As injeções, passadas e futuras, do Estado no Novo Banco, o apoio à TAP e a contribuição sobre a banca num orçamento sem aumentos de impostos, foram temas em destaque na primeira audição do novo ministro das Finanças no Parlamento. Os apoios públicos previstos para o banco e transportadora aérea são sinalizados como fatores de risco na análise feita pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento à proposta orçamental.

TAP e Novo Banco podem custar mais do que o esperado, avisam técnicos do Parlamento

Mas João Leão acabou por não ser confrontado com as previsões do Banco de Portugal para a dimensão da crise este ano. O cenário, conhecido já no final da audição, contraria as estimativas apresentadas pelo Governo na proposta de Orçamento Suplementar e pode pôr em causa as “contas certas” que o novo ministro reafirma como meta, já para 2021, ano para o qual prevê um défice abaixo dos 3% num quadro franca retoma. O tema deverá ser discutido novamente esta quarta-feira durante o debate parlamentar sobre o Orçamento suplementar para 2020.

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Outra questão ausente foi a provável ida de Mário Centeno para o Banco de Portugal, uma nomeação que terá de ser assumida pelo seu antigo secretário de Estado e sucessor na pasta das Finanças.

Não há aumento de impostos, só a contribuição da banca com a qual “os portugueses concordam”

João Leão começou por sublinhar uma mensagem que Mário Centeno já tinha deixado a propósito da proposta de Orçamento suplementar. Ao contrário do que sucedeu com os retificativos do passado (os últimos foram apresentados pelo Executivo do PSD/CDS), desta vez não há cortes no Estado social, nem nas prestações sociais, nem aumento de impostos.

Afastadas as medidas de austeridade, pelo menos para 2020, uma vez que o ministro quando questionado sobre 2021 afirmou apenas que não estavam previstas “nesta fase”, João Leão foi questionado sobre a criação de uma nova taxa, a contribuição adicional solidária sobre a banca numa proposta que diz não ter aumentos de impostos. Esta matéria foi marcante nas interações com os deputados do PSD, com o ministro das Finanças a apontar para a contradição entre o discurso de Rui Rio a exigir empenho ao setor bancário e as preocupações manifestadas quanto à nova contribuição que deverá trazer mais 33 milhões de euros aos cofres da Segurança Social.

“Não estamos preocupados” com a contribuição sobre a banca, garantiu Carlos Silva. Mas um imposto, hoje, sobre a banca são comissões sobre os clientes amanhã, avisou o deputado social-democrata. João Leão concluiu que o PSD é contra a nova contribuição, ao contrário da “generalidade dos portugueses, que é a favor.”

O recado a António Ramalho e o desmentido de que eventual injeção adicional do Estado no Novo Banco é automática

Enquanto decorria a audição soube-se que os polémicos contratos, ao abrigo dos quais o Governo tem fundamentado as injeções financeiras no Novo Banco, tinham chegado ao Parlamento, mas numa versão codificada e confidencial que não permitiu aos deputados usar a informação neste contexto. Mas isso não impediu que o tema fosse central em várias intervenções, não obstante João Leão ter reafirmado que o Orçamento suplementar não prevê, nem acomoda qualquer transferência para o Novo Banco, para além da que foi feita em maio e que estava prevista.

Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda confrontou o ministro com as afirmações de António Ramalho, segundo as quais os efeitos económicos da pandemia iriam aumentar as necessidades de capital da instituição geradas em 2020 (mas a pagar em 2021), face ao previsto. João Leão classificou estas declarações como “extemporâneas” e avisou o presidente do Novo Banco de que “deve concentrar-se em gerir bem o banco até ao final do ano. É isso que lhe cabe, face ao esforço que o país fez.”

Já sobre o cenário de o Estado ter de injetar mais dinheiro no Novo Banco, para além dos 3,89 milhões de euros previstos no contrato, devido à situação excecional criada pela pandemia, as explicações foram menos claras. João Leão distinguiu os dois tipos de injeções.

Uma coisa são os empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução para cobrir as perdas nos ativos problemáticos protegidos pelo mecanismo de capital contingente, e que estão previstos no contrato de venda. Coisa diferente, salientou, é a possibilidade de o Estado vir a ser chamado a meter capital, caso se verifique um incumprimento dos rácios do Novo Banco e tenha sido já esgotado o limite dos 3,89 mil milhões de euros (faltam cerca de 900 milhões de euros).

