Moçambique ainda não recuperou do impacto do caso das “dívidas ocultas”, que contribuiu para a tendência da deterioração acelerada pelo Índice Ibrahim de Governação Africana (IIAG) 2020, afirmou a ativista social e política moçambicana Graça Machel.

“Moçambique ressentiu-se fortemente da crise provocada pelas ‘dívidas ocultas’. O ritmo de crescimento que Moçambique estava a registar ficou seriamente afetado, a disponibilização de recursos para manter esse ritmo ficou severamente diminuída a partir de 2016-17”, disse Graça Machel, em entrevista por videoconferência à agência Lusa.

Moçambique pontuou 49 pontos, menos 0,2 do que há 10 anos, no IIAG 2020, que mede anualmente a qualidade da governação em 54 países africanos através da compilação de dados estatísticos do ano anterior.

Os maiores declínios foram registados nas categorias de “Participação, direitos e inclusão” e de “Segurança e Estado de direito”.

Segundo Graça Machel, este desempenho foi afetado pelos empréstimos que o Estado moçambicano contraiu de cerca de 2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

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O caso passou a ser designado como “dívidas ocultas”, porque só foram conhecidas em 2016, o que levou à suspensão de vários apoios internacionais, incluindo do Fundo Monetário Internacional (FMI), contribuindo para a degradação das perspetivas económicas do país.

“Aquilo que se está a sentir em 2019 já vem desse período em que as ‘dívidas ocultas’ foram contraídas e retirou-se a ajuda ao Orçamento Geral do Estado para permitir a complementaridade entre os recursos internos do país e os recursos de parceiros de desenvolvimento para manter o ritmo ou fazer crescer o ritmo de desenvolvimento de Moçambique”, afirmou a antiga ministra da Educação moçambicana.

O caso contribuiu para o aumento da pobreza, desigualdade e insegurança no norte e centro do país, que continua a ser afetado pela corrupção e pelos conflitos internos, apesar do acordo de paz assinado no ano passado entre a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).

“A pobreza aumentou, as desigualdades aumentaram e agora o acordo geral [de paz] estabelece as bases, mas na verdade a assinatura de papéis sem a substância material e financeira para manter o acordo não são sustentáveis”, vincou.

Graça Machel, que integra o conselho de administração da Fundação Mo Ibrahim, nota progressos na participação das mulheres ao nível social e político e também na intervenção da justiça, por exemplo, no caso das “dívidas ocultas”.

O caso está a ser julgado num processo em Moçambique contra 19 arguidos acusados de associação criminosa, chantagem, corrupção passiva, peculato, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão e falsificação de documentos que envolve, entre outros, Ndambi Guebuza, filho do antigo presidente moçambicano Armando Guebuza.

O caso também está a ser analisado pela Divisão de Comércio do Tribunal Superior de Londres [High Court], onde a Procuradoria-Geral da República espera anular parte das dívidas.

A ativista social moçambicana considerou que o “processo está a ser muito lento, podia ter mais vigor” e que as autoridades deveriam informar melhor a população sobre os desenvolvimentos.

“Existe uma ação que é de louvar, [mas] pode ter muito mais vigor e é preciso criar uma maior aliança entre as instituições de justiça e o povo para reforçar esta frente de luta contra a corrupção e a questão das ‘dívidas ocultas'”, defendeu Graça Machel.