O Presidente dos EUA, Donald Trump, deverá ser esta sexta-feira absolvido das acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso pelas quais enfrenta por estes dias um julgamento de impeachment no Senado norte-americano. Após a sessão desta quinta-feira, o nono dia de julgamento, tudo indica que os democratas apenas contam com os votos favoráveis de três republicanos numa moção que pretende chamar novas testemunhas a depor no Senado — quando precisavam de quatro para a ver aprovada.

Ainda assim, a questão das novas testemunhas foi suficiente para destabilizar a maioria republicana que a defesa de Donald Trump dava como garantida no início do processo. No centro da divisão em torno da convocatória de novas testemunhas para o processo está especialmente John Bolton, o ex-conselheiro de Donald Trump cujo depoimento deverá minar vários argumentos da defesa do Presidente dos EUA.

Depois de, no último domingo, o The New York Times ter divulgado o conteúdo de um livro que John Bolton pretende publicar em breve, no qual o ex-conselheiro afirma expressamente que Trump quis manter a ajuda militar norte-americana à Ucrânia bloqueada enquanto aquele país não anunciasse publicamente investigações ao filho do seu rival político Joe Biden (suspeitas que estão na base da acusação de abuso de poder movida pelos democratas), aquilo que parecia ser uma confortável maioria de 53-47 que bloquearia qualquer esforço de chamar novas testemunhas a depor no Senado está agora transformada num potencial empate, uma vez que pelo menos três senadores republicanos — Mitt Romney, Susan Collins e Lisa Murkowski — deverão votar ao lado dos democratas para que Bolton e outras testemunhas sejam chamadas ao julgamento.

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Se na sexta-feira o resultado da votação da moção destinada a chamar novas testemunhas for de 50 votos a favor e 50 votos contra, a moção não será aprovada e o líder da maioria, Mitch McConnell, avançará de imediato com uma votação para absolver Donald Trump — que a maioria republicana deverá aprovar.

Esta quinta-feira, ficou a saber-se a posição definitiva de dois senadores republicanos que eram identificados como potenciais votos a favor de novas testemunhas. Susan Collins garantiu que vai votar a favor; Lamar Alexander assegurou que vai votar contra. Mitt Romney e Lisa Murkowski não se pronunciaram definitivamente sobre o assunto, embora tudo indique que deverão aprovar a audição de novas testemunhas. Romney tem-se mostrado favorável a ouvir John Bolton, enquanto Murkowski afirmou que iria “refletir” durante a noite de quinta para sexta-feira sobre qual será o seu voto.

Democratas querem que juiz desempate votação

Na base das acusações contra Trump estão suspeitas de que o Presidente dos EUA tentou pressionar o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelenski, a investigar suspeitas de corrupção na empresa energética ucraniana Burisma, de cuja administração Hunter Biden fez parte. O objetivo era prejudicar publicamente a imagem do ex-vice-presidente dos EUA e candidato democrata à Presidência Joe Biden, pai de Hunter Biden.

Para pressionar a Ucrânia, Trump teria usado duas vantagens: o bloqueio da ajuda militar norte-americana àquele país, essencial para os esforços de defesa contra a Rússia, que seria desbloqueada apenas quando a investigação fosse anunciada; e ainda a realização de uma reunião entre Trump e Zelenski na Casa Branca, de grande valor para que o recém-eleito Presidente ucraniano pudesse consolidar a sua legitimidade interna enquanto aliado dos EUA.

Para os democratas, esta pressão de Trump sobre a Ucrânia constituiu abuso de poder, uma vez que o Presidente dos EUA utilizou medidas à sua disposição apenas por estar à frente do governo norte-americano para obter ganhos pessoais. Além disso, Trump está acusado de obstrução do Congresso por ter impedido que funcionários e ex-funcionários da Casa Branca testemunhassem na fase de inquérito do processo. A defesa de Trump tem argumentado que o Presidente não deve ser destituído porque não cometeu nenhum crime punido pela lei e porque não houve nenhum quid pro quo, ou seja, nenhuma troca por troca entre o desbloqueio da ajuda militar e o anúncio das investigações.

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Após a acusação e a defesa terem tido três dias cada uma para apresentar os seus argumentos perante os senadores, o julgamento entrou numa fase de perguntas e respostas que terminou esta quinta-feira já perto das 23h de Washington, 4h de Lisboa — que serviu apenas para aprofundar as divisões entre republicanos e democratas. Durante dois dias, foram feitas perto de duas centenas de perguntas a ambos os lados, mas poucas foram verdadeiros pedidos de esclarecimento: a maioria das questões apresentadas pelos senadores à defesa e à acusação foram pensadas para dar oportunidade ao respetivo lado de reiterar os argumentos que foram apresentados ao longo dos últimos dias.

O foco das atenções nesta quinta-feira esteve, mais uma vez, nos corredores do Senado, onde nos últimos dias republicanos e democratas têm tentado garantir os votos necessários para, respetivamente, chumbar e aprovar a possibilidade de convocar novas testemunhas para o julgamento.

