A NASA considera que “a China não está a cumprir os padrões responsáveis em relação aos destroços espaciais” devido ao foguetão que caiu no oceano Índico, perto das Maldivas. Numa declaração do administrador da agência espacial Bill Nelson, após a queda do Long March 5B, a NASA frisou que as nações que fazem este tipo de viagens espaciais “devem minimizar os riscos para as pessoas e para as propriedades”, também para “maximizar a transparência em relação às operações”.

O Long March 5B, o foguetão com 23 toneladas desenvolvido pela China e deixado à deriva em redor do planeta Terra, reentrou na atmosfera e caiu às 3h24 de Portugal Continental nas coordenadas 2.65°N , 72.47°E, que correspondem ao Oceano Índico, mesmo ao lado das Maldivas, disse aquele país.

A notícia foi avançada pela Administração Espacial Nacional da China (CNSA), a agência espacial chinesa, notou o astrónomo Ye Quanzhi, da Universidade de Maryland. Também a Space Track Organization (um projeto da Força Aérea) e a The Aerospace Corporation (uma empresa sem fins lucrativos sediada na Califórnia) confirmaram que “o foguetão caiu”.

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A última confirmação foi a do Comando Espacial dos Estados Unidos. Dois tweets, um desta entidade e outro da Space Track Organization (citando o 18º Esquadrão de Controlo Espacial dos Estados Unidos) afirmam que o Long March 5B reentrou na atmosfera enquanto sobrevoava a Península Arábica às 03h15, vindo a cair “a norte das Maldivas”. Mas o Comando Especial avisa que “desconhece-se se [o foguetão] atingiu terra ou mar”. 

Dois vídeos captados na Jordânia e em Israel sugerem que o Long March 5B continuava a descida desgovernada em direção à Terra às 03h11 de Portugal Continental, mas ter-se-á despenhado pouco depois no mar — a opção mais provável, mas não a única possível. Todos os destroços devem ter caído em pleno Oceano Índico mas, segundo o astrónomo Jonathan McDowell, alguns poderão ter suscitado avistamentos pela população.

Estas são as imagens captadas às 03h11 de Portugal Continental na Jordânia.

Imagens semelhantes foram captadas pouco antes em Haifa, Israel. O foguetão é o ponto luminoso que cruza o céu, enquanto o ponto imóvel trata-se de Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar.

Num primeiro momento, a corporação explicou que “a ausência de novos dados podem indicar que o Long March 5B já reentrou”, tal como previam esta organização e a Space Track. Mas “sem imagens de vídeo confirmadas, uma mensagem de queda ou uma nova série de dados”, não estava em condições de confirmar a reentrada do foguetão.

Os dados a que a The Aerospace Corporation se refere, e que ela utiliza para fazer estimativas, são gerados quando o foguetão passa por “uma coleção de sensores” espalhados pelo planeta. “Saberemos que o Long March 5B se despenhou quando não tiver passado numa série destes sensores seguidos“, descreveu a The Aerospace Corporation num outro tweet.

O foguetão atingiu um perigeu (ponto de uma translação em que o objeto mais se aproxima da Terra) enquanto sobrevoava Camberra, capital da Austrália, por volta das 02h15 de Lisboa e podia ter começado aí a reentrada desgovernada na atmosfera terrestre. Se assim tivesse sido, os destroços teriam caído no Oceano Pacífico e a épica viagem terminaria nas profundezas do mar.

Numa mensagem publicada pouco depois, Jonathan McDowell, da Universidade de Harvard, cita fontes da Força Espacial norte-americana para confirmar que o foguetão terá reentrado na atmosfera pouco depois de sobrevoar Israel e a Jordânia.

Estimativas chegaram a prever que o foguetão cairia em Braga

O 18º Esquadrão de Controlo Espacial dos Estados Unidos tinha previsto a órbita que o Long March 5B deveria cumprir quando efetuasse a reentrada na atmosfera. O trajeto seria entre Costa Rica, Haiti, Península Ibérica (incluindo o norte de Portugal, mais especificamente Braga), Sardenha, Itália, Grécia, Israel, Jordânia, Arábia Saudita, Austrália e Nova Zelândia. O mais provável é que o foguetão caísse em qualquer ponto desta rota.

Os últimos cálculos da The Aerospace Corporation indicavam que o foguetão devia cair no meio do Oceano Pacífico entre as 02h02 e as 06h02 de Lisboa. E a previsão mais recente da Space Track — que chegou a estimar que o foguetão iria cair em Portugal Continental, provavelmente na zona de Braga — dizia que o Long March 5B iria cair no mar Mediterrâneo entre as 02h11 e as 04h11. Acabou por se despenhar no Oceano Índico.

