A vice-presidente da Comissão para os Valores e Transparência, Vera Jourová, disse, em entrevista à Lusa, acreditar que “o acordo é possível” para desbloquear a aprovação do orçamento da União Europeia e do novo Fundo de Resolução.

“Ainda acredito que o acordo é possível”, disse a vice-presidente da Comissão Europeia, salientando que as negociações estão ainda a decorrer.

“A Comissão apoia a presidência alemã, que tem a missão de chegar a um acordo com os dois países [Hungria e Polónia] que bloqueiam o orçamento”, prosseguiu Vera Jourová, sublinhando que este é “extremamente necessário, mais do que nunca, para iniciar a recuperação” da economia europeia.

Precisamos do orçamento para continuar a investir. Mas é claro que temos também a obrigação de enfrentar a realidade e olhar para o que pode ser a alternativa possível”, algo que “ainda não está sobre a mesa”.

A legislatura prevê o “automatismo que irá começar começar no novo ano com um orçamento que será limitado a apenas despesas absolutamente necessárias”, o que é “conjuntural”, referiu.

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Em meados deste mês, a Hungria, apoiada pela Polónia, concretizou a ameaça de bloquear todo o processo de relançamento da economia europeia – assente num orçamento para 2021-2027 de 1,08 biliões de euros, associado a um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões – , por discordar da condicionalidade no acesso aos fundos europeus ao respeito pelo Estado de Direito.

Na altura, húngaros e polacos, sem força para vetar o mecanismo, já que este elemento do pacote necessitava apenas de uma maioria qualificada para ser aprovado, vetaram outra matéria sobre a qual não têm quaisquer reservas, a dos recursos próprios, pois esta sim precisava de unanimidade, bloqueando então todo o processo.

Este bloqueio, que cria uma nova crise política na UE, é uma questão que vai dominar a próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da UE, em 10 e 11 de dezembro.

Portugal inicia presidência “num momento muito difícil”

Para a vice-presidente da Comissão para os Valores e Transparência, Portugal começa a presidência da União Europeia (UE) “num momento muito difícil e em condições muito difíceis”.

“Portugal inicia a presidência [em 1 de janeiro] num momento muito difícil e em condições muito difíceis”, considerou e adiantou ainda que já teve “um debate muito bom” com uma representante do Governo.

Nesse debate, foi discutida a necessidade de “dar continuidade ao diálogo sobre o Estado de Direito, porque temos agora o relatório do Estado de Direito”, referiu a Vera Jourová.

Também foi abordada a necessidade “de fazer mais” no campo da igualdade de género, da legislação sobre a violência sobre as mulheres e do combate ao discurso de ódio.

“Queremos introduzir o discurso do ódio” na lista de crimes na UE, tema que “será também debatido”, acrescentou Vera Jourová.

Temos um entendimento comum muito bom [para] que assim que tivermos legislação que regulamenta a internet, que é a Lei dos Serviços Digitais [Digital Services Act] e mercados digitais, a presidência [portuguesa]assumirá o controlo e avançará com o processo legislativo”.

“Falando de uma maneira geral, achamos que podemos fazer trabalho muito útil nos próximos seis meses para esta tão determinada presidência portuguesa”, salientou.

Fake news: foco é combate a ações coordenadas para alterar eleições ou pôr em risco segurança

Vera Jourová, afirmou que o foco é combater a desinformação que é “produzida de forma coordenada” para prejudicar as pessoas ou alterar o resultado eleitoral.

A vice-presidente da Comissão Europeia considerou que “os rumores são tão antigos como as pessoas”, salientando que o foco não são os rumores ou as fake news do dia-a-dia.

“Estamos focados na desinformação que é produzida de forma coordenada intencionalmente para prejudicar a segurança das pessoas ou para alterar o resultado das eleições”, salientou Vera Jourová, que apresentou na quinta-feira o Plano de Ação para a Democracia Europeia.

“O nosso plano é defender o facto, dar prioridade aos factos e minimizar o impacto dessa desinformação”, destacou a vice-presidente.

