O Governo aprendeu com a TAP que, “às vezes, permitindo algum desemprego, salva-se imenso emprego”, disse o presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), defendendo que essa flexibilização seja estendida às empresas. Em entrevista à Lusa, Pedro Costa Ferreira referiu também que a situação das agências está “pior do que nunca”, que vivem numa espécie de hibernação, que seria uma “hecatombe” se a TAP desaparecesse e que relação com a TAP “tem sido mais fácil desde que foi substituído o anterior CEO [presidente executivo]”, Antonoaldo Neves.

Pedro Costa Ferreira já tinha afirmado, antes, concordar com os apoios do Estado à companhia aérea, cujo um eventual desaparecimento apelidou de “hecatombe” para o turismo e consequente recuperação económica nacional, no entanto, diz que a este propósito é “importante” — para se pensar sobre o setor, “sobre as relações com o Governo e sobre os apoios” — ver o modelo adotado.

O Governo precisou de salvar a TAP e para salvar a TAP dotou-a de um pacote que foi exatamente o pacote que proibiu todas as empresas seguirem, que é um conjunto no mesmo tacho da sopa de apoios: despedimentos e redução de salários”, afirmou.
Ou seja, o Governo, reforçou o responsável, “adotou para a empresa de casa que necessitou de salvar a máxima flexibilidade, provando que muitas vezes é necessário adotar flexibilidade para se salvar uma empresa. Seria de muito bom tom e muito útil para a economia portuguesa que o Governo percebesse isso e que adotasse agora, neste momento tão crítico da retoma, essa flexibilidade ao restante das empresas portuguesas”.

“O Governo aprendeu que, às vezes, permitindo algum desemprego, salva-se imenso emprego”, resumiu, acrescentando que o número de postos de trabalho em causa na companhia “não é tão pequeno assim”. Questionado se a APAVT se junta, então, aos apelos da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) que, nos últimos anos, tem vindo a pedir uma maior flexibilização da legislação laboral no setor, Pedro Costa Ferreira respondeu: “Absolutamente”.

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É necessária mais flexibilidade. Julgo que fixar emprego não é impedir desemprego. Muitas vezes um pequeno número de desempregados salvam um grande número de empregados”, afirmou.
Instado a concretizar uma medida específica que a associação considera essencial nestes tempos, o responsável fala nas quotas de enquadramento para as empresas procederem a despedimentos ou extinções de postos de trabalho.

“Há quotas de possibilidade de desvinculações nas empresas, há tetos máximos neste momento, provavelmente flexibilizando à séria essas quotas estaríamos, pelo menos, no caminho certo. Haverá caminhos mais efetivos de maior flexibilidade. Percebo que nós estamos a dialogar com o Governo e o Governo está a dialogar com uma Assembleia da República, da qual depende e necessita apoio, que terá um outro enquadramento de todos estes problemas e uma outra visão. Sei bem que temos sempre de nos encontrar a meio do caminho, mas essa seria, por exemplo, uma boa sugestão: que aumentassem as quotas relativamente às quais podemos enquadrar despedimentos ou extinções de postos de trabalho”, considerou.

Relação com a TAP mais fácil agora

“É verdade, era uma relação bloqueada [com a TAP]. É uma relação que desbloqueou e eu não gostaria de personalizar o assunto – até porque a pessoa já cá não está —, mas o que interessa se calhar para a TAP e para os agentes de viagens é que a relação é da maior confiança, em meu entender. É de maior lealdade e temos alguns processos críticos, nomeadamente o plano de reembolsos da TAP às agências de viagens, que são processos que desbloquearam, que estão a correr bem e que perspetivam que num breve espaço de tempo as agências de viagens estejam totalmente reembolsadas por parte da companhia aérea portuguesa e isso são boas notícias”, considerou.

Relativamente ao acerto de contas com a TAP, Pedro Costa Ferreira referiu que, atualmente, as agências de viagens já foram reembolsadas de “alguns milhões” e que “não estarão tantos assim [em falta] para que este processo termine.

“(…)Provavelmente até final de junho, a minha ambição é que o processo de reembolsos [esteja terminado]. Haverá sempre umas centenas ou uns milhares de processos por resolver, alguns ‘vouchers’ cujos valores estão em litígio e quando digo litígio não há uma relação tensa, litígio porque há opiniões diferentes, e estamos a chegar a conclusões. É justo conceder que, neste momento, a capacidade de trabalho da TAP a estes níveis administrativos está seriamente debilitada por tudo o que tem acontecido na companhia e temos que ter aqui algum ‘fair play’ e ajudar” a permitir também prazos mais alargados”, concluiu.

Pedro Costa Ferreira disse também esperar que seja possível retirar os apoios a fundo perdido ao setor ao longo de 2021, mas que antes têm de ser reforçados numa entrevista à agência Lusa.

