“Não vou responder a nada sobre o conteúdo concreto da caixa de email”, “estou sujeita a sigilo profissional” e “não me posso pronunciar sobre isso”. Ou ainda: “Tenho dúvidas se posso responder a isso. A minha única ligação com o futebol é a minha paixão pelo Sporting. Compreensível, não é? E hoje é um dia bom!” nas palavras da advogada Bárbara Correia.

A forma de o dizer foi variando, mas o conteúdo era o mesmo: vários advogados cujas caixas de email terão sido acedidas por Rui Pinto recusaram revelar em tribunal se tinham ou não documentos sobre o Luanda Leaks ou o Football Leaks nos seus computadores. A pergunta tem vindo a ser repetida há várias sessões a todos os advogados ouvidos — quer seja feita pela Procuradora da República Marta Viegas, pelos advogados de defesa ou pelos juízes:

Tinha documentos relacionados com o universo Luanda Leaks ou Football Leaks no seu email?”

Mas nem sempre a resposta é dada. Dos 12 advogados ouvidos esta terça-feira, que trabalham ou trabalhavam na PLMJ à data do ataque, naquela que é a vigésima sessão do julgamento, sete recusaram responder, justificando-se com o sigilo profissional. E as respostas são importantes para julgar Rui Pinto já que, na sua contestação, o alegado denunciante explicou que só acedeu ao sistema da PLMJ porque queria encontrar documentos relacionados com a empresária angolana Isabel dos Santos para denunciar a prática de eventuais crimes.

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Logo pela manhã, a advogada Bárbara Correia disse ter “dúvidas” sobre se podia responder e brincou com o facto de o Sporting, o seu clube de “paixão”, estar isolado na liderança do campeonato e de essa ser a sua “única ligação ao futebol”. Ainda assim, admitiu que não conseguia “perceber” o “interesse” em aceder à sua caixa de email. A resposta da advogada levou até a juíza-adjunta, Ana Paula Conceição, a comentar:

Se a resposta for negativa, não quebra o sigilo profissional…mas pronto”

Saiu a advogada Bárbara Correia e entrou Tiago Castro seguido de Sandra Lopes, colegas de profissão. Foram um dos poucos que responderam diretamente à pergunta, para dizer que “não”, não tinham “nada” sobre esses temas. O advogado adiantou ainda: “A minha caixa de correio não tem grande interesse para ninguém a não ser para mim”.

Ainda durante a manhã, foi ouvido o advogado Duarte Schmidt Lino e a advogada Maria João Mata. O primeiro disse que não ia “responder a nada sobre o conteúdo concreto da caixa [de email]”, admitindo não saber “o que é relevante” nos seus emails. Maria João Mata disse apenas que “isso é sigilo profissional”, mas foi lembrada pelo advogado Francisco Teixeira da Mota de uma informação pública que estava no seu perfil profissional que indicava que tinha lecionado um curso de Direito Público angolano. A advogada confirmou, dizendo apenas que isso tinha ocorrido “há alguns anos”.

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Já durante a tarde, foi ouvido o advogado Pedro Nápoles que explicou que não conseguia responder à pergunta “sem ter de pensar em clientes em concreto” e optou por não responder. “Acho que é preferível não falar”, disse. Lembrado pela defesa de Rui Pinto das suas ligações profissionais a Angola, Pedro Nápoles acabou por explicar que até 2015 era “responsável pela ligação do escritório em Angola”, o chamada Angola Desk.

Além de Pedro Nápoles foram ainda ouvidos seis advogados na sessão da tarde. Diogo Perestrelo disse não poder “revelar”, por razões de sigilo profissional, se tinha documentos relacionados com o Luanda Leaks ou com o Football Leaks, mas deixou a garantia: “Posso dizer que nunca trabalhei em assuntos relacionados com Angola ou futebol, na PLMJ”. Discurso semelhante teve a advogada Lin Man: “Não tenho [documentos] e mesmo que tivesse estou sujeita a sigilo profissional“.

Pedro Silva e Joana Guimarães também recusar responder, escudando-se no sigilo profissional. Já Patrícia Mendes foi a única testemunha desta terça-feira a quem a pergunta não foi feita. O último advogado do dia, Ricardo Oliveira admitiu também que não, até porque “não trabalhava nem com assuntos relacionados com futebol, nem com assuntos relacionados com Angola”.

Dia 12 do Football Leaks. As dificuldades em reconhecer documentos roubados por Rui Pinto, o “denunciante das batotas do futebol português”

PLMJ deu lista de pastas roubadas por Rui Pinto aos advogados para identificarem “informação sensível”

Há várias sessões que a defesa de Rui Pinto tentava saber juntos dos vários advogados ouvidos no julgamento como é que tinham sido alertados sobre o ataque informático à sociedade onde pertenciam, a PLMJ, atribuído ao alegado hacker. Mas já quase dois anos passaram desde a intrusão e a memória pode ser traiçoeira. Teria sido por email? Teriam ficado a saber por colegas? Pela comunicação social? Ninguém sabia ao certo — até esta terça-feira.

A resposta que Francisco e Luísa Teixeira da Mota, que representam Rui Pinto, esperavam — pelo menos pelo que demonstraram pela troca de olhares e pelo sorriso de satisfação — chegou pelo depoimento da advogada Sandra Lopes, que esteve na PLMJ entre 2010 e 2019. Ouvida esta terça-feira, a testemunha contou que fez parte de um “grupo escolhido” de advogados convocados para uma reunião no auditório da PLMJ, onde lhes foi dito que tinha havido um “problema na rede” e que “alguns computadores tinha sido acedidos”. “E nós tínhamos sido os eleitos”, contou, admitindo que, entre advogados, chegaram a colocar a hipótese de Rui Pinto ter sido o autor do ataque, em jeito de brincadeira. “Se calhar foi o Rui Pinto, vamos ver”, imitou.

A advogada explicou depois que o grupo chamado para a reunião tinha saído de lá com um “trabalho de casa”. Todos os advogados tinham recebido uma “papel com listagem de supostas pastas” que teria sido acedidas e tinham de “ver o que existia nessas pastas e identificar o que poderia ser informação sensível“.

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Antes de Sandra Lopes, já Bárbara Correia, a primeira testemunha ouvida esta terça-feira, revelara que tinha ficado a saber que a sua caixa de email tinha sido acedida numa reunião, mas não adiantou mais pormenores, tendo rapidamente passado a duras críticas à alegada atuação de Rui Pinto: “Numa sociedade civilizada é lesivo dos nossos diretos. É uma violação da nossa vida”.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão. Isto porque, segundo a investigação, Rui Pinto terá exigido à Doyen um pagamento entre 500 mil e um milhão de euros para que não publicasse documentos relacionados com a sociedade que celebra contratos com clubes de futebol a nível mundial. Aníbal Pinto, então advogado do hacker, terá servido de seu intermediário. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.