Não tem propriamente o rótulo de jogo cartaz da Premier League mas era um dos que estava ainda em atraso na competição em virtude da final da Taça da Liga, que obrigou a que os dois finalistas adiassem os compromissos no início de março ainda antes da pandemia. E, convenhamos, é futebol. Um futebol que voltou naquela que é tida como a sua terra mãe, Inglaterra, com a receção do Aston Villa ao Sheffield United num estádio com mais de 120 anos de história. O Villa Park mantém como lotação máxima 76.588 espetadores num jogo da Taça com o Derby County em 1946 e 42.788 num encontro do Campeonato com o Liverpool já na era de todos os lugares sentados. Esta quarta-feira, nem 15.237 teve, naquele que é o registo mais baixo depois da Segunda Guerra Mundial. De forma arredondada, teve zero. Mas não foi a primeira vez que se jogou ali à porta fechada.

Numa segunda mão das meias-finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus explosiva em Bruxelas, em que o Aston Villa manteve o nulo frente ao Anderlecht e carimbou a passagem ao jogo decisivo de 1982. No entanto, os hooligans ingleses mancharam o encontro: 27 adeptos foram detidos, 20 ficaram feridos e houve até uma invasão de campo por parte de um britânico quando Kenneth Brylle, avançado dos belgas, seguia para a baliza num lance prometedor, o que obrigou a uma interrupção de sete minutos. Em cima da mesa estiveram vários castigos como a expulsão do clube da prova ou a repetição do jogo; no final, além da multa de 14.500 libras, a UEFA decidiu também que o encontro seguinte nas provas europeias teria de ser jogado à porta fechada. 

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A Premier League nem correu da melhor forma nessa época de 1981/82. De campeão, o Aston Villa passou para 11.º classificado. No entanto, conseguiu algo histórico ao derrotar na final da Taça dos Campeões Europeus o Bayern, com um golo de Tony Morley e uma exibição monumental do guarda-redes Nigel Spink. Através desse triunfo, os villans juntaram-se ao Liverpool na edição da prova na temporada seguinte e foi no primeiro jogo da primeira mão, a 15 de setembro de 1982, que a equipa recebeu à porta fechada os turcos do Besiktas (vitória por 3-1). Quase quatro décadas depois, sobra o nome do clube e o estádio – tudo o resto é diferente.

O Aston Villa, a equipa que quer evitar a despromoção pela memória do pai do treinador

Após três anos no Championship, o Aston Villa regressou à Premier League mas, ao contrário do Sheffield United (que também regressou ao principal escalão 12 anos depois mas que estava na sétima posição antes da paragem), luta pela permanência nestas dez últimas jornadas. E são os dois grandes símbolos atuais do clube, o capitão Jack Grealish e o treinador Dean Smith, assumidos adeptos dos villans, a agarrar na batuta num final de competição que terá sempre presente Ron Smith, pai do técnico que faleceu há algumas semanas vítima de Covid-19. “Foi devastador para a família. Enquanto jogadores, temos tentado estar lá para ele, ajudá-lo. Uma das coisas boas do futebol é que quanto temos um problema fora de campo, quando chegamos ao treino ou ao jogo, deixamos de pensar em tudo o resto. É isso que me acontece. É isso que temos tentado fazer para o treinador. Tenho a certeza de que agora todos queremos ainda mais evitar a despromoção, para a família Smith”, destacou Grealish.

A morte do irmão, noitadas, gás hilariante, agressão em campo e as botas da sorte: como a vida de Jack Grealish dava um filme

Aos 24 anos, o médio ofensivo continua a ser um enfant terrible à solta na Premier League – para já no Aston Villa, em breve num clube de maior dimensão. Com uma infância marcada pela morte prematura do irmão mais novo e pela ligação desde miúdo com o clube com o qual sempre teve contrato desde o início da carreira, Grealish esteve envolvido em vários casos fora das quatro linhas: foi fotografado a inalar óxido nitroso, apanhado em noitadas, suspenso por uma festa até de madrugada num hotel. Em março deste ano, no início da pandemia na Europa, chocou com várias viaturas após marcar presença numa festa em casa de um amigo no dia seguinte a ter deixado uma mensagem aos seguidores para que ficassem em casa e cumprissem o confinamento. Logo a seguir, assumiu as culpas, disse que é humano e também erra, fez doações ao Hospital Pediátrico de Birmingham e ao Serviço Nacional de Saúde. O internacional Sub-21 que foi notícia por ter jogado com umas chuteiras rotas a decisão da subida do Aston Villa falha mas também dá a volta. Na vida como nos campos de futebol.

Com um penteado diferente e com algumas semelhanças com Ronaldo, o jogador que foi uma inspiração para o capitão do Aston Villa (“Adoro sentir a pressão das bancadas, os insultos dos adeptos contra mim. Uso isso para me motivar ainda mais e fazer uma boa exibição. Foi algo que aprendi com Ronaldo. Quando era criança via os adeptos absolutamente loucos a assobia-lo quando ele vinha jogar com o Aston Villa e acabava por fazer sempre boas exibições”, contou no início de junho) liderou a equipa visitada numa entrada separada do Sheffield United antes de várias homenagens no arranque do jogo, ao Black Lives Matter e ao NHS, o Serviço Nacional de Saúde – ambas visíveis nas camisolas das duas equipas. No entanto, houve também uma referência especial a Ron Smith, pai do treinador da casa, com um colete com as iniciais “RS, 79” no lugar que costumava ocupar no Villa Park.

O jogo, esse, começou sem grande motivos de interesse. O Aston Villa, a necessitar de ganhar para sair dos lugares de descida, teve mais bola, mais remates e mais cantos ao longo da primeira parte mas conseguiu apenas criar alguns (poucos) lances de perigo através de bolas paradas, fossem eles cantos ou livre laterais. E seria dessa forma que o Sheffield United, já perto do intervalo, chegaria ao golo na primeira oportunidade criada junto da área contrária mas que acabaria por não ser validada: Nyland abordou mal o lance, entrou com a bola dentro da baliza, apoiou-se até nas redes para evitar a queda para trás mas Michael Oliver, um dos mais reputados árbitros ingleses, não validou o golo, dando indicação aos jogadores que não tinha recebido qualquer indicação no relógio através da tecnologia da linha de golo (que claramente teve uma avaria que o VAR também não corrigiu).

No regresso dos balneários, o tema ainda era motivo de conversa entre o árbitro e Chris Wilder, treinador do Sheffield United, que falou depois com Jack Grealish de mão à frente da boca mas provavelmente a explicar aquilo que se tinha passado. Certo é que, 45 minutos depois, não havia golos. E essa seria mesmo uma das raríssimas oportunidades para a equipa sensação da Premier League, que teve em Dean Henderson, guardião cedido pelo Manchester United, a figura em destaque para guardar o nulo com grandes defesas a remates de Keinan Davis e McGinn, ambas após assistências do inevitável capitão dos villans, o maior destaque dos visitados. Se o Aston Villa, a segunda pior defesa da Premier League, conseguiu voltar a fazer um jogo sem sofrer golos, o Sheffield United confirmou o porquê do sétimo lugar antes da paragem sendo a segunda defesa menos batida.