Espero bem que seja possível retirar os apoios a fundo perdido ao longo de 2021, têm é de ser reforçados antes de ser retirados. Tem de se dar oportunidade às empresas de os receber”, afirmou Pedro Costa Ferreira.

O responsável espera que os limites do programa Apoiar.pt e do programa de microcrédito do Turismo de Portugal, criados para fazer face aos efeitos da pandemia de Covid-19, “sejam revistos verdadeiramente em alta”, uma vez que as empresas “estão muito frágeis” e precisam de se preparar para a retoma.

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Sobre as moratórias, atualmente em vigor até setembro, o presidente da APAVT considerou ser “impensável” que elas acabem antes do final deste ano, defendendo que “vão ter de ser geridas para além de 2021”. Já quanto às linhas de crédito, Pedro Costa Ferreira acredita que “eventualmente, até ao fim de 2021, estarão tratadas”, mas, entretanto, “têm de se manter ativas”.

“Se é certo que há empresas que não têm hipótese, ou não querem ter mais crédito, há empresas que acreditam muito no negócio e que sabem que vão pagar esse crédito” ao longo do tempo, apontou Pedro Costa Ferreira. A APAVT entende, ainda, que o processo de ‘lay off’ de trabalhadores deve manter-se até ao final do ano.

Questionado sobre se considera ter havido discriminação entre os vários intervenientes que atuam no setor do turismo, relativamente aos apoios concedidos pelo Governo, Pedro Costa Ferreira considerou ser “má política” apontarem uns para os outros e contarem os apoios que cada um tem tido.

Não sentimos que estejamos a lutar com o Governo para obter mais apoios e muito menos a lutar com associações congéneres para ir buscar uma parte do bolo. Não temos nada essa noção, acho que desta crise ninguém sai sozinho vivo”, frisou o responsável. “Se me pergunta se os apoios têm sido suficientes: não. Se os apoios podem acabar: muito menos. Se os apoios têm de ser reforçados: o mais possível. Mas acho que não podemos falar em discriminação. Nós temos é construído”, reforçou.

Retoma vai exigir liquidez e “Governo não pode hesitar”

O presidente da associação adverte que a retoma vai exigir liquidez das empresas e que, nessa altura, “o Governo não pode hesitar”, sob pena de se desperdiçar o esforço feito em 2020.

É no momento da retoma que vamos perceber as dificuldades reais das empresas e é nessa altura que o Governo não pode hesitar, sob pena de um esforço enorme que o Governo também tem feito ao longo do ano de 2020 cair todo em saco roto”, alertou Pedro Costa Ferreira, em entrevista à Lusa.

Assim, o responsável defendeu que os apoios disponibilizados às empresas do setor do turismo, para fazer face aos efeitos da pandemia de Covid-19 na economia, “têm de ser redobrados” e “mais robustos”.

“A retoma é, provavelmente, o momento de maior necessidade de liquidez de todas as empresas, porque os custos, perante uma crise alongada e uma empresa muito fragilizada, serão e terão um movimento de zero para 100”, afirmou Pedro Costa Ferreira.

A APAVT prevê que, no momento da retoma da economia, as empresas passem rapidamente a ter os custos que tinham antes da pandemia, embora as receitas venham a ser geradas de forma gradual, daí sublinhar a necessidade de liquidez. Pedro Costa Ferreira disse acreditar na possibilidade da retoma acontecer ao longo deste ano, de forma mais lenta, consolidando-se em 2022. Neste contexto, o primeiro “grande desafio” para o turismo português é, disse, manter viva a oferta.

“Se a oferta não existir para poder receber uma procura que continua a existir e, provavelmente, até vai existir com mais desejo, com mais capacidade de crescimento, aí não temos nada”, avisou.

O presidente da APAVT considerou também importante apostar na projeção da imagem de Portugal como um destino seguro e, para isso, é necessário resolver a crise sanitária. Depois disso, “o maior desafio de todos” é “ganhar o jogo das viagens mais afastadas” bem como o “jogo” de mercados como o americano, o brasileiro, o asiático e a América Latina.

Se nós ganharmos este tipo de mercados, temos a consciência que vamos ter duas coisas: maior diversidade de oferta e menor sazonalidade”, defendeu.“Depois da pandemia, cada vez vai haver mais turistas à procura de locais sem turistas e, portanto, isso só se resolve aumentando o território turístico, diversificando a oferta, e isso só se resolve se tivermos acesso a outro tipo de mercados que não o mercado tradicional do UK [Reino Unido], o alemão, o francês”, acrescentou o presidente.

Panorama é de “manifesta gravidade” mas agências de viagens “têm sobrevivido”

O panorama é de “manifesta gravidade”, mas que as empresas “têm sobrevivido” ligadas à máquina, com a liquidez que tinham, com endividamento e apoios governamentais. “É um panorama de manifesta gravidade, obviamente” aquele que o setor vive em tempos de pandemia, começou por afirmar, acrescentando que, “apesar de tudo, as agências de viagens têm sobrevivido”. “Estão em sofrimento, mas têm sobrevivido”, reforçou.

