Os finalistas do 12.º ano regressam à escola na segunda-feira, para queimar os últimos cartuchos de um ensino secundário marcado pelo ensino a distância, mas a possibilidade de chegarem menos preparados às universidades não preocupa as instituições.

Em menos de um ano, a maioria dos alunos passou por dois confinamentos devido à pandemia de covid-19, que marcaram dois anos letivos diferentes com quase três meses de aulas à distância em cada.

Os problemas do ensino ‘online’ e a necessidade de recuperar mais tarde aprendizagens perdidas durante aqueles meses marcaram desde logo o debate sobre Educação, mas para os finalistas do ensino secundário o tempo para fazer esse trabalho é pouco.

É já na segunda-feira que esses alunos regressam ao ensino presencial, juntamente com os colegas dos 10.º e 11.º anos. Se tudo correr bem, passarão as últimas nove semanas do ano letivo na escola, seguindo-se, para muitos, o ensino superior.

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Apesar dos dois confinamentos que os caloiros do próximo ano vão levar no currículo, as instituições que os vão receber não estão preocupadas com uma eventual falta de preparação.

“Ao longo dos últimos 15 ou 20 anos, o nível de conhecimento dos estudantes que chegam à universidade é incomensuravelmente maior”, disse à Lusa o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP).

No entender de António de Sousa Pereira, o ensino secundário prepara cada vez melhor os estudantes, que quando chegam ao nível seguinte “são muito bons”.

Apesar de admitir que os cerca de seis meses com aulas ‘online’, no conjunto dos dois últimos anos letivos, se possam refletir no nível de competências à chegada ao ensino superior, o representante dos reitores desvaloriza o problema.

“Acho que nas universidades temos capacidade para identificar essas eventuais desconformidades na formação e de as compensar”, disse, explicando que esse é um trabalho que, durante muitos anos, já era preciso fazer.

Do lado dos institutos politécnicos, essa possibilidade também não é vista como um problema e o representante dos presidentes recorda que os atuais caloiros passaram igualmente por um confinamento no último ano do secundário, que não se refletiu negativamente no atual sucesso escolar.

Por outro lado, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos, prefere pensar que, apesar de eventuais quebras nas aprendizagens, os estudantes terão aprendido outras competências.

“A resiliência, a capacidade de resistir à frustração, de ultrapassar problemas e de se adaptarem a novas realidades… São também competências extremamente importantes”, sublinhou, considerando que, por isso, discorda da ideia de “tempos perdidos”.

“Temos de fazer esta reflexão, pensar quais foram as competências que eles desenvolveram e quais são as competências que ficaram mais sacrificadas”, acrescentou, referindo que será preciso esperar para perceber efetivamente o impacto nas aprendizagens.

Por isso, tanto os politécnicos como as universidades vão estar atentos, para compensar algum do trabalho que possa ter ficado por fazer e apoiar a integração dos novos estudantes.

Até lá, o trabalho está nas mãos das escolas e os diretores garantem que vão aproveitar ao máximo as próximas nove semanas, até ao final do ano letivo.

“Esses alunos viveram dois anos com a pandemia, mas enquanto forem nossos, vamos fazemos o nosso trabalho”, sublinhou Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Esse trabalho, explicou, passa pela implementação de estratégias como o programa de mentorias, em que são os próprios alunos a apoiar os colegas com maiores dificuldades, pelo apoio individualizado a alguns estudantes e pelas coadjuvações em contexto de sala de aula.

“Isto irá diminuir, com certeza, o constrangimento”, disse, considerando também que a receita para o sucesso está na qualidade das aulas e não na quantidade.

Ensino a distância roubou a muitos universitários a licenciatura que esperavam

A pandemia de covid-19 obrigou o ensino superior a reinventar-se e se alguns cursos conseguiram adotar o modelo ‘online’ sem prejuízos, noutros casos o ensino a distância impediu aulas práticas, roubando aos estudantes a licenciatura que esperavam.

Desde que em março do ano passado a pandemia obrigou ao encerramento de todos os estabelecimentos de ensino, o superior não voltou a ser o mesmo. Quando puderam reabrir, as universidades e politécnicos priorizaram as aulas práticas e laboratoriais e muitas implementaram um regime misto, mantendo algumas aulas ‘online’.

