Um grupo de cientistas criticou um estudo encomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que sugere que diminuir o distanciamento social de dois metros para um apenas aumenta o risco de infeção pelo novo coronavírus de 1,3% para 2,6%.

De acordo com Kevin McConway, especialista em estatística da The Open University entrevistado pelo The Guardian, “o método de comparação entre as diferentes distâncias no artigo é inadequado para dizer exatamente como o risco a uma distância mínima de dois metros se compara com a uma distância mínima de um metro”.

De acordo com o relatório publicado na The Lancet, os autores fizeram uma meta-análise “para investigar a distância ideal para evitar a transmissão de vírus de pessoa para pessoa e para avaliar o uso de máscaras faciais e proteção ocular e impedir a transmissão”. Concluíram então que a distância de “um metro ou mais” é a “ideal”.

Após a publicação deste estudo, Boris Johnson anunciou que o governo britânico iria rever a recomendação segundo a qual se deve manter uma distância social de dois metros para evitar a propagação do vírus. Mas Kevin McConway argumenta que este estudo “não deve ser usado em discussões sobre quão maior é o risco de infeção a uma distância mínima de um metro em comparação a dois metros”.

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David Spiegelhalter, outro estatístico da Universidade de Cambridge, concorda. Ao The Guardian, afirma que “a análise do risco de infeção de um metro para dois metros deve ser tratada com muita cautela“: “Tenho muitas dúvidas sobre este trabalho”, admitiu.

As críticas vêm até de cientistas que trabalham diretamente com a OMS, como é o caso de Ben Cowling, do Centro Colaborador da OMS para Epidemiologia e Controle de Doenças Infecciosas da Universidade de Hong Kong: “Este documento em particular, reconhecendo o financiamento da OMS, tira algumas conclusões que considero pouco convincentes“.

O parecer de Ben Cowling foi publicado numa série de tweets esta semana. “Acho que misturar dados observacionais dos estudos de saúde e da comunidade não é uma boa ideia. Os equipamentos de proteção individual funcionam muito bem em ambientes de saúde, não apenas por causa do equipamento, mas por causa do treino, conhecimento e ambiente”.

“É inadequado usar dados de estudos realizados em ambientes de saúde para fazer recomendações sobre medidas de controlo que podem ser usado na comunidade, porque essas são configurações muito diferentes”, explicou o cientista.

“Sabemos que o risco de Covid-19 é aumentado por contacto próximo. A duração e a distância são importantes. Esta revisão falha notavelmente em levar em consideração a duração. Podemos passar horas numa sala com um caso de Covid-19 desde que fiquemos a dois metros de distância?”, acrescenta Ben Cowling.

O cientista conclui depois: “Esta revisão de estudos mais antigos tem descobertas importantes para os profissionais de saúde, indicando que precauções no ar e proteção ocular podem ser justificadas. Mas não é apropriado extrapolar essas descobertas para a comunidade“.

As críticas não são dirigidas apenas aos cientistas, mas também à The Lancet, uma das mais reconhecidas e antigas revistas científicas dedicadas à medicina do mundo. Kevin McConway disse ao The Guardian que as lacunas deste artigo deviam ter sido facilmente identificadas pela equipa de revisão da revista, mas que “a pressa era tanta” que “algumas coisas importantes ficaram para trás”.

Questionada pelo jornal britânico, a OMS diz que recomenda um distanciamento social de um metro: “As evidências usadas para informar essas orientações foram baseadas numa revisão sistemática de todos os estudos observacionais relevantes disponíveis sobre medidas de proteção para impedir a transmissão dos coronavírus que causam SARS, MERS e Covid-19”.

“Os resultados desta revisão sistemática e metanálise apoiam o distanciamento físico de um metro ou mais, o que está de acordo com a recomendação existente da OMS de que as pessoas devem distanciar fisicamente pelo menos um metro”, indica a OMS. O The Lancet e os autores do estudo ainda não se pronunciaram.