A paixão pelo cinema de Luís Moya vive em paralelo com as suas funções como repórter de imagem em televisão. “Um dia gostava de me dedicar a 100% ao cinema, só não o faço por questões monetárias”, começa por explicar em entrevista ao Observador.
O realizador, que estudou cine-vídeo na Escola Superior Artística do Porto e na Escola de Artes Saint-Lukas em Bruxelas, tem desenvolvido alguns projetos de cinema independente, curtas-metragens, onde a ficção e o documentário se fazem notar. Em 2013 realizou o seu primeiro documentário “Mia mia Sudan taman taman”, rodado no Sudão durante o referendo da independência do Sudão do Sul, onde mostra “o lado humano e feliz de uma guerra civil”. O trabalhou mereceu o Prémio Cinema Português Fantasporto, sendo também distinguido no Farcume – Festival Internacional de Curtas-metragens de Faro.
Motivado pelo reconhecimento do seu trabalho, Luís estava à procura de um tema para um próximo projeto. Encontro-o durante um almoço numa esplanada perto da Avenida dos Aliados. “A conversa foi interrompida por uma voz rouca acompanhada por uma guitarra desafinada”, conta. A curiosidade levou-o a ir ter com o músico de 50 anos e de óculos de sol, acabando mesmo por cantar com ele sentado no chão um tema dos Pink Floyd. “Era uma figura entre o Jorge Palma e o Bob Dylan, estava a fazer aquilo feliz, sem vergonha”, recorda.
“Blade Runner”, de Ridley Scott, marca início do 40º Fantasporto
Seguiram-se longos passeios pela cidade em busca de artistas que ganham a vida a dar música aos outros, de forma livre e completamente espontânea. “Procurei conhecer músicos que estão na rua pura e dura, não aquele turista que vem ganhar uns trocos e tem uma vida confortável.”
O processo longo, durou cinco anos. “Não foi fácil entrar no mundo deles, a maioria são muito desconfiados, pensam logo que nos estamos a aproveitar (…) São pessoas muito fechadas e de pé atrás, já tiveram experiências traumatizantes e pensam que toda a gente os está a tentar explorar. O meu filme não é para explorar ninguém, é para divulgar e dar a minha visão enquanto realizador que é promover o artista de rua e dar a conhecer uma realidade que ninguém conhece. Porque o pessoal passa na rua e chama-os de coitadinhos ou drogados. Quero mostrar que há ali grandes pessoas e artistas que as pessoas não fazem ideia”, apontou.
Depois de muitas horas de conversa e alguns copos pagos em esplanadas, o realizador ganhou a confiança de seis músicos, chegou mesmo a visitar os quartos onde vivem e a conhecer o seu passado. “O primeiro com quem me cruzei junto aos Aliados, por exemplo, pisou os grandes palcos nos anos 80 e partilhou o top de vendas com os Xutos & Pontapés. Hoje está na rua.” Tratava-se de Alexandre Amorim, membro fundador dos Pippermint Twist, banda que entrou numa coletânea do Rock Rendez Vous e contava com Miguel Cerqueira, baixista fundador dos Trabalhadores do Comércio.
A intenção do realizador passava partilhar os desabafos destas pessoas, mostrar como vivem e o que os levou a cantar ou a tocar nos passeios. “Quis retratar a vida deles além do seu aspeto. Por cantarem na rua com uma caixa de sapatos à frente, muitos consideram-os pedintes, mas no fundo estão a fazer aquilo que gostam de uma forma livre, tal como eu.”
Há perfeitos anónimos a tocar, uns há mais duas décadas, a céu aberto no Porto, mas também nomes conhecidos, como o de Nuno Norte. “O Nuno Norte foi dos primeiros músicos de rua no Porto, na altura chamavam-lhe muita coisa menos isso. Foi inscrito num programa de televisão, ganhou e catapultou para os palcos. A vida dá muitas voltas, tanto estás lá em cima como no fosso. O contrário também acontece, o Nuno tinha a experiência disso, esteve nos dois lados”, explicou o realizador de 34 anos, que usou covers e originais cantados por estes artistas para marcar as sequências de um filme, cuja maioria dos planos partem da sua experiência em sair à rua com uma câmara na mão.
Em 93 minutos, o realizadorde “Por Detrás da Moeda”, que também aparece no ecrã, garante estar espelhada a relação próxima que teve com os seis protagonistas, bem como o quotidiano de uma cidade que “irá desaparecer daqui a uns anos”.
“Admiro a coragem desta gente, podiam estar a trabalhar noutro sítio alguns deles, que têm formações. Estão a dar um concerto na rua, um espetáculo, quem quiser parar e ver pôr uma moeda, ninguém obriga ninguém. Com esse dinheiro pagam as contas, compram calçado, sustentam os filhos. É preciso ter coragem, neste país, viver da música, ou cinema, ou qualquer arte. Eu não tive essa coragem, continuo a trabalhar e a conciliar com a paixão que tenho.”
Luís Moya já está a rodar o seu próximo documentário nas Bahamas e espera terminá-lo ainda este ano. Até lá, o circuito de exibição de “Por Detrás da Moeda” está a cargo da produtora Filmógrafo, sendo que tem estreia marcada para o próximo sábado, dia 29, no Fantasporto, no Teatro Rivoli, no Porto. A 40ª do festival termina a 8 de março.