O Tribunal Constitucional da Alemanha anunciou esta terça-feira que as compras de dívida por parte do BCE – o programa “quantitative easing” – não constituem “financiamento monetário”, o que seria ilegal (um banco central a financiar gastos públicos), mas pediu ao banco central que demonstre a sua “proporcionalidade” no cumprimento do seu mandato legal – ou seja, que a sua ação não teve implicações económicas que ultrapassam aquilo que o BCE está mandatado para fazer. Christine Lagarde terá três meses para apresentar esse enquadramento, caso contrário, pelo menos em teoria o tribunal pode opôr-se a que o banco central alemão continue a participar no programa. A Comissão Europeia já reagiu à decisão, lembrando a primazia da lei comunitária e o caráter vinculativo dos acórdãos do Tribunal de Justiça europeu.

“Sem prejuízo de uma análise em detalhe da decisão de hoje do Tribunal Constitucional alemão, reafirmamos a primazia da lei europeia e o facto de os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão Europeia sempre respeitou a independência do BCE na sua implementação de política monetária”, afirmou o porta-voz do executivo comunitário, Eric Mamer, na conferência de imprensa diária da Comissão.

Como era esperado, embora houvesse quem temesse uma deliberação num sentido desfavorável, o tribunal considerou que as compras de dívida por parte do BCE – que desde 2015 participa nos mercados de dívida pública da zona euro, comprando obrigações dos países da zona euro – são legais de um ponto de vista essencial: não constituem, reconhece o tribunal, emissão de moeda pelo banco central para financiar défices de estados. Mas o tribunal pediu à instituição liderada por Christine Lagarde que faça nos próximos três meses uma avaliação da “proporcionalidade” do programa, demonstrando que não houve “efeitos sobre a política económica e orçamental” que tenham sido ilegalmente provocados pelo BCE, na prossecução do seu único mandato que é o da estabilidade dos preços.

Uma deliberação negativa poderia ter colocado em causa o programa que foi e continua a ser decisivo para comprimir as taxas de juro dos países da zona euro e limitar a divergência entre os custos de financiamento de uns países e outros. Mas o tribunal considerou que o programa de quantitative easing não constituiu uma violação da proibição do financiamento monetário aos orçamentos dos estados-membros“, isto é, ter o banco central a financiar défices públicos. O BCE já comprou, no mercado, 2,2 biliões de euros em dívida da zona euro, desde o lançamento deste programa.

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Ainda assim, a deliberação vem com essa nota adicional, que tem implicações mais complexas: o tribunal considerou que o BCE poderá ter excedido o seu mandato (estabilidade dos preços) ao não levar em consideração, de forma suficiente, os efeitos económicos da sua política.

Que conclusões tirar da decisão, globalmente? Os economistas do ING têm dúvidas: “numa interpretação otimista, estamos perante um cão que ladra muito mas não morderá, e que tudo ficará bem desde que o BCE demonstre que ponderou seriamente as consequências económicas que as suas decisões teriam. Mas uma leitura pessimista vê aqui um risco de que a argumentação que o BCE vier a produzir, seja ela qual for, não será capaz de convencer os juízes alemães e, por essa razão, ditar o fim do quantitative easing”.

O tribunal salientou, porém, que a decisão desta terça-feira diz respeito ao programa de “quantitative easing” lançado em 2015 e não diz respeito “a quaisquer medidas de assistência financeira tomadas pela União Europeia ou pelo BCE no contexto da atual crise causada pelo coronavírus”. A par do QE, o BCE lançou entretanto um outro programa de compras de dívida, no valor de 750 mil milhões de euros, especialmente vocacionado para conter o impacto da crise causada pela pandemia Covid-19.