões de euros por ano. Hoje estão nos 1,1%.

O sobrecusto da Produção em Regime Especial, que inclui as renováveis, era próximo de 1,3 mil milhões de euros. Já o serviço da dívida era de quase 1.700 milhões de euros. Portugal tinha a eletricidade mais cara em paridade poder de compra na União Europeia e a dívida mas alta em termos per capita. A tarifa social, apesar de ter crescido muito no último do anterior Governo, só com a atribuição automática aprovada pelo atual Governo é que registou um crescimento assinalável.

Decisões do Governo PSD/CDS condicionaram cortes adicionais nos CMEC

Seguro Sanches destacou ainda duas condicionantes para tomar medidas de redução dos custos com os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) que resultaram de decisões do Governo PSD/CDS. Um desses condicionantes foi o decreto-lei de 2013, segundo o qual, a fixação das taxas de juro de remuneração das centrais da EDP deixa de ser do Governo e passa a ser do produtor. O ex-secretário de Estado diz que quando abordou a EDP para tentar negociar uma redução destas taxas, a empresa recusou e conclui que o decreto aprovado pelo seu antecessor — Artur Trindade — “blindou a taxa de juro dos CMEC”.

A outra condicionante resulta da decisão de 2014 de fazer deslizar custos de 240 milhões de euros para os anos seguintes, com uma taxa de juro de 3%. E isso condicionou a evolução dos preços, o que equivale a 1,5% do preço final, segundo as contas de “jurista” que apresentou.

Apesar destas condicionantes, Seguro Sanches deixou nota das medidas que tomou enquanto esteve no Governo para cortar nos custos associados aos contratos CMEC, Uma delas foi transferir para a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) a função de estudar o valor final dos ajustamentos devidos por este contrato e que seriam pagos pelos preços da energia. Outra medidas foi o cálculo dos aspetos inovatórios introduzidos pela legislação aprovada em 2007 e que se traduziram num ganho adicional de 285 milhões de euros para a EDP, de acordo com as contas feitas pela ERSE e pela Direção-Geral de Energia e Geologia. Este valor, que resultou da impossibilidade de realização de testes de disponibilidade às centrais elétricas abrangidas pelo regime CMEC, foi deduzido aos custos do sistema e (às receitas da EDP) por decisão homologada por Seguro Sanches, antes de deixar o Governo.

Do Governo para o regulador. As ligações perigosas denunciadas pelos partidos à direita

Seguro Sanches foi ainda confrontado pelo deputado do CDS, Hélder Amaral, como sendo um dos “autores” desta comissão de inquérito com as pessoas do seu gabinete que nomeou para o regulador e o estudo feito pela ERSE onde se apontam ganhos de 510 milhões de euros conseguidos pela EDP com a passagem do regime dos CAE (contratos de aquisição de energia) para os CMEC. Seguro Sanches garantiu que o regulador é independente e justificou a nomeação de uma adjunta do seu gabinete para a administração da ERSE com a circunstância de esta ser já um quadro do regulador.

Jorge Paulo Oliveira questiona ainda a independência da presidente da ERSE, Cristina Portugal, nomeada por iniciativa do ex-secretário de Estado da Energia, depois de ter feito parte de um grupo de trabalho, por indicação do PS, que negociou os dossiês da área da energia com o Bloco de Esquerda para viabilizar um programa do Governo socialista.

Para Segundo Sanches, não há neste caso qualquer conflito de interesses ou incompatibilidade por ter exercido funções no Governo. E até deu o exemplo do seu antecessor, Artur Trindade, que voltou ao regulador depois de sair da secretaria de Estado como diretor-geral cujas qualidades elogiou, apesar de ter revertido algumas das suas decisões. Seguro Sanches foi também confrontado pelo deputado do PSD, Jorge Paulo Oliveira, com a lista exaustiva das pessoas que foram nomeadas para vários cargos no regulador, e não só, depois de terem tido funções no seu gabinete. “Não é normal esta tentativa de politização da ERSE”. O ex-secretário de Estado volta a falar em Artur Trindade e responde ao PSD com uma lista de nomeações feitas na área da energia pelo Governo anterior, do PSD/CDS.

E por falar no Executivo anterior, Jorge Seguro Sanches aproveitou as perguntas do PS para atacar a privatização da REN (Redes Energéticas Nacionais) feita em 2012, ao “arrepio do quadro legal vigente“. Esta operação de venda direta de 25% do capital do Estado na empresa à State Grid foi realizada através de um concurso público em condições que não eram permitidas no quadro legal então em vigor e que limitava as participações acionistas na empresa a 10%. Só depois é que o decreto-lei de privatização da empresa foi alterado. Apesar de reconhecer a situação de exceção que Portugal vivia — as privatizações totais da EDP e da REN eram exigidas no memorando da troika — o ex-secretário de Estado remete para as conclusões de uma auditoria do Tribunal de Contas.

Auditoria. Privatizações da EDP e da REN não acautelaram interesse estratégico

Contribuição sobre as renováveis era “correta”, mas PS mudou sentido e voto

O ex-secretário de Estado da Energia reconheceu que achou correta a proposta para cobrar uma contribuição extraordinária sobre as energias renováveis que foi apresentada pelo Bloco de Esquerda na negociação do Orçamento do Estado para 2018 e que veio  a ser chumbada.. Jorge Seguro Sanches adiantou esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas da eletricidade que concordou com o modelo da proposta feita em 2017, ainda não tivesse 100% de certeza quanto ao valor previsto.

O antigo governante foi questionado precisamente por um deputado do Bloco, Jorge Costa, sobre o “episódio que mais melindre criou no combate às rendas excessivas”. Lembrando que a contribuição tinha sido negociada com o Governo, mas que acabou por ser rejeitada pelo PS, fez a pergunta. “Porque não passou essa medida?”

“Como sabe a decisão tem a ver com o que aconteceu na Assembleia da República em que houve uma alteração do sentido de voto — precisamente do PS — no qual não estive envolvido”, respondeu Seguro Sanches. Em resposta a Hélder Amaral, Seguro Sanches afastou ainda a intervenção do Governo neste recuo, pelo menos no que toca a si e às “partes” com quem trabalhou, voltando a remeter as responsabilidades para o Parlamento. E não fez qualquer referência à intervenção do primeiro-ministro, então noticiada pelo Observador.

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Apesar de considerar que lhe parece justo os produtores eólicos contribuam para acabar com a dívida tarifária, Seguro Sanches também realça que achou a taxa de 25% sobre o sobrecusto que estes produtores passam para as tarifas da eletricidade “elevada”. O antigo secretário de Estado lembra que o caminho percorrido desde então que levou o Governo a apresentar uma nova contribuição sobre as renováveis para 2019, não obstante a receita desta ficar cerca de 10% abaixo da proposta original porque a taxa agora incide sobre o ativos e deixa de fora as centrais atribuídas por concurso.