Junto ao número 305 da Rua João das Regras, no Porto, a música ouve-se no passeio. Se para uns estes acordes são uma novidade, para outros é uma companhia habitual, já que a Porta-Jazz, que ali tem a sua morada principal, costuma ter concertos todas as semanas. Desta vez é diferente: ensaia-se para o festival homónimo que este ano completa dez anos de vida.

António Pedro Saramago, mais conhecido como AP, é um dos primeiros a chegar com a guitarra atrás das costas. Estudou na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no Porto, de onde saíram a maioria dos elementos da Porta-Jazz. Integra a associação desde o primeiro dia e é lá que também se sente em casa. “O projeto é super importante porque deu voz a músicos e a projetos que estavam dispersos no Porto e não tinham espaço. Levou a música às pessoas”, começa por dizer ao Observador.

“A Incerteza do Trio Certo” (Foto: João Saramago)

Além de guitarrista, António Pedro é também professor no Conservatório de Música do Porto e garante que existe cada vez mais gente a aprender jazz. “Tenho alunos de 15 e 16 anos, o que é bom. O jazz é um género que dá ferramentas de arranjo, composição e improvisação valiosas para depois eles fazerem o que quiserem dentro da música”, explica. A Incerteza do Trio Certo é o seu quarto álbum e será apresentado no festival. Nele explorou o formato trio, juntamente com Miguel Sampaio (bateria) e Diogo Dinis (contrabaixo), onde a guitarra é “a voz principal”.

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Quem também já está na sala de ensaios pronta para entrar em ação é Susana Santos Silva, uma trompetista portuense a viver em Estocolmo. “Com 17 anos entrei para a Orquestra de Jazz de Matosinhos, fiz o curso na ESMAE e conheci-os a todos. Crescemos juntos, musicalmente falando”, partilha em entrevista ao Observador.

Há três anos, Susana decidiu mudar-se para a capital da Suécia por se identificar com com a música que se faz por lá. “Como acontece em Berlim ou em Amesterdão, em Estocolmo existe uma grande mistura entre os diferentes géneros musicais. Em Portugal as coisas ainda estão um bocado compartimentadas. Eu sempre estive no meio disso tudo e faltava-me um lugar que me deixasse exprimir esse lado.”

“Impermanence” (Foto: DR)

“The Ocean Inside a Stone” é o segundo disco que integra o projeto “Impermanence”, iniciado em 2014 e que marca a primeira parceria da Porta-Jazz com o Guimarães Jazz. Aqui reúne pela primeira vez composições exclusivamente da sua autoria. Ao todo são sete temas, “sete mundos diferentes”, mas cada um com a sua identidade. “Tenho pensado muito sobre a impermanência, sobre como as coisas estão constantemente a mudar, embora haja sempre um fio condutor na nossa vida. Este disco é sobre o que se mantém, mas também sobre o vai mudando no dia a dia sem querermos ou até mesmo sem nos apercebermos.”

O seu processo criativo parece ser mais emocional do que racional. “Quando escrevo música é algo muito intuitivo e instantâneo. Sai sempre sem pensar muito sobre a técnica, é só um reflexo de como percebo o mundo e o que me rodeia.”

Um ponto de encontro para o jazz que se faz no Porto e no mundo

Criada para ser um polo agregador dos músicos de jazz na cidade, que até 2010 estavam dispersos, a Associação Porta-Jazz cresceu, consolidou-se e construiu pontes para apoiar, estimular e incentivar a criação artística. “Se na primeira edição do festival o propósito era formar uma comunidade local, agora é a confirmação de que essa comunidade não é apenas local, é um movimento que ultrapassa os músicos do Porto”, começa por explicar João Pedro Brandão, fundador e diretor da Porta-Jazz.

Prova disso é o número de parcerias, colaborações e residências, onde além do trabalho nasce quase sempre uma amizade. “Desafiamos os músicos a saírem da sua zona de conforto, a não tocar só com o vizinho, mas também com o artista que está longe e que, de certa forma, admira.” Ao proporcionar esses encontros, João Pedro acredita que está a “enriquecer o meio”, uma vez que este tipo de experiências “trazem um efeito real no futuro”.

