Quando Franco Zeffirelli chegou ao cinema, já trazia muita experiência e bastante prestígio como encenador de teatro e de ópera, tendo sido assistente de Luchino Visconti e dirigido em palco nomes como Ana Magnani, Judi Dench, Maria Callas ou Joan Sutherland. Pelos temas, pela concepção visual, pela linguagem plástica, pelos autores escolhidos para adaptação e pela grande influência da arte clássica, quase todos os seus filmes reflectem essa formação teatral e operática, os dois primeiros grandes amores artísticos do realizador. Zeffirelli, que era remotamente aparentado com Leonardo da Vinci, morreu ontem, aos 96 anos, e deixou por concretizar uma ambiciosa versão cinematográfica do “Inferno”, de Dante, para a qual chegou a fazer desenhos e pinturas preparatórias. Eis os seus melhores filmes.

“A Fera Amansada” (1967) – Franco Zeffirelli tinha já bastante traquejo a encenar peças de William Shakespeare quando decidiu levar à tela esta comédia do autor inglês (foi a sua segunda longa-metragem, após “Camping”, uma comédia com Nino Manfredi, em 1958), beneficiando da sua amizade com Richard Burton e Elizabeth Taylor não só para os ter nos papéis de Petruchio e Katharina, como também para conseguir o apoio financeiro de ambos para o filme, de que foram co-produtores. Burton e Taylor canalizam também para as respectivas personagens o seu carisma turbulento enquanto casal na vida real, ajudando decisivamente a fazer desta “A Fera Amansada” um das adaptações de Shakespeare de referência no cinema.

“Romeu e Julieta” (1968) – Paul McCartney chegou a falar com Franco Zeffirelli para ser o Romeu desta versão da peça de Shakespeare, mas o papel acabou por ir para o desconhecido Leonard Whiting, tal como o de Julieta para a estreante Olivia Hussey. Filmado em grande parte em cenários naturais em Itália, com dois actores principais que tinham quase a idade das suas personagens (o que sucedeu pela primeira vez em cinema), este “Romeu e Julieta” ágil e empolgado, e com o bónus da narração feita por Sir Laurence Olivier, foi popularíssimo junto dos espectadores mais jovens e teve nomeações para os Óscares de Melhor Filme e Realizador (ganhou os de Direcção de Fotografia e Guarda-Roupa).

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“Jesus de Nazaré” (1977) – Concebido originalmente como uma série de televisão, esta vida de Cristo teve também uma versão para cinema em duas partes. Muito influenciado pela arte do Renascimento, a favorita de Franco Zeffirelli, “Jesus de Nazaré”, apesar do aparato de produção e do elenco de prestígio, consegue chegar a um meio termo entre as superproduções bíblicas de Hollywood e as versões “pobres” de cineastas de esquerda como Pier Paolo Pasolini. Mais uma vez, o realizador escolheu um actor então menos conhecido, o inglês Robert Powell, para o papel principal, em vez de uma vedeta estabelecida. E a verdade é que, a partir daí, a imagem de Powell no filme passou a ser muito utilizada para figurar Cristo na arte religiosa.

“La Traviata” (1982) – Um dos grandes “opera movies” de sempre, onde Franco Zeffirelli investiu toda a sua criatividade e experiência de encenador deste género musical, com um elenco onde se destacam Teresa Stratas e Placido Domingo como Violetta e Alfredo. Ambos juntam os seus talentos de representação às poderosas vozes. Os valores cinematográficos desta “Traviata” elevam-na muito acima do mero e mecânico registo filmado de uma ópera. A banda sonora do filme, com o maestro James Levine a dirigir a orquestra e o coro da Metropolitan Opera de Nova Iorque, ganhou o Grammy de Melhor Gravação de Ópera.

“Chá com Mussolini’ (1999) – Há duas boas razões por este filme, o penúltimo realizado por Franco Zeffirelli, constar desta lista. A primeira é a sua natureza autobiográfica. Uma boa parte da infância da juventude do realizador em Itália, antes e durante a II Guerra Mundial, é contada em “Chá com Mussolini”, com Charlie Lucas e Baird Wallace a interpretá-lo enquanto criança e adolescente, respectivamente. A segunda, são as soberbas interpretações do quinteto de senhoras formado por Judi Dench, Maggie Smith, Joan Plowright, Lily Tomlin e Cher, as protectoras do jovem Luca/Franco Zeffirelli.

“Callas, a Diva” (2002) – Naquela que foi a sua derradeira longa-metragem, Franco Zeffirelli combina recordações pessoais de Maria Callas (magnificamente personificada por Fanny Ardant) com elementos ficcionais, para homenagear o talento e a integridade artística daquela que foi sua amiga e que dirigiu em palco. A intriga passa-se em Paris, em 1977, o ano da morte da Callas. A voz da cantora já não é o que era, mas o seu antigo agente e amigo de longa data, Larry Kelly (Jeremy Irons), quer convencê-la a entrar numa versão cinematográfica da “Carmen” de Bizet. Para isso, Maria Callas terá que fazer “playback” utilizando uma gravação dos seus dias de glória. A diva recusa, mas sugere fazer um filme da “Tosca”, desde que seja ela a cantar.