As alterações apresentadas pelos partidos da esquerda ao decreto que visa restaurar a Casa do Douro enquanto associação pública foram esta sexta-feira aprovadas em Assembleia da República. O decreto que foi vetado em abril pelo Presidente da República — que pediu “reflexão adicional” sobre “adoção de associação pública, os seus contornos concretos e, em particular, o exercício de funções reservadas a entidades patronais e sindicais” — volta novamente às mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, que agora terá um prazo de 20 dias para o reapreciar.

Casa do Douro. Perguntas e respostas para compreender o elefante na sala (e na vinha)

Ao Observador, Francisco Rocha, deputado do PS, garante que os partidos que subscrevem o decreto (PS, BE, PCP e PEV) procuraram dar resposta “às preocupações mais prementes” do Presidente da República, afirmando que o intervalo de tempo entre o veto de Marcelo e a aprovação das alterações foi “necessário para fazer uma reflexão mais profunda”. “Cremos que esta reformulação responde à maioria dos pontos do PR e não fere nem viola a alma do diploma.” Carlos Matias, do Bloco de Esquerda, reforça que, apesar das alterações apresentadas, manteve-se o essencial, uma vez que a Casa do Douro permanece uma instituição pública de inscrição obrigatória. “O essencial é a representação dos viticultores e isso manteve-se”, assegura.

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Mas que alterações foram, então, feitas ao decreto vetado por Marcelo? Francisco Rocha, do PS, explica que foram retiradas as questões que tinham que ver com a contratação coletiva e com a atividade sindical. O deputado diz ter sido “aperfeiçoada” a democraticidade interna da “nova Casa do Douro” e reforçada a função do Conselho Geral para deliberar o valor a cobrar aos associados, bem como a própria existência de uma quota.

Isto não é uma restauração, mas sim uma reinstitucionalização da Casa do Douro. Isto não tem nada que ver com o passado, tem que ver com especificidades próprias da região”, continua Francisco Rocha. “Vamos atenuar a desigualdade entre produção e comércio, tornar mais sustentável a atividade da viticultura e responder ao desafio de representatividade plena da produção no Douro.

Na proposta de alteração ao decreto n.º 293/XIII encontram-se três modificações significativas:

  • a palavra “restauração” da Casa do Douro é substituída por “reinstitucionalização”;
  • a competência da Casa do Douro que dizia respeito a “representar os associados na celebração de acordos coletivos de caráter comercial ou técnico bem como em convenções coletivas de trabalho” é eliminada;
  • passa a competir ao Conselho Geral “a determinação da existência de quotas a pagar pelos associados, bem como o seu valor”

António Lima Costa, do PSD, fala ao Observador num paradoxo, no sentido em que o modelo proposto pela esquerda pretender ser público, ainda que não lhe tenham sido atribuídas funções de carácter público. “As funções propostas são típicas de entidades privadas”, diz, dando como o exemplo o facto de Casa do Douro poder “vender produtos agrícolas aos viticultores”, entrando assim “em concorrência direta com entidades privadas”, e de a entidade poder também “colaborar com as empresas na venda de vinhos no estrangeiro”, sendo que a “comercialização de vinhos é uma atividade privada”.

Ao vetar o decreto, diz António Lima Costa, o Presidente da República pôs em causa o modelo no seu todo mesmo dando um exemplo em concreto, referindo-se à necessidade de rever “o exercício de funções reservadas a entidades patronais e sindicais”, tal como consta no veto presidencial. “O PS, o BE e PCP [e agora PEV] pegam nesse exemplo apenas, eliminam essa função e dizem que responderam ao que o PR quis, que resolveram o problema. Mas isso não altera a filosofia do modelo, é um truque”, garante. Também Hélder Amaral do CDS-PP afirmou, ainda na quarta-feira, que as alterações propostas pela esquerda mostram “o desrespeito ao Presidente, ao ex-governo socialista e aos agricultores do Douro”.

Marcelo Rebelo de Sousa tem agora 20 dias para se pronunciar após a receção do diploma.