“A Minha Querida Rose Gold”, romance de estreia da escritora norte-americana Stephanie Wrobel, que chegou este mês a Portugal, editado pela Planeta, explora os cantos obscuros de uma ligação mãe-filha através da lente da síndrome de Münchhausen.

A história nasceu do “fascínio” da autora por um caso real que lhe foi relatado pela melhor amiga, uma psicóloga escolar, como contou Stephanie Wrobel, em entrevista à Lusa.

“Quanto mais pesquisava, mais fascinada ficava. Os perpetradores agem com base na necessidade de atenção ou amor de figuras de autoridade dentro da comunidade médica, uma motivação que considero tanto intrigante como desoladora. Queria entrar na cabeça de uma destas mães, para tentar compreender se ela sabe que está a mentir ou se acredita realmente que está a fazer o que é melhor para o seu filho”, afirmou.

O livro é sobre uma mãe e uma filha, Patty e Rose Gold Watts, e começa com a mãe a sair da prisão depois de ter cumprido cinco anos por envenenar a filha durante toda a infância.

Quando sai, não tem para onde ir, por isso pede à filha, agora adulta, que a acolha. Para choque dos seus vizinhos, Rose Gold diz que sim, a questão é saber porquê.

Os capítulos alternam entre os pontos de vista de Patty e de Rose Gold. Enquanto a história de Patty começa na atualidade, com a sua libertação, a de Rose Gold começa cinco anos antes, no dia em que começa a sentença de prisão da mãe.

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No entanto, ao longa da história, a autora não trata as duas personagens segundo a abordagem do “vilão versus vítima”, porque “na vida real os bons e maus da fita não são normalmente tão claros como nos filmes”.

“As pessoas com síndrome de Münchhausen por procuração [SMPP] normalmente têm histórias de abuso infantil e/ou negligenciam-se a si próprias. Achei interessante considerar as formas como as vítimas podem tornar-se perpetradores e vice-versa. Nenhuma personagem, ou ser humano, pensa que é má. Todos pensamos que somos o herói da história, e Patty não é diferente”, afirmou.

Stephanie Wrobel conta que para se documentar e escrever este livro dedicou muito tempo a estudar e a pesquisar, o que passou pela leitura de relatos em primeira mão de sobreviventes, de vários artigos noticiosos e de livros de medicina.

“Comecei por pesquisar a doença em traços largos, depois comecei a construir perfis tanto de perpetradores como de sobreviventes. A partir destes perfis gerais pude estabelecer alguns traços que as minhas personagens principais tiveram de ter. Também pesquisei doenças comummente falsificadas, testes laboratoriais manipulados, substâncias nocivas para colocar na corrente sanguínea, e de que forma é que os perpetradores enganam os médicos”, contou.

O mais difícil no processo de escrita deste livro foi “conseguir o desenvolvimento correto da voz e do caráter de Rose Gold”, conta a autora, assumindo que demorou algum tempo a compreender que tinha de deixar para trás muito do seu próprio conhecimento, porque a personagem “cresceu num ambiente cativo e protegido”.

Questionada sobre em que género literário arrumaria este romance, Stephanie Wrobel confessa dificuldade, pois embora os livros de “ritmo rápido e com mergulhos psicológicos profundos” tenham “um forte impacto” na sua escrita, este não será um livro de suspense ou um ‘thriller’, como à partida se poderia julgar.

“O livro centra-se em ‘por que fez aquilo’, em vez de ‘quem fez aquilo’. Eu não me propus a escrever um ‘thriller’, só queria escrever um livro sobre estas duas personagens. Mas por causa do tema, julgo que na mente dos editores encaixa naturalmente no suspense doméstico ou psicológico”.

“A minha querida Rose Gold” começou por ser uma tese de mestrado em que a autora — que trabalhava em publicidade — se inscreveu durante um período de desemprego.

“Escrevi o primeiro rascunho durante o verão de 2017, depois descartei tudo, exceto as duas personagens principais. Reescrevi o romance durante a maior parte de 2018”.

Stephanie Wrobel diz que para todo este processo os professores do programa “foram críticos, tanto no desenvolvimento do romance”, como no seu “desenvolvimento geral como escritora”.

A receção que o livro teve no mercado editorial a nível mundial — foi publicado a 05 de março deste ano e já tem os direitos vendidos para 25 países — “tem sido um choque total” para a autora, mas também uma motivação para prosseguir na escrita.

Por isso, diz estar já a trabalhar no próximo livro, cuja história, contada de três pontos de vista, se centra num programa de autoaperfeiçoamento chamado Wisewood, localizado numa ilha ao largo da costa de Maine, cujos habitantes começam a exibir um comportamento de culto.

A escritora, que reside no Reino Unido, tem como influências “todas as obras de arte que exploram os estados psicológicos dos ‘marginais’ da sociedade”, porque confessa ter “um fascínio por pessoas que não são como o resto de nós”.

Afirma-se uma amante da ficção contemporânea, distópica e de suspense, e tem como obras favoritas “Sempre vivemos num castelo”, de Shirley Jackson, “Estação onze”, de Emily St. John Mandel, e “Temos de falar sobre o Kevin”, de Lionel Shriver.