Mais de um terço da população e quase metade dos profissionais de saúde inquiridos num estudo manifestaram sinais de sofrimento psicológico, como ansiedade, depressão ou stress pós-traumático, sendo os mais afetados os que estão a tratar doentes com covid-19.

O estudo Saúde Mental em Tempos de Pandemia (SM-COVID19), promovido pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), em parceria com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, mostra que os profissionais de saúde apresentam percentagens mais elevadas de ansiedade moderada a grave do que a população geral.

Os mais afetados “como seria expectável” são os profissionais que estão a tratar os doentes com covid-19, que têm um risco de sofrimento psicológico 2,5 vezes superior aos que não estão a tratar esses doentes, disse à agência Lusa Teresa Caldas de Almeida, coordenadora do estudo e investigadora do INSA, cuja recolha de dados decorreu em dois períodos: de 22 de maio a 20 de julho de 2020 e de 23 de julho a 14 de agosto. É também neste grupo de profissionais de saúde que os níveis de ‘burnout’ (exaustão física e emocional) são mais elevados, chegando a atingir os 43%.

Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do apoio “RESEARCH 4 COVID-19”, o estudo visou caracterizar o impacto da pandemia na saúde mental e identificar determinantes de resiliência e vulnerabilidade psicológica no contexto da pandemia.

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“Este estudo teve em conta o conhecimento que havia de situações semelhantes em anteriores epidemias, por outros vírus, como o ébola ou o SARS, em que houve necessidade de haver confinamento das pessoas, e que já nessas alturas foram reportadas alterações na área da saúde mental”, disse Teresa Caldas de Almeida.

Nesse sentido, adiantou, foi considerado que “seria importante fazer uma caracterização da situação da saúde mental da população portuguesa, maiores de 18 anos, com alguma atenção particular aos profissionais de saúde e um segundo grupo que são os indivíduos infetados ou suspeitos de infeção”.

Segundo o estudo, 34% da população geral e 45% dos profissionais de saúde apresentavam sinais de sofrimento psicológico no decurso dos 15 dias anteriores à participação no estudo. Já 27% dos inquiridos da população geral indicaram ter sintomas moderados a graves de ansiedade, 26% sintomas de depressão e 26% sintomas de perturbação de stress pós-traumático.

“São sobretudo as mulheres, os inquiridos entre os 18 e os 29 anos, os desempregados e os indivíduos com mais baixo rendimento quem apresenta mais frequentemente sintomas de sofrimento psicológico moderado a grave, ansiedade, depressão ou perturbação de stress pós-traumático”, adiantou a investigadora. Um terço apresentava níveis de resiliência elevados, nomeadamente os homens com mais de 50 anos, os empregados e os reformados.

Relativamente às novas formas de organização do trabalho, suscitadas pela pandemia, 83% consideraram que, em particular o teletrabalho, podem vir a ter um impacto positivo na sua vida.

O inquérito aponta “a dificuldade na conciliação trabalho-família, a preocupação com a manutenção do trabalho ou preservação do rendimento, a perceção de menos apoio social ou familiar e a preocupação relativamente ao futuro são determinantes relevantes de problemas de saúde mental na população geral e também nos profissionais de saúde”.

No caso dos profissionais de saúde, “o rendimento, o tratar doentes com covid-19, o nível médio/baixo de resiliência, as dificuldades na conciliação trabalho-família, a falta de apoio social e familiar, e as preocupações face ao futuro são os principais fatores preditores de sofrimento psicológico”.

“Este estudo não é um estudo em que possamos ter chegado a um diagnóstico, que é feito com uma consulta de psiquiatria, mas utilizamos estes elementos muito sólidos, validados, com escalas validadas, que apontam para um valor que pode ser um pouco sobreavaliado, mas não muito longe dos resultados reais, ou seja, nós podemos afirmar a prevalência de sintomas e não, obviamente, a existência de uma patologia clínica diagnosticada”, sublinhou a investigadora.

Adiantou que “a intenção foi sempre recolher informação útil para que o Ministério da Saúde possa tomar as medidas que considera mais adequadas e que possam, no fundo, minimizar, mitigar os efeitos da pandemia na saúde mental da população portuguesa e dos profissionais de saúde”.

Os dados deste estudo são “muito semelhantes” a outros que têm sido feitos internacionalmente. “Esta situação era expectável e decorrente desta situação pandémica. Não podemos dramatizar estes dados, mas também não os podemos minimizar. Mas o que é importante em tudo isto tem a ver com a informação para que se possam tomar as melhores medidas”, observou.