Há sempre um pouco de verdade [na desinformação] e uma grande bolha”.

Questionada sobre o que destacaria no Plano de Ação para a Democracia Europeia, Vera Jourová realçou a “proteção de eleições livres e justas”.

De acordo com o plano, uma democracia saudável depende do envolvimento dos cidadãos e de uma sociedade civil ativa, não apenas na época da eleição, mas o tempo todo.

Assim, defende uma clara necessidade de maior transparência na publicidade e comunicação política e nas atividades comerciais que o rodeiam, nomeadamente online’.

Trata-se de uma “mistura de regulamentação e de ação para tornar o serviço de internet melhor para as pessoas, sendo uma fonte de emancipação e um tipo de educação, de esclarecimento, de comunicação”, em vez de algo que “permite a manipulação ou organização de violência contra alguns”, prosseguiu.

Temos de fazer mais para usar todas as vantagens desta fantástica esfera digital e minimizar os riscos”.

Questionada sobre se democracia já teve melhores dias, tendo em conta as dificuldades que os media atravessam, a proliferação da desinformação e a pandemia, Vera Jourová rematou: “A democracia está sob um teste de stress“.

Vera Jourová recordou que quando chegou à Comissão Europeia, em 2014, os temas discutidos eram outros, ninguém falava em proteger a democracia.

Mas com o passar do tempo, “vimos cada vez mais a atmosfera na sociedade a piorar, reagindo a diferentes tipos de ameaças, com uma tendência realmente preocupante na Europa”, prosseguiu, recordando as várias crises que a região atravessou, onde se inclui terrorismo, o Brexit, a migração ou a crise financeira.

Durante este tempo, “a transformação digital estava a acontecer”, a que se soma um outro elemento, “o aumento do sentimento de insegurança de muitas pessoas” e isto resultou num “‘cocktail’ tóxico”, salientou.

E, por isso, é “perfeitamente compreensível que mais e mais pessoas quisessem ver alguém que tomasse conta deles” e houve quem se aproveitasse disso.

“Mas agora é o momento” para que todos os políticos democratas “mostrem às pessoas que a democracia funciona” e que podem “ter voz não apenas nas eleições”, sublinhou.

Durante a pandemia de Covid-19 “estivemos inundados por mensagens, especialmente da China, que expressou que o seu modelo de governança era o melhor para” para gerir a crise, o que “não é verdade” e as pessoas têm de saber isso, acrescentou.

Questionada sobre quando é que o Plano vai ter impacto, Vera Jourová disse que já está a ter, pois este é apenas “uma continuação” do que já foi iniciado.

Apontou o código de boas práticas assinado pela Google, Facebook, Twitter, Mozilla, Microsoft e TickTock no que respeita ao combate à desinformação nas suas plataformas, a que se juntaram também associações de anunciantes.

Há muitos anunciantes representando grandes empresas, grandes negócios, que recusam estar ligados a ‘websites’ que produzem desinformação”.

“E isto é algo que está acontecer dentro do negócio”, apontou.

As plataformas estão “a reservar espaço de destaque para informação fiável com base em investigação e ciência” e “isto está reservado às autoridades de saúde”, salientou Vera Jourová.

De acordo com um estudo, “a desinformação voa sete vezes mais rápido e essa é a razão por que a desinformação consegue atrair mais dinheiro”, por angariar mais utilizadores.

“Temos de quebrar este ciclo e é por isso que também estamos a propor o mecanismo que vai desmonetizar esses sistemas que inundam continuamente o nosso mercado com desinformação”.

A presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021, tem como prioridades a Europa Resiliente, capaz de resistir a crises não apenas economicamente como ao nível dos valores europeus, a Europa Social, com o modelo social como fator de crescimento económico, a Europa Verde, líder mundial no combate às alterações climáticas, a Europa Digital, pronta para enfrentar a transição tecnológica a nível económico e de proteção dos direitos dos cidadãos, e a Europa Global, assente na aposta no multilateralismo.