Durante a manhã, antes de entrar para a sala do Senado, o líder da maioria republicana, Mitch McConnell, mostrava-se confiante que os republicanos conseguiriam chumbar a proposta democrata de convocar John Bolton e outras testemunhas. Do lado democrata, a antecipação de um empate baseado na expectativa de que apenas será possível convencer três republicanos a votar a favor de mais testemunhas levou a acusação a fazer circular uma nova proposta: em caso de empate, o presidente do Supremo Tribunal dos EUA, John Roberts, que está a presidir ao julgamento, seria responsável por desempatar a questão.

“Penso que os interesses da justiça, que em última análise são responsabilidade dele [John Roberts] enquanto juiz presidente, são um poderoso argumento a favor de que ele desempate a votação”, argumentava o senador democrata Dick Blumenthal à entrada para o Senado. A imprensa norte-americana descreve este cenário como pouco provável, uma vez que o juiz presidente tem optado por se manter neutro em todo o processo. Porém, um jornalista americano encontrou um precedente: no julgamento de impeachment de Andrew Johnson, no século XIX, que foi o primeiro julgamento de um Presidente dos EUA, uma votação que acabou empatada entre os senadores foi desempatada pelo então juiz presidente.

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Numa tentativa de atrair mais republicanos para a causa da acusação de chamar novas testemunhas, o congressista democrata Adam Schiff, que lidera a acusação, tentou desmontar um dos principais argumentos da defesa de Trump: o de que a convocatória de mais testemunhas faria arrastar o julgamento por tempo indefinido. Perante os senadores, Schiff propôs que o período de auscultação de novas testemunhas seja limitado a uma semana, de forma a evitar esse arrastar do processo no tempo.

Ao mesmo tempo, o Presidente Trump recorria ao Twitter para classificar Adam Schiff como “mentalmente perturbado“.

“Porque é que este órgão não deve chamar John Bolton a depor?”

No interior da sala do Senado, uma das senadores republicanas que poderão votar ao lado dos democratas nesta sexta-feira, Lisa Murkowski, aproveitava a sua oportunidade para apresentar perguntas à defesa e à acusação para questionar diretamente os intervenientes: “Porque é que este órgão não deve chamar John Bolton a depor?

Na questão, lida em voz alta pelo juiz John Roberts, Mourkowski escreveu: “As notícias sobre o livro do embaixador Bolton sugerem que o Presidente disse diretamente a Bolton que a ajuda não seria libertada enquanto a Ucrânia não anunciasse as investigações que o Presidente queria. Esta contenda à volta de factos materiais pesa a favor de que sejam chamadas testemunhas com conhecimento direto.”

Em resposta, um dos advogados de Trump, Patrick Philbin, repetiu os argumentos da defesa: chamar mais testemunhas abriria um precedente, transformando o Senado num órgão de investigação que se sobreporia às funções da Câmara dos Representantes.

“Isto não é uma república das bananas”

Apesar de a sessão ter sido dominada pela discussão à volta das testemunhas, o púlpito do Senado foi palco, esta quinta-feira, para intervenções relacionadas com outros aspetos do caso — nomeadamente para os argumentos da defesa de Trump ligados a questões legais.

Depois de o advogado Patrick Philbin ter assinalado que Donald Trump não cometeu nenhum crime ao receber informação de um estado estrangeiro sobre um rival político, o democrata Hakeem Jeffries respondeu-lhe afirmando que “isto não é uma república das bananas, é a república democrática dos Estados Unidos da América”. Isto porque, para Jeffries, aquele argumento apresentado pela defesa de Trump abre a porta a que países estrangeiros possam interferir em futuras eleições norte-americanas.

Outra polémica centrou-se à volta das tentativas, por parte dos republicanos, de revelar a identidade do denunciante que está por trás de toda a investigação.

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Na quarta-feira, o senador republicano Rand Paul tinha tentado submeter uma pergunta na qual mencionava o nome do possível denunciante, mas o juiz John Roberts recusou lê-la em voz alta. Esta quinta-feira, Paul repetiu a questão, mas viu-a ser recusada novamente. Só quando o senador Ron Johnson submeteu uma questão similar, mas sem o nome do denunciante, é que a pergunta foi lida, com o objetivo de saber se o denunciante tinha trabalhado em conjunto com os democratas para criar um caso que levasse à destituição de Trump. Em resposta, o líder da acusação, Adam Schiff, disse não querer alimentar “teorias da conspiração“.

O julgamento de impeachment de Donald Trump é retomado esta sexta-feira às 13h de Washington (18h de Lisboa), naquele que poderá ser o último dia do processo caso os republicanos chumbem a convocatória de novas testemunhas e absolvam o Presidente dos EUA. Os senadores deverão debater o caso durante quatro horas antes de prosseguirem para as votações.