São muitas as canções americanas, em especial de “folk” e de “country & western”, sobre as dificuldades e as agruras de se ser agricultor. Jacob Yi (Steven Yuen), o chefe da família coreano-americana protagonista de “Minari”, escrito e realizado por Lee Isaac Chung, nunca deve ter ouvido nenhuma, tal a esperança e a confiança de que está armado, ao deixar uma grande cidade dos EUA para se instalar, nos anos 80, com a mulher, Monica (Yeri Han), e os dois filhos, David (Alan S. Kim), de seis anos, e a adolescente Anne (Noel Choe), numa quinta do Arkansas, onde pensa prosperar a cultivar vegetais (em especial alfaces) para vender aos mercados e restaurantes de outros coreanos.

[Veja o “trailer” de “Minari”:]

A família é que não está lá muito pelos ajustes. Sobretudo a mulher, que não vê com bons olhos ter que morar durante algum tempo numa casa improvisada, empoleirada em pneus e blocos de cimento, numa região onde há tornados, onde os outros coreanos lá instalados não são cristãos e não dão importância à fé como ela (“Saímos da Coreia do Sul para fugir à religião”, diz-lhe uma colega de trabalho) e os locais, embora simpáticos, são naturalmente reservados e tendem a não se misturar com estranhos. Já a sossegada Anne adapta-se melhor e o pequeno David depara com muito espaço para brincar e correr. Só que tem um sopro no coração e não se pode cansar, e a frase que mais ouve todos os dias é: “David, não corras!”. Ora bolas para a vida ao ar livre.

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[Veja uma entrevista com Lee Isaac Chung:]

“Minari” é um filme com uma forte carga autobiográfica (David é o “alter ego” de Lee Isaac Chung), que foi buscar o título a uma erva aromática coreana com uso culinário e medicinal, trazida para a quinta pela avó materna, Soonja (a formidável veterana Yuh-Jung Soon, que ganhou com todo o mérito o Óscar de Melhor Atriz Secundária), que chega da Coreia para ajudar a família. A interação entre ela e David dá para todo um gostoso subenredo de “Minari”, porque Soonja é uma avó fora do vulgar: não sabe cozinhar nem fazer bolos e bolachas, joga à batota e pragueja, usa roupa interior de homem, empolga-se com a luta-livre na televisão e troça do neto por ele fazer chichi na cama. “Não és uma avó a sério!”, atira-lhe o menino a certa altura.

[Veja uma conversa com o realizador e o elenco:]

A “minari” que a avó planta, esperando que a erva vingue tão longe da Coreia do Sul, serve de metáfora para a adaptação da família às novas paragens e a um exigente modo de vida, ecoando também a esperança de Jacob de prosperar como agricultor. “Minari” é um filme tão modesto (custou a ninharia de dois milhões de dólares) como caloroso, fino e afetuoso no seu retrato das dinâmicas, dos laços e das tensões internas de uma família que procura fazer pela vida numa terra distante, face a uma meteorologia inconstante, uma natureza ingrata e um isolamento difícil de suportar. E que ameaçam, a certa altura, destruir a união dos Yi pelo lado mais renitente: o da mãe, farta de uma quinta que parece nunca mais render, e de ver o marido pôr a quinta antes da família.

[Veja uma sequência do filme:]

Apoiado no seu pequeno e irrepreensível grupo de atores (destaque ainda para Will Patton no vizinho prestável e excêntrico até na religiosidade), filmando com uma câmara discreta e atenta, dispensando sentimentalismos e o recurso aos papões do racismo ou da xenofobia, e doseando na medida certa o doce da comédia e o amargo do drama, Lee Isaac Chung consegue aqui um filme à parte, em que, no final, primeiro o fogo e a seguir a água, vão contribuir para que a família Yi ganhe um novo alento, para que avó e neto finalmente se encontrem, e para que David possa enfim correr à vontade, e na altura certa. “Minari” é também, com os seus espaços abertos, vastos campos cultivados e horizontes a perder de vista, o filme ideal para deleitar os olhos após tanto tempo de confinamento.