A legislação laboral sempre foi a linha que separou o Bloco de Esquerda do Governo socialista de António Costa e que esteve na origem da não-reedição da geringonça 2.0. Mas a crise pandémica mudou tudo e, como tal, o Bloco de Esquerda vê nela uma oportunidade para voltar a erguer o seu cavalo de batalha e para dizer que, perante um mundo diferente, é preciso um olhar diferente sobre o emprego. “Não basta manter o emprego, é preciso decidir que emprego queremos ter no futuro”, disse esta manhã a coordenadora do Bloco de Esquerda em conferência de imprensa. Subsídio especial para trabalhadores informais, sem contrato de trabalho, apoio aos trabalhadores independentes prolongado até ao fim do ano e melhorado na formula de cálculo, e salários pagos a 100%, numa divisão de esforços entre o Estado e as empresas, são algumas das propostas.

Este vai ser o lema do Bloco de Esquerda para a discussão sobre o Orçamento Suplementar, que vai ser apresentado ao Parlamento em junho. No entender do BE, esta é a oportunidade perfeita para mudar o “paradigma” do emprego em Portugal e “pôr fim a um modelo assente na precariedade do trabalho”, tirando “lições da crise” e reforçando os direitos de todos os trabalhadores. Para isso, diz, é preciso “uma alteração profunda da legislação laboral”. Financiamento? Terá de haver, dê por onde der. “É consensual que o Estado tem de investir para travar a profundidade da crise, sendo que as medidas de apoio social [e o seu custo] vão depender da profundidade e do tempo da crise”, disse, resumindo a ideia desta forma: “Financiamento para estas medias ocorrerá”.

Se estas medidas de proteção do emprego e de combate ao emprego precário são uma linha vermelha para garantir o voto a favor, ou não, do Bloco de Esquerda no orçamento suplementar, Catarina Martins não o diz. Garante apenas que estas — e outras — propostas já foram apresentadas ao Governo no âmbito da ronda de auscultação que decorreu em São Bento, sendo que o Governo mostrou “convergência” em algumas matérias e “divergência” noutras. É nessas que o BE vai insistir, apresentando as medidas que não vierem a ser incluídas no documento sob a forma de propostas de alteração. “O orçamento ainda não é conhecido, por isso o BE apresenta as suas propostas, nunca deixaremos de fazer contributos e faremos sempre daquilo que achamos importante”, disse esta manhã na sede do Bloco, em Lisboa.

Prolongar apoios até ao fim do ano, substituir layoff por salários pagos a 100% e desenhar mapa da precariedade

Para conseguir esta “mudança de paradigma” no emprego, o Bloco de Esquerda apresenta três prioridades de intervenção, que passam pelo prolongamento das várias medidas de apoio que têm sido dadas aos trabalhadores afetados pela crise, alterando muitas delas para que sejam mais justas e adequadas à realidade.

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É o caso das medidas de acesso ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego, que devem ser prolongadas até ao fim do ano e para as quais deve haver uma redução para metade do período de garantia. É também o caso do acesso ao rendimento social de inserção, que deve ser “simplificado”, ou o caso do apoio aos trabalhadores independentes que “não têm culpa de ter o trabalhado parado” e que estão “desprotegidos”.

Para os trabalhadores independentes, que “veem todos os meses um terço do salário cortado porque são considerados simultaneamente trabalhadores e empregadores”, o BE quer que se inverta o ónus e que se mude a fórmula de cálculo de apoio estatal em caso de perda de rendimentos e quebra de atividade. A ideia é estabelecer um teto mínimo de apoio de 438 euros em caso de ausência de atividade (atualmente é 219), sendo que esse valor pode subir até ao equivalente ao salário mínimo (635) para quem tem rendimentos mais altos, em que os tais 438 “ficariam muito abaixo” do rendimento habitual para fazer face às despesas. “Estas pessoas fizeram descontos, altos, para ter esse apoio e nesta altura o que têm são apoios muito abaixo do que descontaram”, disse, dando o exemplo de trabalhadores independentes que tiveram um apoio de apenas 60 euros.

Outra das medidas propostas pelo BE é a criação de um subsídio extraordinário de desemprego e de cessação de atividade, como foi feito em Espanha, de forma “excecional e temporária” para garantir algum rendimento a quem não tem nada. A ideia é que a medida vigore até ao fim do ano, que tenha o valor de uma IAS (438,81), e que abranja todos os trabalhadores com ou sem contrato de trabalho formal que não estejam abrangidos por nenhum outro apoio social, como é o caso dos trabalhadores domésticos, que se viram desprotegidos no meio desta crise.

Uma das bandeiras do BE nesta resposta à crise pandémica tem sido, também, a ideia de que as empresas que despedem trabalhadores não devem poder ser abrangidas por medidas de proteção. E é também nisso que o BE vem agora insistir, propondo a obrigação de manter todos os postos de trabalho e a obrigação de renovar os contratos a prazo e temporários como condição básica para as empresas acederem aos apoios públicos, incluindo o apoio a fundo perdido para retoma de atividade, que deve ficar bloqueado a empresas que tiveram lucro e que, mesmo assim, cessaram contratos.

Outra das medidas que o BE propõe é que se acabe com o regime de layoff simplificado, que representa uma perda de um terço da remuneração do trabalhador. Para isso, ciente de que é preciso um regime de transição, porque muitas das empresas ainda não estão em condições de pagar na íntegra os salários, Catarina Martins defende que se substitua o layoff por uma medida de apoio ao emprego que garanta salários a 100% em empresas com atividade paralisada ou reduzida devido à crise. A ideia é haver um “esforço dividido entre a empresa e o Estado para manter os salários a 100%”, sendo que esse apoio da Segurança Social deve continuar a ser, como é agora, financiado pelo Orçamento do Estado.

Por fim, o BE considera que, mais do que nunca, esta é uma oportunidade única de “mapear” o trabalho informal e precário que existe no país e, depois de identificados os casos, é uma oportunidade única de os combater. Segundo Catarina Martins, a lógica é simples: uma vez que os trabalhadores são chamados a explicar porque é que ficaram sem acesso ao trabalho e sem apoios para se candidatarem a receber o tal subsídio de desemprego especial, a ACT deve pegar nessa informação da Segurança Social e “desenhar um mapa para perceber quem está nestas condições”. O passo seguinte é “erradicar” este tipo de trabalho desprotegido e sem vínculo.