Portugal vai ter em poucos meses a primeira rede de distribuição de gás natural com hidrogénio, um projeto essencialmente de aprendizagem, conhecimento e de testes, porque a “vida” do gás natural pode ser curta.

“Diria que o gás natural teve papel muito importante para a economia portuguesa, mas não deixa de ser um combustível fóssil. É o mais limpo dos combustíveis fosseis, é certo, mas não deixa de ser um combustível fóssil. E claro que a pressão ambiental e as metas da descarbonização… e quando falamos da neutralidade carbónica em 2050, significa de facto que o gás natural vai ter um período de vida, se calhar, mais limitado do que aquilo que estaria previsto”. Palavras de Nuno Nascimento, diretor da Transição Energética, Novas Tecnologias e Comunicação da Galp Gás Natural Distribuição (GGND).

O responsável mostrou à Lusa o projeto da GGND de começar a injetar hidrogénio na rede de gás natural, primeiro uma percentagem pequena e numa rede confinada, que serve cerca de 80 clientes, a maior parte residenciais.

Será a primeira vez que em Portugal se mistura hidrogénio com gás natural e será dentro de três meses, nas contas de Nuno Nascimento, que acredita que no final da década será possível cumprir a meta do Governo de haver 10 a 15% de hidrogénio em toda a rede de gás natural.

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O Governo aposta no hidrogénio verde para descarbonizar a economia e cumprir as metas a que se comprometeu de em 2050 ser neutro em emissões de dióxido de carbono. Na quarta-feira, no âmbito da presidência do Conselho da União Europeia (UE), organiza mesmo uma grande conferência sobre hidrogénio verde.

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O hidrogénio é o elemento químico mais leve e abundante do universo, um gás inflamável, sem cor e sem cheiro, produzido nomeadamente através da eletrólise da água, que consiste na separação dos seus componentes (hidrogénio e oxigénio), com recurso a energia elétrica. Se essa energia elétrica for renovável chama-se hidrogénio verde.

Estamos comprometidos enquanto empresa para descarbonizar a nossa infraestrutura de gás natural, temos mais de 13 mil quilómetros de infraestruturas de gás de norte a sul do país, nas quais hoje circula gás natural. O que pretendemos é descarbonizar a nossa infraestrutura, através da injeção de gases descarbonizados, ou gases de baixo teor em carbono, nomeadamente o hidrogénio ou o biometano”. Di-lo à Lusa ao lado de um eletrolisador da empresa Gestene, de engenharia eletrotécnica nas áreas da distribuição de energia, naval e minas, na zona industrial do Seixal, margem sul do Tejo.

É o eletrolisador que está pronto para produzir o hidrogénio, verde porque alimentado por painéis solares, que será armazenado num reservatório no exterior também já pronto a recebê-lo. Falta apenas instalar 1,4 quilómetros de tubagem em polietileno até ao local em que o hidrogénio, até lá puro, se vai misturar com o gás natural e depois ser distribuído.

“Temos quase todas as licenças emitidas, falta uma apenas, diria que dentro de um mês vamos começar a construir”, diz, acrescentando que na tubagem onde circulará o hidrogénio também se irão fazer testes de resiliência dos materiais, nomeadamente controlar a permeabilidade do polietileno (um tipo de plástico) quando exposto a 100% de hidrogénio.

O projeto, chamado “Green Pipeline Project” e que se vai desenvolver nos próximos dois anos, é todo ele de aprendizagem.

Queremos que seja um projeto aberto, que envolva um conjunto de ´stakeholders´ que neste momento estão a apadrinhar projeto, que visa exatamente ser um projeto de estudo, um projeto pioneiro em Portugal, para podermos aprender. Aprendermos todos a saber como é que se injeta o hidrogénio na rede de gás natural, saber como é que se faz a mistura do hidrogénio na rede de gás natural, qual o comportamento dos equipamentos de queima”, diz Nuno Nascimento.

Será a primeira vez que tal se faz e a GGND vai começar devagar numa pequena área do Seixal da Setgás (concessionária que distribui gás em 10 concelhos do sul do país), começando com uma mistura de apenas 02% e depois ir aumentando até ao máximo de 20%. Os consumidores, 70 residenciais, um industrial e os restantes terciários, não vão dar por nada nos seus equipamentos, como fogões ou esquentadores.

O responsável garante que será “muito bem feita” a incorporação do hidrogénio na unidade de mistura, para evitar que se criem bolsas de hidrogénio que “poderiam afetar a performance dos equipamentos de queima”.

E quando o processo, como está previsto, passar para o país inteiro? Nuno Nascimento sorri entusiasmado. Lembra que Portugal foi o último país da UE a ter gás natural e o benefício disso é ter agora “as redes mais novas” de distribuição e de transporte de gás, com uma média de idades de 15 anos e sendo em polietileno (melhor para receber o hidrogénio) em 97% dos 19 mil quilómetros de rede, 13 mil da GGND.

“Todos os portugueses estão a pagar esta infraestrutura. Distribui hoje gás natural, amanhã pode distribuir gás natural com outros gases renováveis ou, no limite, daqui a algum tempo ser 100% hidrogénio, com as devidas adaptações, alterações que tenham de ser feitas”.

O responsável lembra o aviso-concurso, que está aberto até final de abril, de apoio a projetos de produção de gases de origem renovável para autoconsumo e/ou injeção na rede (do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos -POSEUR) e diz que a GALP está a acompanhar e que quer ser “um facilitador de todo este processo”.

Assim que saiu o aviso de financiamento de projetos de hidrogénio e biometano “recebemos um conjunto de pedidos de pareceres técnicos, de viabilidade técnica”, diz, considerando “interessante” ver “como o mercado está recetivo, atento, à espera que algo aconteça”.

E outros projetos ainda, de maior monta? Para Sines, por exemplo, está previsto uma das maiores produções de hidrogénio no país. Nuno Nascimento fala de “outra realidade”, de “outra escala”, que poderá servir clientes que por exemplo precisam de alimentar altas temperaturas no processo produtivo e para os quais a eletricidade não é solução.

E sobre o projeto de Sines mais não fala, até porque não é da GGND. Mas insiste que é preciso “começar a fazer alguma coisa hoje”, porque a tecnologia está disponível, ainda que possa não ser ainda “custo-eficaz”, que é preciso aprender e ganhar escala.

Para que em 2030 se esteja a injetar 10 a 15% de hidrogénio na rede de gás natural.

“Estamos comprometidos enquanto empresa para injeção dessa quantidade de hidrogénio na nossa infraestrutura, como facilitadores de todo o processo”, assegura.