O presidente do Novo Banco reconhece que a resolução aplicada ao Banco Espírito Santo em 2014 criou um banco que estava longe de ser perfeito. António Ramalho admitiu no Parlamento que os 4,900 milhões de euros da recapitalização original não foram suficientes para sustentar uma instituição bancária que ficou com muitos ativos problemáticos no seu balanço, quase um terço do ativo eram créditos em situação de incumprimento.

Os amigos e o legado de 2014

Separou-se a família Espírito Santo do Novo Banco, mas os amigos do tempo do BES ficaram lá. A ideia foi transmitida em inglês aos deputados da comissões de orçamento e finanças que ouviram esta quinta-feira António Ramalho na última de quatro audições realizadas — a pedido, sobretudo, do PSD — depois de se conhecerem os prejuízos do Novo Banco em 2018 (1.412 milhões de euros) e um novo pedido de capital ao Fundo de Resolução — mais 1.159 milhões de euros, o que num ano totaliza quase metade do valor total permitido.

PSD vai propor auditoria independente à gestão do Novo Banco após resolução

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“Mas se separaram a família — Espírito Santo — não separaram a family and friends (a família e os amigos)”, afirmou o presidente do Novo Banco quando confrontado com perdas geradas em créditos que já eram problemáticos em 2014, mas que ficaram do lado do banco bom. Sem no entanto revelar ou confirmar nomes.

António Ramalho mostrou surpresa com a surpresa dos outros sobre as necessidades de capital do Novo Banco. Mas quando questionado sobre se já sabia que ia acionar o mecanismo de capital contingente quando foi feita a venda à Lone Star em 2017, não deu uma resposta conclusiva.

Se o problema já lá estava por que é que as perdas aceleraram após venda?

“Fizemos bastante imparidades em 2016, mas depois o processo de negociação da venda estava a decorrer e procuramos resolver outros problemas como as necessidades de capital”. Sabia-se isto tudo? “Não fizemos avaliação antecipada de imparidades. Se o fizéssemos, teríamos de as reconhecer, mas havia consciência do elevado rácio de NPL (crédito em incumprimento), à data o terceiro pior da Europa”. Ramalho recorda ainda a pressão que o aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos proposto por António Domingues colocou sobre os outros bancos e que os obrigou a reconhecer perdas.

  • As imparidades que estão a ser constituídas são basicamente sobre o banco legado, a tal herança negativa do BES. Já no banco recorrente, o objetivo é estar com um rácio de NPL (crédito em incumprimento) de 5%.

E adiou a constituição de imparidades por falta de capital? “É atrativo o raciocínio”, reconheceu o presidente do Novo Banco sem o confirmar. Uma questão que do ponto de vista contabilístico pouco interessa, mas do ponto de vista político interessa e muito, sublinhou Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda

“Até para explicar as narrativas desde o momento da venda, de que isto não custa um euro direta ou indiretamente aos contribuintes”.

Paulo Sá, do PCP, insistiu. Novo Banco não estará a antecipar o reconhecimento de perdas para acionar o mecanismo de capital contingente e receber apoio público? António Ramalho explicou que algumas operações representaram uma normalização do balanço do banco, cujas perdas não podem servir de motivo para pedir dinheiro ao Fundo de Resolução. E sublinhou que nem todos os créditos problemáticos podem ser dados como perdidos. Dos 4.200 milhões de euros associados aos 44 empréstimos “mediáticos”, já foram recuperados 1.500 milhões de euros, dos quais 500 milhões em ativos, sobretudo imóveis, e 1.000 milhões de euros em dinheiro.

As críticas à Comissão Europeia

Nesta audição, o presidente do Novo Banco não poupou a DG Comp, a autoridade da Comissão Europeia da concorrência, que não tem sido especialmente simpática para com os bancos portugueses. Para além das condições exigentes que impôs ao Novo Banco, em termos de remuneração, fecho de balcões e saídas de pessoas, atacou ainda o reparo feito à gestão do banco pós-resolução sobretudo em matéria de créditos, depois de analisar uma amostra em que a maioria dos empréstimos eram do tempo do BES. “O reconhecimento aos auditores não me leva a dar grande enfoque à DG Comp”.

Mas se Ramalho desvalorizou as críticas de Bruxelas à gestão do Novo Banco pós-resolução, o PSD não vai deixar cair o tema. O deputado Leitão Amaro anunciou que o partido vai por a votação no Parlamento uma auditoria independente à gestão que foi feita pós-resolução, e que envolve o processo e os termos da venda à Lone Star decidida já pelos socialistas. O Governo já anunciou uma auditoria independente, mas apenas sobre a concessão dos créditos problemáticos decididos ainda no tempo do BES.

A relação com o fundo Lone Star

As relações com o acionista privado Lone Star também levantaram dúvidas aos deputados, com António Ramalho a assegurar que o fundo americano está proibido de comprar ativos ao Novo Banco, ainda que o contrato preveja que a instituição possa contratar uma empresa de consultoria da Lone Star para avaliação de créditos no valor de até 7,5 milhões de euros por ano.

A venda da carteira de imóveis foi a preocupação que levou  a deputada independente eleita pelo PS, Helena Roseta, à audição. “Estou aqui porque estou muito preocupada com a questão da habitação em Portugal”. O Novo Banco, diz, vendeu milhares de imóveis, reconhecidamente e publicamente a 30 a 40% abaixo do valor de mercado.

A venda global foi feita com um preço 32% inferior ao valor de mercado, confirmou António Ramalho. Por segmentos, as residências foram vendidas em média com um desconto de 16% e os espaços comerciais com um desconto de 23%. De todos ativos do chamado Projeto Viriato “perto de 18% tinham proteção do mecanismo de capital contingente”, disse.

A pergunta sem resposta

E no fim fica no ar a pergunta com que o deputado Carlos Silva do PSD iniciou a audição: “A pergunta de todos os portugueses: quanto mais dinheiro vai precisar o Novo Banco?” Ou na versão do socialista, João Paulo Correia: “O que se pode esperar para os anos de 2019 ou 2020, quanto a novos pedidos ao fundo de resolução?”

O presidente do Novo Banco vê sintomas positivos “de que não teremos esforços adicionais de imparizações, mas também haverá imposições do Banco Central Europeu para reduzir os nossos NPLs (créditos em incumprimento). É um trade-off. Não consigo ser mais claro do que isso”, disse. Ainda assim sinalizou que a parte recorrente (excluindo o legado) do banco pode ter resultados antes de impostos superiores a 100 milhões. mas não referiu os resultados totais. O Novo Banco só pode recorrer ao mecanismo de capital contingente se registar prejuízos globais.

“Desde a primeira hora disse que vai ser preciso tempo e dinheiro e quanto menos tempo, menos dinheiro. A equação que me deram é difícil”, sublinhou. Ao longo da audição, o presidente do Novo Banco descreveu algumas dificuldades que enfrentou como o único presidente de um banco em transição, como a abordagem que teve de fazer a cada um dos detentores das obrigações que o banco trocou por depósitos. E deixou o desabafo:

“Aqui aceitam-se sugestões de quem já fez melhor e não de quem sabe mais”.