Hélder Fazenda, 37 anos, professor de matemática, implora por um espaço para dois sacos de alimentos numa das poucas embarcações artesanais que se arisca contra a maré do rio Búzi, em Moçambique.

O ciclone Idai ditou que só lhe restasse uma ‘t-shirt’ com ‘S’ maiúsculo do Super-Homem para vestir, mas se calhar ajusta-se à missão de hoje: regressar da Beira com mantimentos para a família, presa pelas águas na vila de Búzi.

O que seria banal em outra altura qualquer, conseguir provisões na Beira, tornou-se agora numa aventura.

A pequena embarcação de madeira, alugada por um grupo de pessoas, sai da Praia Nova, quase no centro da cidade da Beira, em direção à vila, numa viagem “arriscada” devido às condições meteorológicas e quase foi impedida pelas autoridades marítimas locais.

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Entra pela foz, vai rio acima e Hélder Fazenda espreita em frente, por cima da água castanha e revolta, para ver se ainda falta muito para chegar junto da esposa e do filho de oito meses.

São quatro horas para lá, contra a maré, o dobro do que lhe tinha levado a descer o rio.

Quando saiu junto deles não sabia bem o que ia encontrar na Beira, o que conseguiria comprar, nem como voltar à vila, mas tudo era melhor do que o mundo virado do avesso que quase os submergiu.

Tal como milhares de pessoas, estiveram sitiados durante dias, esperam por mantimentos.

“Tive de arriscar” ir à Beira. “Tenho de levar esta comida à minha família”, refere, acrescentando que além de feijão e arroz, os sacos contêm leite para o seu filho.

“Estive num centro de acomodação [em Búzi], mas ninguém nos está a ajudar. Não há médicos ali. As estradas estão interrompidas e não há comunicações. As pessoas são picadas por cobras e não há como serem assistidas”, acrescentou o ‘Super-Homem’.

As águas descem, mas quase todo distrito de Búzi continua submerso, uma semana após o ciclone passar.

Perto da margem, os corpos de animais em decomposição, arrastados para cima de árvores, deixam indispostos alguns passageiros.

No destino, dezenas de pessoas já se juntam e esperam, numa pequena ponte cais, prontas a arriscar uma viagem à Beira, deixando o resto da família para trás.

A viagem não é um ato de caridade: quem quiser ir procurar mantimentos tem algumas pequenas embarcações a motor que cobram 300 meticais, queixa-se a população.

Helga Tânia, outra professora, conta à agência Lusa que ficou dois dias no telhado da sua residência à espera de uma ajuda que nunca chegou.

Juntamente com os seus dois irmãos enfrentou a água e percorreu perto de 12 quilómetros até ali, à ponte cais da vila, mas, para sua frustração, as embarcações locais que fazem a viagem até à Beira exigem um pagamento.

“Nós não temos dinheiro”, frisou a professora primária, que perdeu tudo e que, mesmo que queira, não consegue ir procurar mantimentos à cidade.

À medida que as águas descem, as pessoas dispersas pelas zonas à tona em Búzi lavam-se e bebem da mesma água do rio.

O ativista moçambicano da Cruz Vermelha Fernando Alberto continua a tentar salvar vidas sozinho, descrevendo a situação como caótica.

“A população de Búzi está mal”, desabafa, apontando a purificação da água como prioridade.

O super-homem Hélder Fazenda já reencontrou a família, mas o próximo reforço de mantimentos é uma incógnita, como quase tudo o que o futuro reserva.