O responsável apontou que, ao longo de 2020, as empresas do setor registaram quebras de negócio entre os 75% e os 100%, devido à pandemia de Covid-19 e que a estimativa para janeiro e fevereiro deste ano é de um agravamento para quebras entre os 90% e os 100%.

No entanto, explicou, as agências de viajem têm conseguido sobreviver, sobretudo devido a “três fatores essenciais”: os resultados positivos do turismo em 2019, que permitiram acumular liquidez, o recurso ao endividamento e os apoios governamentais, “que não sendo suficientes”, disse, “têm sido manifestamente importantes”.

Enquanto as empresas estão ligadas à máquina, elas conseguem sobreviver. Com sofrimento, com empresários a gastar dinheiro, com empresários e empresas a endividarem-se, com certeza que sim, com apoios, com certeza que sim, mas têm conseguido sobreviver até ao grande momento da verdade, que é a retoma”, sublinhou Pedro Costa Ferreira.

Ressalvou, porém, que a situação está “pior do que nunca”, uma vez que a crise está a durar mais do que o previsto e as empresas do setor, estando autorizadas a trabalhar, não têm registado procura expressiva, face às restrições de mobilidade.

Nós estamos num estado de uma espécie de hibernação”, relatou.

Questionado acerca de um sinal de falências pela perda de associados, o presidente da APAVT disse que a associação tem registado “algumas quebras”, embora não sejam significativas.

Temos algumas quebras de associados, sim. […] Nós fazemos a repescagem das razões pelas quais as empresas deixam de ser associadas, algumas delas é porque desistiram de continuar e, portanto, temos realmente alguns abandonos, mas do ponto de vista macro, mais geral, a verdade é que, tal como os próprios dados macroeconómicos nos fazem sentir, é que há menos falências em 2020 do que em 2019”, esclareceu Pedro Costa Ferreira.

Seria “hecatombe” para turismo e economia se companhia desaparecesse

A Associação concorda com os apoios à TAP, cujo desaparecimento seria uma “e”, já que a companhia é fundamental para o turismo e este para a recuperação económica de Portugal.

“Nós estamos de acordo com os apoios [à TAP]. Estamos de acordo com os apoios porque temos a consciência que a TAP é absolutamente fundamental para o turismo português e temos a consciência que o turismo português é absolutamente crucial para a recuperação económica, para o emprego (…) e para a recuperação a nível das contas externas. Não temos nenhuma dúvida disso”, disse.

Aos que argumentam que se a companhia aérea de bandeira desaparecesse, outra poderia vir fazer o mesmo serviço, Pedro Costa Ferreira contraria, considerando essa ideia uma “meia verdade”.

“Será fácil invocar que caindo a TAP alguém nascerá ao lado… isso é só meia verdade. (…) Em primeiro lugar, no momento atual, substituir as rotas da TAP não demoraria menos de dois anos. Não creio que a economia portuguesa possa esperar dois anos (…). Em segundo lugar, substituir a companhia aérea portuguesa por uma com uma bandeira estrangeira seria provavelmente abandonar o hub”, o aeroporto que serve como centro de distribuição e transferência de voos em Portugal, afirmou o responsável.

E assim, para o responsável, correr-se-ia o risco de perder os turistas que chegam, por exemplo, em voos de longo curso – nomeadamente de rotas que a TAP apostou nos últimos anos – de mercados que vinham a crescer muito em Portugal.

“Abandonar o ‘hub’ era abandonar todo o tráfego de ‘long haul’ [voos de longa distância], o tráfego brasileiro, o tráfego americano, o tráfego canadiano, o tráfego que temos que construir com a China. E abandonar esse ‘hub’ era abandonar o maior desafio do turismo português – e provavelmente da economia portuguesa – que é resolver estes mercados mais distantes”, acrescentou. “Certamente que, ao contrário do que alguma teoria pode sugerir, achamos que seria uma hecatombe para o turismo e uma hecatombe para a economia portuguesa se a TAP desaparecesse de um dia para o outro”, sublinhou.

Pedro Costa Ferreira diz, no entanto, que posto isto “é razoável exigir da TAP que finalmente apresente resultados”, exigir que “a reestruturação não seja mais um passo em falso”. “Acho que é uma responsabilidade enorme da TAP relativamente à qual todos contamos que se deem bem e que tenham êxito e nós estamos dispostos a ajudar porque se a TAP recuperar é bom para todo o ecossistema turístico e também para nós”, explicou.

Por Maria João Pereira e Mónica Freilão (texto), Pedro Martins (vídeo) e Manuel Almeida (fotos), da agência Lusa