O ministro das Finanças desmentiu que esta entrada de capital do Estado seja automática, como referia uma notícia do Público, mas confirmou o que já se sabia desde 2018, como aliás recordou a deputada do CDS, Cecília Meireles, criticando a surpresa de alguns deputados à esquerda que invocaram contratos secretos e alçapões. Caso os acionistas privados ou outros investidores não respondam a essas necessidades de capital adicionais, terá de ser o Estado a fazê-lo, nos termos do acordo com a Comissão Europeia, mas aí entrará como acionista, sublinhou. E referiu também que tal operação não está prevista.

Entretanto o Banco de Portugal esclareceu que essa solução de último recurso não faz parte dos contratos assinados com a Lone Star para a venda do banco, e nos quais está incluído o mecanismo de capital contingente. Resulta sim do acordo entre Portugal e a Comissão Europeia que autoriza a concessão de ajuda de Estado ao Novo Banco no quadro desta operação.

Um novo regime de prejuízos fiscais que não é para beneficiar a banca

A banca também foi protagonista de várias intervenções à esquerda, mas aqui a preocupação passou mais pelo eventual benefício ao setor por via do novo regime de prejuízos fiscais que retira os anos de 2020 e 2021 do prazo para a dedução destes prejuízos no pagamento de imposto sobre o lucro. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afastou qualquer hipótese de que a medida tenha sido feita para beneficiar um setor específico.

Em 2020, os resultados das empresas serão piores por uma situação que era imprevisível e isso faz com que para a esmagadora maioria das empresas não seja possível deduzir prejuízos fiscais do passado para os quais existia a expetativa de dedução nos lucros. Essas empresas não conseguem “escoar os prejuízos fiscais previstos”, além de que o fecho da economia vai gerar novos prejuízos.

Para responder a este quadro, o Governo avança com um regime especial de dedução de prejuízos associado apenas ao efeito da Covid, o que exclui o stock acumulado até 2019. Este regime cria ainda um intervalo de 10 pontos percentuais que diz respeito apenas aos anos de 2020 e 2021, para além de um prazo extraordinário para a dedução desses prejuízos em dez anos. “É uma forma de apoiar as empresas por um facto extraordinário”, afirmou Mendonça Mendes.

TAP. Empréstimo pago em tranches e sob condições e um apoio alinhado ou até inferior ao dado por outros governos

O empréstimo à TAP é uma das operações que está contemplada no Orçamento Suplementar e que irá penalizar o défice deste ano.  Sobre as condições desta ajuda de Estado, coube a Miguel Cruz, novo secretário de Estado do Tesouro, dar as explicações mais detalhadas. Haverá um plano de reestruturação que terá de ser apresentado pela comissão executiva ao Estado e por este à Comissão Europeia. Um plano que, de acordo com o ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, não tem de implicar necessariamente despedimentos.

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.A ajuda à TAP está, para já, fixada em valor de 946 milhões, mas pode ir até 1.200 milhões de euros em função sobretudo de variáveis operacionais.

O pagamento será feito em tranches que estão associadas a um plano de liquidez que foi negociado com a Comissão Europeia. Para que esse dinheiro chegue à empresa, é necessário um contrato de financiamento aprovado e assinado com o Estado. O governante não esclareceu se a gestão e acionistas privados da empresa já deram o seu acordo. O contrato tem condições associadas ao acompanhamento pelo Estado e será escrutinado com base num plano de liquidez estruturado que é baseado nas projeções financeiras da empresa. Essas condições são também de natureza acionista e societária. “O apoio não será colocado sem o adequado escrutínio”, assegurou

Ainda que remeta para a empresa a responsabilidade de apresentar um plano, que demonstre a viabilidade económica de médio e longo prazo, com celeridade, Miguel Cruz reconhece que será importante perceber como o verão vai correr para o elaborar. O secretário de Estado referiu ainda que o valor da ajuda por passageiro, segundo dados pré-covid, “está alinhado ou até é inferior” ao atribuído por outros governos a companhias aéreas e que a dimensão do apoio conta não só com a necessidade de cumprir compromissos com trabalhadores e fornecedores, mas também procura criar condições para assegurar a retoma gradual da atividade.