Os artistas ligados à canção de Coimbra enfrentam problemas comuns a outras áreas culturais em contexto de pandemia, mas a crise local assume especificidades numa cidade universitária procurada por milhares de turistas de todo o mundo.

Na semana em que os cafés e restaurante iniciaram a reabertura gradual em todo o país, os músicos de Coimbra ouvidos pela agência Lusa são unânimes a antever um quadro de dificuldades financeiras sem fim à vista.

“Está tudo completamente parado”, lamenta Manuel Portugal, da associação Fado Hilário, que funciona na Alta, a escassas dezenas de metros da Sé Velha, e cuja atividade faz parte dos roteiros turísticos da cidade do Mondego.

O “grande impacto” do confinamento geral e demais restrições da pandemia da covid-19 têm expressão sobretudo na falta de trabalho dos músicos envolvidos no projeto cultural, “ainda sem perspetivas definidas” para os próximos tempos.

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“Essa parte é que é muito assustadora”, afirma à Lusa o guitarrista, que dinamiza dois grupos de música ligada aos ambientes estudantil e popular da cidade: o Fado Hilário e o Grupo de Guitarras e Cantares de Coimbra.

Manuel Portugal tem participado na organização do festival “Correntes de um só rio — Encontro da canção, do fado, da música e das guitarras de Coimbra”, iniciativa da Câmara Municipal cuja terceira edição está agendada para outubro.

O programa vai sofrer adaptações na sequência da nova realidade, desde logo o adiamento de um espetáculo de homenagem a Rui Pato, que há cerca de 50 anos acompanhou José Afonso à viola em alguns dos discos e espetáculos do criador de “Grândola, Vila Morena”.

Dono da República da Saudade, um restaurante que aposta na animação para turistas centrada na canção de Coimbra, Pedro Lopes também está envolvido na génese do “Correntes de um só rio”, quando Coimbrã intensifica a candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027.

O músico está entusiasmado com a concretização do festival, no outono, apesar de alguns ajustamentos, mas manifesta apreensão relativamente ao futuro dos artistas, operadores diversos e eventos ligados ao fado, guitarras e canção de Coimbra em geral.

“É uma desgraça muito grande, não temos absolutamente nada”, afirma à Lusa, ressalvando que a tradição musical da cidade “está num bom momento”.

Pedro Lopes toca viola e integra o projeto Na Cor do Avesso, além do grupo República da Saudade, que atua no restaurante, agora reaberto e que costumava acolher turistas de diferentes países, sobretudo norte-americanos que visitam Portugal e o rio Douro e naturalmente Coimbra.

“Mas, até julho, pelo menos, está tudo bloqueado ao nível dos espetáculos. Não estamos com grandes expectativas. É uma pena não podermos estar com o público”, refere.

Mais ligado à música popular portuguesa, o cantor João Queirós é frequentemente convidado para concertos de fado e baladas de Coimbra.

Criado por António Portugal (1931-1994), cunhado do poeta Manuel Alegre, o Grupo de Guitarras e Cantares de Coimbra foi reativado pelo filho do músico, Manuel Portugal.

João Queirós chegou a integrar o agrupamento nas duas fases, com António Portugal e com o dirigente do Fado Hilário.

“Perdemos dinheiro, pois não temos trabalho, nem ordenado. Quem está neste meio é pago muito à peça”, salienta à Lusa.

Nuno Encarnação toca viola no Grupo de Fados Capas Negras de Coimbra, desde 1991, quando frequentava ainda a Universidade de Coimbra (UC).

A situação excecional da pandemia constitui “um duro golpe para quem gosta de música” e para os artistas, segundo o ex-deputado do PSD.

“Compreendemos que não possa haver ajuntamentos. Mas a música faz-se com a interação do público”, afirma à Lusa.

Nuno Encarnação entende que o fado de Coimbra, sendo interpretado como “serenata de rua”, não compromete a necessidade de “espaço entre as pessoas”.

Manuel Portugal, por fim, lembra que a tradição musical coimbrã “não está classificada”, apesar de valorizada no contexto da consagração pela UNESCO do conjunto Universidade de Coimbra, Alta e Sofia como património Mundial da Humanidade.

“Esta é uma oportunidade para nos juntarmos e estudarmos uma classificação séria do património musical de Coimbra”, propõe o guitarrista.

Mais de 30 mil estudantes frequentam a UC e outros estabelecimentos do ensino superior de Coimbra. A cidade histórica, académica e turística está ainda longe do singular bulício nas ruas e monumentos.