A incerteza continuou muito grande até ao fim da viagem do foguetão. O Long March 5B viajava a uma velocidade aproximada de 28 mil quilómetros por hora, por isso qualquer margem de erro simbolizaria uma previsão totalmente errada sobre o local de impacto dos destroços do foguetão.

Aliás, bastava que as previsões errassem por uma hora para que os detritos acabassem a uma distância de 29 mil quilómetros do ponto estimado. Um erro de 60 segundos simbolizaria uma falha de 467 quilómetros. É por isso que, à medida que novas previsões iam surgindo, os locais estimados mudavam radicalmente e diferiam totalmente entre as organizações que os criavam. No fim, ninguém acertou no sítio onde o Long March 5B caiu.

À medida que o tempo passava, mais certeiras se tornaram estas previsões no que toca ao momento da reentrada porque a margem de erro foi-se estreitando. No entanto, por causa das características do próprio foguetão e da forma como ele se estava a movimentar, não seria possível estabelecer a priori onde é que o primeiro estágio do Long March 5B iria efetivamente cair.

Sites seguiram percurso do foguetão e mostravam onde se cruzava com Portugal

Mesmo assim, a página Stuff in Space, a que pode aceder aqui, acompanhou permanentemente o movimento do Long March 5B. Para utilizar o site bastava utilizar o campo de pesquisa no canto superior esquerdo e procurar por “CZ-5B R/B”, o nome técnico do primeiro estágio do foguetão, para localizar o objeto e acompanhar a sua translação em redor da Terra.

O risco de o aparelho cair em Portugal nunca foi nulo: lançado para o espaço num plano de 41,5º em relação à linha do equador, o Long March 5B poderia cair entre essa latitude no hemisfério norte (sensivelmente onde fica Nova Iorque, Estados Unidos) e a mesma latitude no hemisfério sul (ligeiramente a sul de Sidney, Austrália). Portugal, incluindo Braga e a sul deste distrito, já estava portanto na possível zona de impacto do foguetão.

A página Satflare também monitorizou as passagens do Long March 5B e indicou os momentos aproximados em que a órbita do foguetão cruzaria os céus portugueses. Não precisava de criar uma conta no site: bastava clicar na opção “Enter Without Login”, carregar na palavra “Search” que surge a azul nos campos abaixo das ilustrações e procurar também por “CZ-5B R/B”. Pode fazer este exercício para qualquer objeto artificial na órbita da Terra, como a Estação Espacial Internacional ou o Telescópio Espacial Hubble.

A passagem do primeiro estágio do Long March 5B pelo Paraguai, na cidade de Limpio, foi captada em vídeo e partilhada nas redes sociais do jornal La Nación. Por cá, o foguetão sobrevoou o país por várias vezes, mas não era visível a olho nu. No entanto, chegou a ser visível com condições moderadas a excelentes em grande parte do território nacional na madrugada de sexta-feira para sábado.

Especialistas pedem regulação dos lançamentos espaciais

O Long March 5B foi lançado da China a 29 de abril para deixar em órbita a primeira parte de uma nova estação espacial chinesa — a Tiangong-3. Em vez de ter regressado à Terra, o primeiro estágio do foguetão entrou em órbita, obrigando a um retorno desgovernado ao planeta. A maior parte dele foi destruída durante a reentrada na atmosfera, mas as peças mais resistentes podem ter sobrevivido e chegado a solo.

O mais provável era que os detritos resultantes de reentradas como esta caíssem em pleno oceano, uma vez que o planeta é maioritariamente coberto por água, mas também era possível que atingissem áreas habitadas. Desde 1990 que nenhum objeto tão grande era deixado à deriva no espaço e entrava descontroladamente na Terra. A China sujeitou-se assim a pagar uma indemnização caso os detritos do foguetão provocassem danos — uma obrigação prevista na Convenção de Responsabilidades.

Jonathan McDowell aproveitou a ocasião para criticar a “imprudência” da China ao deixar o foguetão em órbita da Terra — tal como já havia feito com um modelo igual há um ano. “Uma reentrada no oceano sempre foi estatisticamente a mais provável. Parece que a China ganhou a aposta (a menos que recebamos notícias de destroços nas Maldivas). Mas mesmo assim foi imprudente”, escreveu no Twitter.

Também Luc Riesbeck, analista de política espacial, defendeu nas redes sociais que “as entidades lançadoras de todos os tipos devem esforçar-se por uma norma responsável para reentradas controladas”: “Nós vimos muito pânico e luta por fontes oficiais de informação por parte do público esta noite”, notou.