Odriozola, Odegaard, ponto final. Com o investimento no novo Santiago Bernabéu a ter enorme peso na altura de assumir as opções desportivas e com uma pandemia a decorrer ainda sem impacto financeiro total para se perceber o acumulado de perdas, o Real Madrid não fez qualquer contratação para o seu plantel este verão a não ser os casos de jogadores que regressaram após empréstimo e recebeu um total de quase 100 milhões de euros por jogadores como Achraf Hakimi, Reguilón ou Óscar Rodríguez além de se libertar de salários mais pesados sem minutos como o de Gareth Bale. A revolução silenciosa prometida há muito no clube para criar condições para suceder a uma base que começa a avançar nos 30 ficou adiada, com Florentino Pérez a replicar o modelo utilizado na sua empresa, a ACS, para estancar a crise: venda de ativos, redução da dívida, aumento da liquidez de tesouraria.

Recordes, títulos europeus, galácticos e o melhor estádio do mundo a caminho: o Real de Florentino Pérez, 20 anos depois

Tal como há 40 anos, quando os merengues promoveram apenas da equipa reserva Agustín, Pineda e Gallego, o treinador, neste caso Zinedine Zidane, contava com os mesmos. O que é bom, por poder prolongar o trabalho da última temporada que valeu o título de campeão. O que podia ser mau, por não ter possibilidade de reforçar pontos fracos na equipa. Não só mas também por isso, o arranque de temporada mostrou um Real Madrid ainda mais pragmático no seu jogo, a pensar no resultado sem ser resultadista mas também pouco preocupado com a forma como chegava a resultado. Depois do nulo com a Real Sociedad, funcionou em três jogos; agora, com a recente derrota caseira com o Cádiz, as críticas adensaram-se. “Estamos sempre a falar do mesmo… Fizemos um mau jogo, agora temos de mudar essa situação”, resumiu o técnico francês, à procura de um virar de página.

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É público que em 2021 não será assim. Podem ser uma, duas ou três estrelas mas o plantel irá ser reforçado, até por forma a alavancar as receitas geradas pela remodelação do Santiago Bernabéu que passará a funcionar como uma das grandes fontes de receita não só para amortizar o investimento mas também para criar margem para recuperar a era dos galácticos (Mbappé e Haaland são dois dos nomes mais falados). Mas antes existe uma temporada onde o objetivo passa não só por revalidar o título nacional – aproveitando também a convulsão que ainda não estancou em torno do rival Barcelona – como ir mais longe da Champions, onde caiu nos oitavos em 2019/20. E o grande desafio de Zidane passava por construir soluções dentro daquilo que nas derrotas é visto como problema, algo que teria início nesta estreia europeia que surgia na antecâmara do clássico em Camp Nou.

Pela frente estaria o Shakhtar Donetsk, equipa que na última época chegou às meias da Liga Europa mas que no início da presente temporada, que começou com uma derrota na Supertaça, leva apenas três vitórias e outros tantos empates entre uma onda de ausências por lesões e infeções por Covid-19. “Com a pandemia e com o calendário que foi feito, estamos cheios de baixas com casos positivos e lesões. Nós tivemos dez ausências! Até ontem [segunda-feira] não sabia se iam poder jogar em Madrid. E se jogarem são 20, 25 minutos…”, lamentou o técnico português, que ainda assim não perdia a esperança num bom resultado: “O futebol é um jogo de capacidades, o Real tem mais do que nós mas vamos tentar surpreender. Somos uma equipa que na nossa liga tem 75% de posse, somos uma equipa alegre, que ataca, mas contra o Real poderá não acontecer isso porque vão tirar-nos a bola…”.

Luís Castro sabia tudo. Só não conseguiu fazer nada (a crónica do Inter-Shakhtar)

No entanto, entre o não favoritismo teórico e as baixas das últimas semanas, houve algo que desagradou ainda mais ao português que chegou à Ucrânia no ano passado. “Talvez tenha sido uma falta de respeito mas os jornalistas podiam ter perguntado como ia jogar o Shakhtar Donetsk. Não vivemos o nosso melhor momento mas é um pouco falta de respeito. Não gosto destas situações. Não há nada pior, é muito importante respeitar os demais. O novo coronavírus parece que não ensinou nada a alguns…”, lamentou Luís Castro antes do jogo. A resposta, essa, demoraria apenas 45 minutos. Ou, de forma mais precisa, menos de 15. Surpresa só mesmo para quem não viu.

Com várias alterações do meio-campo para a frente que deixaram Isco, Kroos, Benzema, Lucas Vázquez e Vinícius no banco (Mendy também foi titular como lateral direito, por uma questão de necessidade, e mais uma vez essa experiência correu tudo menos bem…), o Real Madrid teve a pior primeira parte da temporada, chegando a ser quase confrangedor ver um recente tricampeão europeu e atual campeão espanhol fazer uma exibição tão pobre e com tantos erros. Jovic, a contratação milionária da época passada atrás de Hazard, continua a ser o alvo mais fácil por tudo o que não faz ou deixou de fazer mas, no plano coletivo, os merengues foram uma sombra daquilo que costumam ser, com setores desligados, nenhuma inspiração e uma incompreensível apatia. No entanto, a história não se pode resumir apenas ao demérito do conjunto de Madrid – e o Shakhtar fez por merecer a sorte.

Em mais uma das saídas em transição capazes de levarem perigo à baliza de Courtois, que já antes tinha evitado o golo aos ucranianos, Marlos conseguiu romper numa diagonal da esquerda para o meio, na insistência conseguiu assistir Tetê e o brasileiro rematou cruzado na área para o 1-0 (29′). Apenas quatro minutos depois, o mesmo Tetê ganhou espaço na área pela direita, rematou como quis para defesa do belga e Varane, na tentativa de evitar a recarga de Dentinho, acabou por tocar de forma inadvertida para a própria baliza, fazendo o 2-0 (33′). E não ficaria por aí: em mais um lance onde Solomón recebeu sozinho no corredor central já virado para a baliza, combinou com Tetê que assistiu de calcanhar e rematou para o 3-0 ainda antes do intervalo (42′).

Zidane lançou Benzema, apostou depois em Vinícius mas chegou a meia hora do final dentro do jogo apenas e só porque os ucranianos não tiveram a mesma eficácia do que na primeira parte. Porquê? Depois do 3-1 de Modric num fantástico remate de fora da área (54′), Dentinho e Tetê tiveram oportunidades soberanas na área para aumentarem de novo a vantagem (defesa de Courtois e remate ao lado), o brasileiro acabado de entrar roubou a bola a Marlos no último terço para reduzir para 3-2 apenas uns segundos depois de ter substituído Jovic (59′) e Tetê, em mais uma transição com a defesa espanhola perdida, voltou a perdoar na cara do guarda-redes belga. O encontro entrou depois numa fase de maior acalmia, também pela evidente quebra física dos visitantes, e Valverde chegou mesmo a fazer o empate nos descontos mas o golo foi anulado por posição irregular de Vinícius. Pela primeira vez na história, o Shakhtar ganhou em Espanha. E os números poderiam ser bem diferentes…