No concelho mais abstencionista do país, os poucos votantes de Vila Franca do Campo (Açores), reconhecem que existe um desinteresse generalizado da população na política.

Em dia de eleições presidenciais, no centro da vila, onde o sol reluzia tímido, algumas pessoas entravam e saiam da escola primária Santos Botelho. É ali um dos locais de voto do concelho que registou a mais elevada taxa de abstenção do país nas últimas eleições presidenciais de 2016 (76,41%).

Aquela escola é o espaço habitual para os atos eleitorais. Nestas presidenciais, contudo, as urnas foram colocadas no ginásio — em detrimento das salas — e por isso a entrada é feita num dos acessos laterais. O objetivo é garantir o distanciamento físico devido à pandemia da Covid-19.

À entrada está um dos membros da mesa de voto, que tem a missão de desinfetar as mãos de todas as pessoas que ali acorram. Maria da Paz foi uma delas, defendendo que a pandemia não é impeditiva do exercício do direito de voto.

“Temos de dar a nossa opinião para não serem os outros a decidir por nós. Com a pandemia, temos de tomar cuidados, mas se nós estamos a trabalhar também podemos ir votar”, afirma a vila-franquense à agência Lusa.

Nos Açores não existe a necessidade de confinamento e apenas na ilha de São Miguel existe recolher obrigatório às 20h durante a semana e às 15h ao fim de semana — uma das exceções ao recolher é para ir votar.

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Questionada sobre a elevada abstenção em Vila Franca do Campo, Maria da Paz explica prontamente que “as pessoas estão muito desligadas da política”, mas “só se sabem queixar depois” das eleições.

Não foi apenas nas presidenciais que se registou uma elevada abstenção naquela vila a sul de São Miguel, que foi a primeira capital da ilha e que é conhecida pelas famosas queijadas batizadas com o nome do concelho.

Nas últimas legislativas de 2019, Vila Franca do Campo foi também o concelho onde se registou a maior abstenção (70,4%) do território nacional. Também a nível regional, nas eleições para a Assembleia Legislativa de 2020, Vila Franca foi o concelho mais abstencionista do arquipélago (63,5%).

Apesar dos números, Mário Roberto, que este domingo foi votar, diz que abstenção ainda deveria ter sido mais elevada porque os “políticos não têm qualidade” e as “pessoas sérias não querem ir para a política”.

“Deviam era ter ido menos ainda [pessoas a ir votar]. Isso não tem interesse nenhum. Eu só vou votar por descarte de consciência”, assinala.

Por sua vez, Silvino Ponte, empresário, salienta que “nunca” teve “tanta vontade de ir votar como agora”, porque nessas presidenciais apareceu um “novo candidato” com “vontade de mudar as coisas nesse país”.

“A maior razão que eu vejo para haver tanta abstenção é da maneira que em 40 e tal anos de democracia se encontra o país. É preciso mudar muita coisa. Estamos num país na cauda da Europa e as pessoas estão descontentes com a política e com os políticos”, apontou.

Durante a manhã, acorreram várias pessoas àquela mesa de voto. Nunca em número suficiente para se formar fila à entrada, mas as suficientes para existir sempre alguém a votar.

Raquel Amaral é jovem e foi votar naquela manhã. Tem 25 anos e acredita que toda a gente deveria exercer o seu “direito e dever” de voto, até porque os Açores já têm a experiência de realizar um ato eleitoral em plena pandemia da Covid-19 (as últimas regionais de outubro).

“Sendo já as nossas segundas eleições nos Açores em tempo de pandemia, acho que as pessoas já tiveram a preparação porque correu bem da última vez, o que faz com que as pessoas se sintam mais seguras”, destacou.

Sobre a abstenção elevada, Raquel Amaral também realça a existência de uma “faixa etária mais jovem que não vota” e considera importante existir uma comunicação diferente por parte dos políticos e da comunicação para aproximar os jovens da política.

“Reparei que falta muito um tipo de conteúdo que possa mostrar aos jovens o que é a política numa linguagem menos aborrecida. Porque a linguagem política por si só já afasta muita gente e é preciso arranjar outras formas de passar a mensagem”, defende.

Cá fora, no passeio ao largo da escola, passava Vanda Medeiros, que foi questionada pela Lusa se iria votar.

“Hoje é dia de votos? Eu não sabia. Sabia que havia umas eleições, mas não sabia que era hoje”, respondeu, agradecendo a informação e informando que, assim sendo, iria votar “lá mais para a tarde”.

Por volta das 12h locais (mais uma hora em Lisboa), um membro daquela mesa de voto mostrava a sua surpresa pela participação estar um “pouco melhor” do que em outros atos eleitorais, avançado que já deveriam ter ocorrido àquelas mesas cerca de 200 pessoas.

Vila Franca do Campo é composta pelas freguesias Água de Alto, Ponta Garça, Ribeira das Tainhas, Ribeira Seca, São Miguel e São Pedro, tendo cerca de 11 mil habitantes.