Em resposta às ondas de choque que o caso de Odemira está a provocar, Marcelo Rebelo de Sousa veio deixar uma série de avisos e pedir uma averiguação ao que está a acontecer no setor agrícola alentejano, onde trabalham muitos imigrantes: é preciso “apurar o que há de ilegal e se eventualmente haverá qualquer coisa de criminoso”, frisou o presidente da República.

O tema da visita desta quarta-feira a uma escola portuense tinha a ver com o dia mundial da língua portuguesam mas o verdadeiro tema da semana — o que domina a agenda pública desde que o Governo impôs uma cerca sanitária a duas freguesias de Odemira em que, assumiu, há trabalhadores estrangeiros a viver em situações de “insalubridade habitacional inadmissível” — era inevitável. E Marcelo levava resposta pronta.

Desde logo, o Presidente quis defender a ideia de que há “lições” a retirar da situação de Odemira, embora as notícias sobre a situação em que os trabalhadores se encontram não sejam propriamente novas, como também reconheceu. Por um lado, é preciso perceber se há ilegalidades e crimes envolvidos, explicou: “Não é apenas explorar a mão de obra, é tratá-la em termos humanos, com a dignidade que vem na Constituição, para os portugueses e os que vivem em Portugal”.

Outra lição, reforçou, aproveitando para atacar quem critica os imigrantes, passa por perceber a importância destes “para a economia e a sociedade portuguesa”. “De vez em quando ouvimos umas vozes muito contra os imigrantes; ora o que se veio a descobrir — e já sabíamos — é que há milhares e milhares de imigrantes que estão a contribuir para a economia portuguesa”, sejam legalizados ou clandestinos.

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Mais claro ainda: o Presidente, que dedicou o seu discurso do 25 de abril, há dias, a pacificar as tensões na sociedade portuguesa, naquele caso entre versões da História, quis desta vez defender os imigrantes — ““É muito bonito dizer-se que imigrantes não, e depois descobrir-se que imigrantes sim, quando dão jeito para trabalhar a fazer o que os portugueses não fazem, mas já não dão jeito para terem os direitos que lhes deviam corresponder” — sem esquecer os portugueses que passam dificuldades.

Por isso, o Presidente fez questão de frisar que em Portugal há dois milhões de pobres e que encarar o problema da pobreza deve ser prioritário —  o que faz da reconstrução social, sublinhou, uma prioridade ainda mais importante do que a reconstrução económica, quando o país recuperar da pandemia que veio pôr a nu uma série de “fragilidades”.

Outra das tensões que o caso veio trazer tem a ver com a polémica requisição civil do Governo das instalações do empreendimento “Zmar – Eco Experience”, no concelho de Odemira, que indignou os seus proprietários. Aqui, Marcelo tentou o equilíbrio, defendendo que é preciso manter “a preocupação com a saúde pública” ao mesmo tempo que “respeitando a situação de entidades, pessoas ou famílias que porventura habitem a área que ou vem a ser requisitada ou objeto de acordo”. “É um processo que tem vindo a mudar e a ser elaborado ao longo do tempo”.

Questionado pelos jornalistas, o Presidente aproveitou ainda para esclarecer a notícia de que há dias, quando o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, foi impedido das instalações do resort depois de lá ter entrado, Marcelo teria servido de desbloqueador. E confirmou-o: “O bastonário comunicou-me, quando ia a caminho, a hipótese de não ser possível exercer direitos estatutariamente reconhecidos. Isso foi apurado e a presidência da República limitou-se a esclarecer que tinha havido uma confusão e que não estava em causa o exercício desse direito”, defendeu Marcelo, no papel de presidente-jurista. Sem polémicas, assegurou: “Não foi dramático nem inesperado, pareceu-me evidente a mim e a todos os que intervieram neste processo”.

Um problema de imigração antigo e uma requisição polémica. Seis respostas sobre o que se passa em Odemira

A situação dos imigrantes no Alentejo entrou na agenda pública e mediática depois de, no final de abril, o Governo ter decretado uma cerca sanitária em duas freguesias específicas do concelho de Odemira (São Teotónio e Longueira/Almograve) por ter detectado que o número de casos de covid-19 naquelas freguesias fazia disparar a média do concelho para 562 casos por 100 mil habitantes, apesar de as freguesias vizinhas terem números baixos. A situação dever-se-ia, explicava então António Costa, a um problema específico de contágio entre os trabalhadores agrícolas estrangeiros, que o primeiro-ministro apontava viverem em condições de “insalubridade habitacional admissível, com hipersobrelotação das habitações”.

O primeiro-ministro disse querer “quebrar essa sobrelotação”, que representa uma “uma violação gritante dos direitos humanos”, tendo o Governo garantido estar a fazer um “levantamento” das necessidades habitacionais e das situações de sobrelotação.