Pouco passava das 8 da manhã e pelos portões da fábrica da Super Bock, em Leça do Balio, Matosinhos, o segurança permitia a entrada e saída de alguns veículos. José Eduardo foi o primeiro a chegar ao ponto de encontro da manifestação anunciada há uma semana. Trabalha na empresa há 21 anos e integra o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal (Sintab).

De papel na mão, torce para que a chuva dê tréguas e cumprimenta os colegas que se juntam a ele numa greve que pretende paralisar a produção durante 24 horas. Em causa está o despedimento de 16 trabalhadores precários e um acordo que a administração do grupo celebrou, em janeiro, com o sindicato no Ministério do Trabalho, garantindo a integração destes funcionários nos quadros da empresa.

“Nas últimas semanas, a Super Bock decidiu pura e simplesmente, de forma que consideramos até vergonhosa, não cumprir com o acordo. Tudo isto é um ataque feroz aos postos de trabalho, é um ataque à própria contratação coletiva, que visa descapitalizar a força humana desta empresa”, começa por explicar José Eduardo ao Observador.

No entanto, as queixas não ficam por aqui. O trabalhador acusa o grupo de nos últimos dois anos ter adotado uma atitude “abusiva e prepotente”, com ações de “perseguição” e “assédio laboral”. Segundo José Eduardo, a administração e direção têm feito reestruturações “sem sentido nenhum”, abrindo mesmo “uma guerra aberta” com os funcionários.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Antes desta reestruturação, no início do ano, já não tínhamos força humana suficiente para manter a fábrica operacional, não estamos apensas a falar da área industrial, mas de todas as áreas administrativas. Em todas elas existe falta de trabalhadores, havendo também quem trabalhe horas extra sem receber nada por isso.”

Além desta greve que durará 24 horas, a comissão de trabalhadores já solicitou uma audiência à ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, à qual ainda não obteve resposta. Já os 16 funcionários dispensados prometem “uma luta judicial em defesa dos seus postos de trabalho”. “Esta e uma empresa de renome e exportadora, não cumprindo o acordo está a desrespeitar o Ministério do Trabalho, que deverá ter uma posição sobre isso”, sublinha José Eduardo, do Sintab.

Trabalhadores da Super Bock convocam greve para 10 de dezembro

Após o plenário de trabalhadores realizado no início de dezembro, a Super Bock confirmou “a realização da reunião na Direção Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT) no dia 20 de novembro, na qual informou que a alteração de circunstâncias motivada pelo impacto da crise Covid-19 no negócio do grupo tem tido uma profundidade tal que torna inexigível o cumprimento integral do acordo celebrado em janeiro passado, num contexto prévio à pandemia”.

Quem também marcou presença nesta ação de protesto foi Isabel Camarinha, líder da  Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), que consigo trouxe uma carrinha com uma faixa, com palavras de ordem, uma coluna, de onde soavam Zeca Afonso a Boss Ac, e um microfone, onde se pedia “justiça” e “democracia”. Chegou para mostrar a sua solidariedade a uma situação que considera ser “um escândalo”, garante que a pandemia é apenas “uma desculpa” para avançar com despedimentos e realça a necessidade de combater a precariedade no país.

“Sabemos que esta empresa, além de ter uma situação financeira muitíssimo boa, não reduziu a sua produção e não precisa de menos trabalhadores, antes pelo contrario, está a recorrer a trabalhadores de empresas de trabalho temporário para ocupar postos de trabalho permanentes. Alguns deste funcionários têm 16 anos de casa, de maneira que é um escândalo que uma empresa como esta, com milhões e milhões de euros de lucros, tenha este comportamento, num momento em que o combate à precariedade deveria ser uma das prioridades, quer das empresas, quer do Governo.”

Super Bock defende que processo de despedimento não envolve trabalhadores da empresa

Em comunicado, o grupo defende que os 16 trabalhadores em causa “não são trabalhadores da Super Bock, mas de uma empresa que presta serviços à Super Bock”, reiterando que “só a alteração profunda de circunstâncias motivada pelo impacto da crise Covid-19 no negócio do grupo torna inexigível o cumprimento integral do acordo que fora, em fase prévia à pandemia, alcançado na DGERT e, consequentemente, a contratação dos trabalhadores”.

No mesmo documento, a Super Bock justifica que em consequência da situação pandémica foi obrigada a iniciar, em junho passado, um processo de reajustamento da sua estrutura, “pelo que não seria compreensível, nem socialmente admissível, integrar agora trabalhadores externos à organização”.

“A atividade da empresa tem sido e continuará a ser afetada pelo momento excecional vivido no mundo e em particular em Portugal. A empresa realiza maioritariamente as suas vendas no Horeca, canal que passa por enormes dificuldades desde o início da pandemia, sendo que os constrangimentos vão prolongar-se pelas novas medidas de contenção face ao agravamento da situação epidémica do país.”

Outra das queixas da comissão de trabalhadores prende-se os processos disciplinares e atitudes “abusivas e prepotentes” na sequência de um novo regulamento de segurança e saúde no trabalho. A empresa informa que esta questão “foi definida como uma prioridade estratégica e é nesse sentido que tem vindo a exigir o respeito e cumprimento daquele regulamento”.

“Num contexto de pandemia como o que atravessamos, a Super Bock reforçou a sua preocupação com as questões de segurança e saúde no trabalho, tendo adotado medidas extraordinárias para fazer face à atual situação epidemiológica. Trata-se de uma questão da qual a empresa não abdica, pois só assim consegue garantir a segurança a saúde de todos os seus colaboradores e famílias”, concluiu em comunicado.