Em janeiro, o regresso ao confinamento voltou a meter um travão às atividades presenciais, deixando em suspenso muitas aulas práticas. Agora, com o desejado regresso ao ‘campus’ a partir de segunda-feira, as disciplinas sacrificadas serão novamente prioridade nos planos dos reitores e presidentes dos politécnicos para a reabertura.

No entanto, para alguns universitários, o tempo que lhes resta até ao final do ano letivo não será suficiente para recuperar aquilo que a pandemia lhes roubou: a licenciatura que esperavam.

É o caso de Madalena Pepolino e Ana Cardoso, estudantes em cursos tão diferentes como Teatro e Jornalismo, que em comum têm uma importante componente prática intransponível para o ‘online’.

“Não foi tudo suspenso, [os professores] conseguiram adaptar-se para a distância, mas não conseguimos adquirir, nem de perto, as competências que deveríamos ter adquirido. Toda essa experiência foi perdida”, contou à Lusa Ana Cardoso, finalista de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) em Lisboa.

Recordando o primeiro confinamento, em março do ano passado, a estudante explica que a faculdade encerrou precisamente no semestre com mais ‘ateliers’ e aulas práticas e o tempo que devia ter passado nos estúdios de televisão e rádio da escola foi passado em casa.

“Num ano normal, estaríamos a aprender a mexer com câmaras de televisão, com o teleponto, microfones, mesa de som… E não aprendemos nada disso”, lamentou, explicando que tudo isso foi trocado pelo telemóvel e pelo computador.

No segundo ano do curso de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), Madalena Pepolino enfrentou desafios diferentes, mas com consequências semelhantes.

“Como atriz, é muito importante fazer, pôr o corpo em prática”, explicou, referindo também que a interação e a conexão com os outros “não existe por Zoom”.

Os problemas eram muitos, recorda. Replicar as aulas de voz nas plataformas de videoconferência era impossível, nas disciplinas de Corpo os professores tiveram dificuldade em encontrar alternativas para a avaliação e em Interpretação passaram de, em conjunto, pôr em prática as obras aprendidas para as apresentarem em forma de monólogo.

Por outro lado, nem todos os estudantes tinham em casa as condições adequadas para realizar as atividades práticas, ora porque lhes faltavam espaços amplos, ora porque tinham de os partilhar com outros familiares que também estavam em teletrabalho.

“Eu tinha muitas expectativas, e muita coisa não foi possível. Isso foi uma desilusão”, refere Madalena Pepolino, admitindo que, ainda assim, prefere pensar neste período como um desafio em que acabou por adquirir outras competências.

No último ano, Ana Cardoso também não dá o curso como perdido, mas apenas porque, ao contrário de muitos colegas, se envolveu desde o primeiro ano em atividades extracurriculares que lhe permitiram aprender muitas das coisas que acabaram por se perder no plano de estudos.

“Tenho alguns colegas que não tiveram essa experiência e estão a pensar tirar cursos noutras instituições, mas é muito mau termos de estar a pagar por estes cursos quando pagamos para uma licenciatura em que, supostamente, deveríamos ter aprendido essas coisas”, lamenta.

Do lado das instituições de ensino superior, existe a perceção de que esta frustração é partilhada por muitos alunos que ainda assim compreendem, como aquelas estudantes, que as escolas fizeram os possíveis para se adaptar ao “novo normal”.

“Temos notado muito desalinhamento das expectativas de estudantes que estavam à espera de cursos muito mais práticos e, fruto do ensino à distância, não os pudemos satisfazer”, disse à Lusa o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos.

Também o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) manifestou já preocupação com a possibilidade de alguns alunos concluírem os cursos sem adquirir todas as competências previstas, mas com a reabertura a partir de segunda-feira ambos esperam que os atrasos sejam compensados até ao final do ano letivo.

Do outro lado da moeda, há também aqueles alunos que dizem ter perdido pouco com o ensino a distância e esse não é um sentimento partilhado apenas pelos estudantes de cursos sobretudo teóricos.

Sofia Mendonça é disso exemplo. No terceiro ano de Engenharia Informática no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), o computador pessoal foi sempre o principal instrumento de trabalho e o digital o espaço habitual.

“Não houve perda nenhuma. No nosso caso específico, já é tudo feito ‘online’ e mesmo nas disciplinas em que isso não acontecia, os professores adaptaram-se”, disse, admitindo não sentir sequer necessidade de voltar ao presencial.