Os dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) são claros: 14,5% dos gases com efeito de estufa produzidos pela atividade humana provêm da indústria pecuária. Desses, 65% têm origem no gado bovino, um valor muito superior aos restantes tipo de gado e à avicultura, não só em termos absolutos como de produtividade: para obter um quilo de carne de bovino são necessárias, em média, três vezes mais emissões de gases poluentes do que para um quilo de carne de porco ou de frango. Outros estudos, como um publicado na revista Science sobre a pegada carbónica do que comemos, apontam para diferenças ainda maiores.

Com números desta dimensão, não é de estranhar que a redução da produção e consumo de carne de vaca seja tema de discussão frequente. Em Portugal, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 propôs, numa fase inicial, reduzir em metade o efetivo bovino nacional — que atualmente é de cerca de 1,3 milhões de cabeças. Depois de alguma polémica e de um período de consulta pública, esse objetivo de redução foi fixado em 20 a 30% em conjunto com a adoção de práticas que visam mitigar os gases poluentes emitidos.

Entretanto, ficou também célebre a decisão do reitor da Universidade de Coimbra de eliminar a carne de vaca das suas cantinas, perante a perplexidade de agricultores e o aplauso do PAN. Mas como ficaria o mundo se, de hoje para amanhã, todos seguíssemos esse exemplo?

A resposta tem várias camadas. Está provado que a expansão da produção de gado bovino tem contribuído, por exemplo, para a gravíssima destruição da Amazónia e do Cerrado, no Brasil, com o intuito de criar áreas de pastagem e de cultivo de soja e milho, usados sobretudo na ração animal. A desflorestação dessas e de outras áreas do planeta com os mesmos fins provocam enormes desequilíbrios nos ecossistemas e, crê-se, uma intensificação do chamado efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global. Aliás, o Brasil deve mesmo aumentar a emissão de gases poluentes este ano devido à desflorestação, indo em sentido contrário ao resto do mundo, cujas emissões, devido à Covid-19, devem reduzir-se na ordem dos 6%.

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O abandono da produção pecuária poderia acabar com boa parte dos estímulos para o desmatamento e trazer óbvios benefícios ambientais. Seria necessário, porém, reconverter uma economia muitíssimo dependente desta indústria — o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, que representa mais de 5% do PIB do país.

Nos Estados Unidos, outro dos maiores produtores e consumidores de bovino a nível mundial, a mesma questão é debatida com frequência. Não falta quem defenda o fim ou a transformação desta indústria, sobretudo perante o surgimento de cada vez mais empresas apostadas na criação de carne em laboratório ou de origem vegetal.

Por outro lado, também não faltam defensores da criação de gado bovino em sistemas extensivos, ao ar livre, promovendo a rotação de pastagens e a regeneração dos solos, impedindo que as terras desertifiquem e possam captar mais carbono do que aquele que os animais emitem. Esta convicção, tornada célebre numa TED Talk por Allan Savoury, pai da chamada técnica de pastoreio holístico, junta-se aos relatos de vegetarianos a virar talhantes e ao curioso caso de Nicolette Hahn Niman, uma vegetariana e advogada ambientalista que, depois de ter casado com Bill Niman, fundador do famoso Niman Ranch, um dos pioneiros na criação sustentável de bovinos, escreveu Defending Beef, um livro-manifesto, e se tornou ativista da causa.

Savoury inspirou também alguns exemplos de produção extensiva e integrada — com outro gado que não apenas bovino — em Portugal, casos da Herdade do Freixo do Meio ou da Herdade de São Luís. Mas os ganhos que apregoa foram desmentidos num estudo publicado em 2017 pela Food Climate Research Network, ligada à Universidade de Oxford, sugestivamente intitulado Grazed and Confused. Este conclui que é impossível que estes sistemas atinjam, alguma vez, um saldo positivo para o ambiente entre emissões de gases poluentes e captações de carbono. No máximo, afirmam, será possível compensar 20 a 60% dessas emissões.

Ainda assim, será que o fim da produção e consumo de carne de vaca traria apenas benefícios? Em Portugal, por exemplo, levaria quase por certo a um abandono das terras usadas para o efeito, potenciando outros problemas já existentes: a desertificação do interior, a ocorrência de incêndios, ou a cedência das terras para monoculturas superintensivas, como o olival, que também trazem questões ambientais associadas.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística a carne de bovino representa cerca de 17,5% do consumo anual per capita de carne no nosso país. Consumo esse que, diga-se, tem vindo a aumentar exponencialmente nos últimos anos. Mas há muito que, por cá, se procuram soluções para aumentar a sustentabilidade das criações de gado. O projeto Pastagens Semeadas Biodiversas, desenvolvido nos anos 70, e implementado a partir de 2008 pela Terraprima, uma empresa spin-off do Instituto Superior Técnico conseguiu, através da plantação de sementes adaptadas a cada tipo de solo, obter uma redução das emissões de CO2, da erosão dos solos e dos riscos de incêndios florestais, aumentando simultaneamente a produtividade das pastagens. O sucesso comprovado valeu-lhe vários prémios, entre eles um da Comissão Europeia, e é um exemplo de como há margem para tornar as criações de bovino menos inimigas do ambiente.

A redução do consumo — de todas as carnes, não só a de bovino — e a aposta em produções cada vez mais sustentáveis parece, por isso, ser um caminho mais lógico e exequível do que o fim abrupto da produção e consumo. E até parece que os portugueses estão dispostos a fazê-lo.

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