Miguel Romão, o ex-diretor-Geral da Política de Justiça que apresentou demissão na semana passada na sequência do caso do procurador europeu, esclareceu, num texto de opinião publicado esta quinta-feira no Público, que não recebeu “instruções” de Francisca Van Dunem “para defraudar currículos ou informações a prestar a entidades externas”. Mas não deixa de criticar indiretamente a ministra ao referir que nem Van Dunem nem o seu gabinete assumiram responsabilidades pelo que se passou.

Miguel Romão. “Caso UGT foi relembrado pela ministra Francisca Van Dunem”

No final de dezembro, foi tornado público que, numa carta enviada para a União Europeia, o Ministério da Justiça apresentou dados falsos sobre José Guerra, o magistrado escolhido para representar Portugal na futura Procuradoria Europeia tendo sido preterida Ana Carla Almeida, a procuradora que ficou em primeiro lugar nas provas de seleção . Na informação fornecida, Guerra era identificado como “procurador-geral-adjunto” quando é apenas procurador, e como tendo tido uma participação “de liderança investigatória e acusatória” no processo “UGT”, quando foi apenas o procurador do julgamento.

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O caso tem gerado polémica e levou a que Miguel Romão apresentasse a sua demissão, que a ministra da Justiça aceitou. No Público, o ex-diretor-Geral da Política de Justiça explicou que o fez “por uma razão simples”: o serviço que dirigia “preparou um documento com dois erros factuais”, e não porque tenha participado  numa “qualquer ‘cabala para condicionar instituições europeias’ ou algo do género”, que diz não acreditar que exista.

“Demiti-me porque remeti, como diretor-geral, um documento de fundamentação que continha dois erros factuais, provavelmente irrelevantes no resultado final do processo em causa (dado estar em causa uma escolha política), e que eu não pude verificar de acordo com os elementos de que dispunha pessoalmente, mas que criaram danos reputacionais e de dignidade externa no departamento que eu dirigia”, declarou.

Sobre o papel desempenhado pela ministra da Justiça na transmissão das informações erradas à UE, Miguel Romão garantiu que Van Dunem nunca lhe “deu instruções para defraudar currículos ou informações a prestar a entidades externas. Pode parecer um detalhe e ser uma desilusão para alguns, mas é a verdade. E a verdade, já agora, deve ter valor e ser claramente afirmada. Foi assim. Não foi de outra maneira”. De acordo com o antigo responsável, os erros não foram “premeditados” ou “sequer nascidos da vontade, por vezes demasiado humana, de agradar ‘ao chefe’ ou ‘à ministra'”.

Na opinião de Miguel Romão, houve “algum aligeirar de deveres” no tratamento do caso. “Não me passa pela cabeça receber-se no gabinete de um membro do Governo ou na da REPER [Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia] (…) uma fundamentação de decisão, acabada de seguir por urgência expressa assinalada pela própria REPER, que altera a proposta de um júri internacional para um cargo novo e unipessoal, numa nova agência europeia na área da justiça, e esta não ser apreciada, para mais com lapsos que seriam evidentes perante um CV e informação de que se dispunha. (…) Ou nem sequer disso se dando conhecimento direto à ministra da Justiça, ao que sei, no caso do seu gabinete; ministra que, pelo seu percurso profissional anterior e por ser a requerente e instruenda dessa fundamentação, a poderia facilmente verificar e corrigir os lapsos em causa.”

“Este é um texto sem qualquer intuito de vingança privada”, garantiu ainda Miguel Romão. “Poderá haver quem o queira ver como tal – estará enganado, no seu pleno direito ao erro. A liberdade de quem não depende de qualquer cargo público de nomeação é insubstituível.”

Miguel Romão explica ainda, como o Observador escreveu, que o governo tinha legitimidade para influenciar politicamente a escolha do procurador mas que a decisão pertence ao Conselho da UE — desmentindo assim António Costa. E não deixa de descrever como a lei proposta pelo Governo para o concurso não serviu para nada porque quando foi publicado já estava tudo escolhido.