“Coreto” (Foto: DR)

A atividade desenvolvida pela Porta-Jazz é contínua e paragem obrigatória no circuito de jazz para quem visita o Porto. O seu trabalho passa por formações, masterclasses, uma editora discográfica independente, a Carimbo, e uma espécie de banda residente com vários compositores, o Coreto. “Há uma lógica de criação, primeira experiência, gravação e depois a oportunidade de uma itinerância com outros circuitos e parcerias que estabelecemos noutras cidades.”

No festival anual que o coletivo organiza, os projetos originais são privilegiados e a diferença é sempre bem-vinda. “Este não é um festival como outro qualquer, em que há um diretor artístico que tem um gosto, uma linha estética, e faz uma curadoria. Nós simplesmente sentamo-nos à mesa e juntamos uma série de coisas que estamos a fazer. Tentamos que seja uma programação diversificada e cheia de contrastes”, explica o responsável.

Um concerto comentado, uma retrospetiva e uma mão cheia de estreias

Nesta edição, o evento regressa ao Rivoli para três dias de música distribuídos por seis espaços do teatro, do palco como plateia ao foyer, passando pelo café. “HVIT” é o projeto de abertura e que combina a composição do pianista João Grilo e o trabalho do artista visual Miguel C. Tavares. Ambos juntam-se a dois músicos noruegueses — o baterista Simon Olderskog Albertsen e o contrabaixista Christian Meaas Svendsen – para um momento onde a música e o vídeo são protagonistas.

O compositor e pianista João Grilo também irá conduzir o “Falar ao Ouvido”, um concerto comentado para leigos do jazz. “Vai esclarecer dúvidas, espantar fantasmas e explicar como se faz esta música única, mostrando o papel da improvisação, da composição, da interação e da intuição na sua feitura”, lê-se na sinopse.

Encomendado propositadamente para o festival é o projeto “PULSE!” do compositor Ricardo Coelho. Começou a tocar piano aos quatro anos, passou pela bateria e afirmou-se no vibrofone, trabalhou com MINA, Capicua, Jafumega ou EduMundo e viajou entre o jazz, a música improvisada, o hip hop e a world music. Para este espetáculo, o músico convidou o baixista brasileiro Frederico Heliodoro para dividir o palco com Mané Fernandes (guitarra/eletrónica), José Diogo Martins (piano/teclados) e Diogo Alexandre (bateria) e assim, num quinteto, explorar a sua faceta mais criativa.

Pela primeira vez no Festival Porta-Jazz está o contrabaixista portuense Hugo Carvalhais, que reuniu um sexteto ao qual incluiu um amigo de longa data, o saxofonista lituano Liudas Mockunas, considerado um “nome imprescindível na nova música improvisada europeia”.

Se a Orquestra de Jazz de Matosinhos traz como convidado o trompetista e compositor americano Peter Evans, Ricardo Formoso, trompetista espanhol a viver no Porto, conta com o canadiano Seamus Blake (saxofone tenor), o catalão Albert Bover (piano), o argentino Demian Cabaud (contrabaixo) e o português Marcos Cavaleiro (bateria) para apresentar o seu segundo álbum “Implosão”.

Oito anos e quatro discos depois, o Coreto, uma espécie de banda residente da associação, apresenta-se numa retrospetiva, já a parceria da Porta-Jazz com a AMR, uma associação de músicos criada na década de 70 em Genebra, volta a soar bem. A equipa nacional é composta por João Guimarães (saxofone) e Acácio Salero (bateria), ficando o lado suíço a cargo de Benoît Gautier (contrabaixo) e Thomas Florin (piano).

Os bilhetes estão à venda na bilheteira do Rivoli e online por 7€ e dão acesso ao bloco de concertos de tarde e à noite. As atividades no Café e no Foyer são de entrada livre. Consulte aqui toda a programação.