Vítor Constâncio foi ao parlamento duas vezes e, embora na segunda audição tenha dado “respostas mais concretas”, estas foram “igualmente insatisfatórias” — tal como foi insatisfatória a sua atuação enquanto governador do Banco de Portugal, defende João Almeida, deputado do CDS-PP e relator da comissão parlamentar de inquérito. Em entrevista à Rádio Observador, esta terça-feira, João Almeida, defendeu que a comissão provou que “a supervisão ficou muito aquém, mais uma vez, daquilo que devia ter sido o seu papel”. E “nem com evidências que foram comunicadas ao Banco de Portugal o supervisor agiu de forma a evitar que aquilo que aconteceu com a Caixa”.
O Observador tentou várias vezes contactar o antigo governador do Banco de Portugal, sem sucesso. Vítor Constâncio aparece no relatório da comissão de inquérito, cuja proposta foi divulgada na segunda-feira, como um dos principais viabilizadores daquilo que aconteceu no banco público e nas perdas que acabaram por ter de ser reconhecidas pelas imparidades milionárias que foram registadas nos anos seguintes.
João Almeida sobre a Caixa. “Esta administração não foi sã nem prudente”
“A segunda audição com Constâncio foi muito diferente da primeira, já que na segunda houve respostas apesar de tudo mais concretas, embora igualmente insatisfatórias”, referiu João Almeida. O relatório da comissão, na proposta que foi apresentada, aponta para uma “supervisão essencialmente burocrática”. “O deputado Paulo Sá falou numa supervisão sonolenta, e creio que caricaturalmente tem toda a razão”, diz João Almeida.
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A comissão de inquérito apurou, explicou João Almeida, que o “Banco de Portugal atuava de forma exclusivamente normativa, ou seja, havia regras, achava que as regras só por existirem iam ser cumpridas. E mesmo quando havia evidência de incumprimento em algumas dessas regras, enviava cartas à CGD e esperava que CGD — já tínhamos visto isso no BPN e no BES — fizesse as correções e não verificava. E não aplicava consequências que não tinham sido cumpridas”.
Quanto a responsabilidades governativas, há responsabilidades “de todos os governos na nomeação de administrações”. “O acionista não se pode demitir de acompanhar o exercício da equipa de gestão que nomeou”, defende João Almeida, acrescentando que “houve intervenção direta de membros do governo em processos concretos. Nos mais prejudiciais, como no caso La Seda/Artlant, houve uma intervenção direta do ministro da Economia, Manuel Pinho, que interveio para que se apelasse à Caixa Geral de Depósitos para que participasse no projeto”.
Ou seja, “houve toda uma promoção do projeto e um envolvimento direto do governo, incluindo do primeiro-ministro” para um “investimento estrangeiro que, na realidade, era totalmente financiado por empréstimos da Caixa Geral de Depósitos”.
A CGD tem um acionista, que é o Estado, e aquilo que se verificou também é que mesmo com alertas vindo de dentro da CGD — fosse pela comissão de auditoria, liderada pelo professor Paz Ferreira, fosse com a demissão de Almerindo Marques de administrador com uma carta em que alertava para os problemas que havia na CGD — as tutelas políticas não agiram e não deram às administrações qualquer indicação para que se invertesse a situação”.
“As comissões de inquérito não julgam”
Mas terá havido dolo na gestão da Caixa, que o relatório considera não ter sido “sã e prudente” sobretudo nos anos de Carlos Santos Ferreira? “É importante esclarecer que as CPI têm competências muito próprias e, portanto, aquilo que é fundamental nós fazermos é avaliar aquilo que foi a ação de entidades públicas e procurarmos factos e responsabilidades mas as comissões parlamentares de inquérito não julgam”.
“Tudo aquilo que consta do relatório e toda a documentação que recebeu — que foi muita e nunca tinha tido acesso o parlamento — deve estar à disposição dos órgãos de investigação criminal para que, na lógica da separação de poderes para que esses, sim, possam avaliar se existiu negligência, dolo, eventual gestão danosa e aplicarem depois consequências”. João Almeida diz esperar que “seja feita uma investigação competente e havendo consequências atribuíveis a pessoas em concreto isso aconteça”.
É frustrante, por vezes, nas comissões de inquérito, haver uma investigação profunda que é feita no âmbito político e depois, das duas uma, ou não haver consequência ao nível da justiça ou, então, essa investigação e essas consequências tardarem e haver um desfasamento muito grande entre aquilo que é a evidência pública permitida pelos inquéritos parlamentares e aquilo que depois é a perceção dos cidadãos em relação àquilo que efetivamente acontece.
Sobre Berardo, “ao contrário do que foi dito pelo próprio, a comissão conseguiu provar que não foi a Caixa Geral de Depósitos que foi pedir a José Berardo para lhe emprestar dinheiro [para a compra de ações do BCP].
O que aprendemos com a Comissão da Caixa? Os tiros no alvo e os tiros ao lado