Silêncio… Get set! Pow!
E a corrida começa nos 110 metros barreiras, com milhares de adeptos a aplaudir no Estádio Olímpico Nilton Santos, a casa do Botafogo. Momentos antes, Jeffrey Julmis apontava para o pulso, apontava para o céu, apontava para a câmara. O atleta haitiano respira confiança, taco-a-taco nos 13 metros iniciais, até que surge o primeiro obstáculo… a perna esquerda não passa, Julmis embrulha-se na barreira, enquanto dá uma cambalhota, e acaba estatelado na pista 9 do estádio Engenhão.
O atleta haitiano até poderia ter feito muito de diferente para evitar aquele obstáculo e manter vivo o sonho olímpico no Rio de Janeiro – mas a barreira, essa, teria sempre a mesma altura. Se ao menos Julmis tivesse as opções do IGCP…
Sim, é de dívida pública que falamos: nas atuais circunstâncias, o Estado português garante sempre que não tropeça nos primeiros metros, porque, ao contrário daquele atleta, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública pode cortar a altura dos obstáculos iniciais e atirar para mais tarde.
Foi isso que voltou a fazer esta quarta-feira. Numa lógica de prudência, o IGCP pagou antecipadamente 742 milhões de euros de obrigações do tesouro (dívida de médio-longo prazo) que tinham validade até 2021. E voltou a pedir emprestado o mesmo montante com novo prazo: 2026.
É a terceira operação do género este ano, depois de o IGCP ter empurrado, em janeiro, 702 milhões de euros de 2020 para 2028; e de, em março, ter prolongado a maturidade de 619 milhões de euros de 2021 para 2030.
Suavizando ao longo do tempo os reembolsos de dívida aos credores, o Estado faz dois em um: aproveita as boas condições de mercado, que tem proporcionado juros muito baixos, e evita concentrações de pagamentos num mesmo ano. Ou, para o efeito da metáfora, a barreira fica agora com menos de um metro, mas, mais tarde, ganhará centímetros adicionais.
Além desta medida – chamada de “alisamento do perfil de reembolsos” -, que tende a tranquilizar investidores e diminuir o risco de refinanciamento, o IGCP procura ainda garantir excedentes de tesouraria (para não ter de pedir emprestado quando os custos forem elevados) e alargar o leque de investidores que financiam o Estado (para não ficar demasiado dependente de poucos credores). É nesta trilogia que assenta a prudência da entidade liderada por Cristina Casalinho.
Quando são feitos os reembolsos do Estado?
Para já, o Estado tem pagamentos previstos até 2045, depois de, em 2015, o IGCP ter emitido pela primeira vez dívida a 30 anos. Mas a grande maioria dos reembolsos está concentrada na próxima década.
Este ano, há quase 18 mil milhões de euros para devolver, sendo metade de curto prazo (bilhetes do tesouro, a verde no gráfico). E em 2020, as exigências são para já menores, não chegando aos 12 mil milhões de euros.
Seguem-se depois quatro anos de dívida de médio-longo prazo (Obrigações do Tesouro), detida na totalidade por investidores privados (a cinzento no gráfico). Os montantes anuais a pagar pelo Estado são sempre superiores a 12 mil milhões neste período e até 2028.
Em 2025, surgem finalmente os reembolsos relativos ao regaste financeiro (a amarelo e tons de azul no gráfico). Embora parte dos prazos esteja ainda totalmente por definir, esses pagamentos ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e ao Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF), que lhe sucedeu, deverão ser feitos quase sem interrupções entre 2025 e 2038 (são exceções 2030 e 2037). Há ainda duas pequenas fatias de dívida a serem pagas para lá desse período. Saldada está a conta do FMI.
Nas próximas duas décadas, se tudo se mantivesse inalterado, as barreiras mais fáceis de transpor seriam 2030, 2033, 2035, 2036 e 2038 – em que, para já, os pagamentos previstos ficam abaixo dos 6 mil milhões de euros. Só que, ao contrário do que se passou com o atleta haitiano no Rio de Janeiro, estas são fasquias flexíveis, dependendo das circunstâncias do país e da arte de facilitar a corrida, em cada momento, do IGCP.