Título: Churchill: Caminhando com o destino
Autor: Andrew Roberts
Editora: Dom Quixote

A vida de Churchill tem sido, com toda a justiça, aliás, escrutinada por um sem-número de biografias. De facto, é difícil encontrar melhor matéria literária. Do aristocrata sofisticado ao Salvador da Nação, do proscrito ao herói, Churchill é obviamente uma figura digna de romance. Não é preciso ser um escritor de grande quilate para empolgar os leitores – a espectacular fuga da prisão na guerra com os bóeres, os discursos grandiloquentes, as fúrias homéricas e a figura quase caricatural do aristocrata de charuto conseguem ofuscar o narrador.

Roberts não cai na tentação de tentar ser maior que o Homem; o principal nesta biografia é Churchill e é por ser tão transparente que a biografia é boa. É claro que a informação em larga cópia é admirável; no entanto, esta biografia tem o mérito de nos por, realmente, dentro de Churchill. Enquanto no também interessantíssimo ensaio de Boris Johnson, por exemplo, o lado interpretativo é muito claro, enquanto na biografia de Martin Gilbert temos quase uma História dos acontecimentos em que Churchill foi protagonista, o grande mérito desta biografia está em dar-nos a sensação de que vemos os acontecimentos pelos olhos de Churchill. Mais do que o heroísmo do entre guerras, percebemos o que é que leva Churchill a compreender os perigos de Hitler com tanta clarividência e, mais importante, de que maneira é que os seus defeitos impediram a sua opinião de ser tida em conta.

A primeira parte da biografia é dominada pela correspondência entre Churchill e a mãe. Churchill é um produto claro de uma educação aristocrática, embora com alguns desvios da norma que Winston soube aproveitar como ninguém. Para já, pela circunstância de ser o primogénito do filho segundo de um duque, Churchill estava na posição privilegiada de se poder sentar na Câmara dos Comuns e à mesa dos lordes; além disso, embora o seu pai tenha chefiado o Partido Conservador, envolveu-se depois num escândalo de chantagem com o herdeiro do trono, o que o condenou a uma espécie de exílio na administração da Irlanda. Winston passou assim a sua infância longe de Londres e herdou do pai uma simpatia pela situação Irlandesa que destoava da maioria dos políticos conservadores. Churchill fez desta infância e da educação longe de Eton uma bandeira de si próprio – como o Aristocrata sensível ao povo, com um saber forjado no exército e não no ambiente tísico das escolas – como aproveitaria a ascendência americana para representar o ideal do Homem pragmático e proativo. Esta é, aliás, uma das características fundamentais de Churchill. Pouca gente tem uma consciência tão aguda de si próprio, e do modo como o seu percurso e as suas características ecoam no espaço público; Churchill queria fazer valer-se do seu passado Malborough e escreveu uma monumental biografia do primeiro duque para provar isso mesmo; no entanto, se queria ser ao mesmo tempo um Malborough e um self-made man, tinha de reinventar os feitos do seu antepassado. Foi isso que o levou ao exército e a procurar constantemente, na sua juventude, os teatros de guerra.

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Roberts mostra claramente que o exército sempre foi, para Churchill, apenas uma plataforma para chegar à política; de facto, se deu provas de intrepidez no modo como fugiu da prisão em plena campanha Boer, o que lhe deu verdadeiramente fama e dinheiro não foram as façanhas marciais, mas o relato delas. Churchill escreveu para vários jornais como correspondente de guerra, na apetecível condição de soldado que não só assistia como participava nas contendas. Aos 21 anos já ganhava somas astronómicas com os seus artigos, que lhe deram a fama necessária para concorrer ao Parlamento através do Partido que o seu pai chefiara.

O percurso político de Churchill antes da primeira guerra é dominado pela figura do pai. Se Randolph Churchill era conhecido por ser um político imprevisível e com poucos escrúpulos, Churchill fez o possível por emular o seu pai e mudou sensacionalmente de partido a propósito de uma questão de taxas ao comércio. Nesses anos, Churchill é visto como um orador temível, mas pouco sério. É a contragosto que Asquith, Chamberlain ou Loyd George contam com ele, e só com grande relutância e após uma complicada série de acontecimentos Churchill chega ao Almirantado em plena guerra.

É certo que Winston mostra um certo desembaraço; no entanto, os graves reveses que a marinha sofre e o desastre de Dardanelos parecem sentenciar a carreira política de Churchill. Queimado nas funções executivas, cheio de inimigos no Partido Conservador, Churchill parece um orador mordaz mas desacreditado na prática, útil para as funções cínicas no dia-a-dia da Câmara dos Comuns mas longe dos voos que ele próprio desejava para si.

Não fosse o tempo em que lutou sozinho pelas sanções militares à Alemanha, não fosse a compreensão dos perigos que o Nazismo representava para o equilíbrio europeu de poder, e Churchill estaria politicamente acabado muito antes de a sua verdadeira história começar. A chegada de Churchill ao governo é quase um prodígio de fé na palavra e na inteligência; Churchill chega ao governo contra as provas da sua capacidade e até contra os seus mais que evidentes defeitos; no entanto, não foram a sua capacidade marcial ou técnica que pesaram na hora de chefiar uma nação em guerra; a chegada de Churchill ao poder é quase um pedido de desculpa da política inglesa a respeito dos tempos em que não o ouviu e uma demonstração de que, em última análise, se a Grã-Bretanha não tinha a força para fazer face à Alemanha, pelo menos tinha a razão. Ninguém, como Churchill, conseguia explicá-la com tanta clareza e com tanta noção da sua importância.

É certo que o génio inventivo de Churchill, que se manifestou por exemplo nos sistemas de locomoção dos tanques de guerra, tem o seu interesse; no entanto, a situação crítica torna a tenacidade de Churchill na procura de envolver os Estados Unidos e o incansável otimismo, se não inevitáveis, pelo menos previsíveis. Mas é a capacidade de mobilização e o modo como fez a crónica épicas dos feitos da guerra em tempo real que tornam a imagem de Churchill mais duradoura.

É óbvio que os anos de administração de Churchill são ricos em medidas importantes, não só em reação aos ares do tempo – estejamos a falar do sufragismo ou dos direitos laborais – como em certas novidades. Churchill não foi propriamente um furioso liberal, nem um conservador dos mais arreigados; teve algumas medidas políticas desastrosas – como o regresso ao padrão-ouro – e outras interessantes, como o nascimento do seguro laboral.

O que é atrativo na imagem pública de Churchill é o modo como a sua personalidade é determinante na sua política. Churchill foi um governante livre, pouco preso a grandes ideologias mas suficientemente sensato para dar valor às tradições, de tal modo que os seus anos à frente da Grã-Bretanha têm um cunho retintamente churchilliano. Há algumas encrencas, próprias de um homem desembaraçado mas não excessivamente cuidadoso, alguma bravata e um heroísmo que, de facto, empurraram o país para uma jornada épica. É famoso o humor churchilliano, mas é também esta sua maneira de olhar para o seu próprio tempo com olhos novos que dão tão depressa à Segunda Guerra Mundial a noção de que se vivia um tempo histórico. Churchill conseguiu do século XX um tempo de heróis e dar ao povo a ideia de que o Homem pode de facto contribuir para uma causa maior. E isso, mais do que os discursos de cadência Gibboniana ou de que os grandes feitos que podia partilhar com Roosevelt, Patton, Montgomery ou Eisenhower, é aquilo que lhe dá a grandeza que nem os seus enormes defeitos beliscam.