Depois de ser aprovada uma recomendação para a discussão pública sobre o destino dos terrenos da antiga estação ferroviária da Boavista, onde está prevista a construção do El Corte Inglés, a Câmara Municipal do Porto vai ouvir esta segunda-feira um grupo de cidadãos que é contra o avanço deste projeto, na reunião do executivo e na Assembleia Municipal. O Movimento por um jardim ferroviário na Boavista diz esperar que o debate público seja “verdadeiramente participativo, inclusivo, transparente e consequente”.

“Esta tem sido uma das nossas grandes lutas. Queremos que as pessoas sejam ouvidas, que a sua voz tenha peso e que este processo seja realmente participativo, ou seja, com um convite efetivo à participação das pessoas e que depois tenha consequências, qualquer que seja o resultado dessa consulta. E, junto com isso, temos pedido também muita transparência neste processo”, explica ao Observador Sofia Maia, porta-voz deste movimento de cidadãos, formado no final de 2019 para defender a criação de um espaço verde nos terrenos da antiga estação ferroviária.

Movimento pede inviabilização do projeto do El Corte Inglés para a Boavista no Porto

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O Movimento refere, em comunicado, que vai interpelar o executivo da Câmara Municipal do Porto sobre os planos para o arranque deste processo de consulta pública, defendendo que é necessário oferecer à população “mecanismos fáceis e acessíveis para deixarem a sua opinião”, bem como “prazos adequados para a participação” e a condução do processo “por uma pessoa ou entidade independente”, sendo “o mais representativo possível, ouvindo residentes, trabalhadores, estudantes, comerciantes, coletivos e crianças”.

Segundo este grupo de cidadãos — que no ano passado criou uma petição com mais de 10 mil assinaturas em defesa de um jardim público nesta zona da Boavista –, a construção de um centro comercial nestes terrenos pode trazer vários impactos. “Significaria, em primeiro lugar, a perda da estação, a primeira no Porto e que merece ser preservada e reutilizada”, refere Hugo Pereira, outro porta-voz do Movimento.

Questionamos também a relevância de mais um centro comercial, exatamente neste polo da cidade, que tem pelo menos três grandes centros comerciais e vários pequenos e médios e que estão todos em estado de semi-abandono. Do ponto de vista de desenvolvimento económico e do desenvolvimento que queremos para a nossa cidade, que mais valia é que este centro comercial nos pode trazer?”, questiona ainda Sofia Maia.

Além de um armazém comercial, está ainda previsto para estes terrenos a instalação de um hotel e de um edifício de habitação, comércio e serviços. O Movimento questiona ainda o impacto do projeto a nível do comércio local na Boavista e do tráfego na zona: “Já está identificada como uma das zonas de maior impacto do ponto de vista de tráfego rodoviário e um grande centro comercial e uma grande unidade hoteleira vão com certeza tornar esta zona muito mais congestionada. Esta é uma grande preocupação”, alerta a porta-voz, acrescentando que ao longo dos mais de 20 anos em que este processo está a decorrer o quarteirão destes terrenos “transformou-se num quarteirão absolutamente degradado e desvalorizado”.

Os episódios de uma história com mais de 20 anos

Sobre o terreno da antiga estação ferroviária da Boavista pende um contrato celebrado entre a cadeia espanhola e a ex-Refer (empresa pública entretanto integrada na Infraestruturas de Portugal), datado do ano de 2000 e que prevê a opção de compra sobre aquele imóvel. De acordo com o presidente da IP, o contrato promessa para a construção de um centro comercial prevê que o El Corte Inglés pague à ex-Refer 20,82 milhões de euros por 27 mil metros quadrados de terreno, dos quais já pagou 19,97 milhões.

A 2 de outubro de 2020, a Câmara Municipal do Porto confirmou à agência Lusa que o Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado pelo El Corte Inglés para estes terrenos teve parecer favorável, com “a indicação das várias condições que deverão ser cumpridas no âmbito de um pedido de licenciamento da operação de loteamento”.

O movimento por um jardim na Boavista defendeu a inviabilização deste despacho, uma vez que considera que é “inconveniente” para o interesse público, criticando o pagamento de uma compensação pela não cedência “de 24.835 metros quadrados para área verde e equipamento público”. “E, porque razão foi aprovado o PIP do El Corte Inglés em outubro de 2020 quando ainda estavam a decorrer e não se conheciam na altura os resultados dos estudos sobre o impacto desta construção no tráfego rodoviário na Boavista e a apreciação do pedido de classificação municipal do edifício da antiga estação?”, questiona ainda o grupo de cidadãos, acrescentando que estes serão tópicos abordados na reunião pública da Câmara.

Para nós, sobretudo para quem vive nesta zona da Boavista, parece muito óbvio: a cidade e o centro da Boavista estão despidos de áreas verdes. Reclamamos esta necessidade e o direito a um espaço verde, a uma distância a pé de 15 minutos. E quem vive nesta zona não tem isso. Existe a Rotunda da Boavista, que é rodeada de carros e de trânsito, mas não é um espaço verde de qualidade”, argumenta Sofia Maia.

O grupo critica ainda o facto da autarquia ter indeferido o pedido de classificação da antiga estação ferroviária da Boavista como imóvel de interesse municipal, por considerar que não estão cumpridos os critérios legais para a abertura do procedimento. “O edifício é da primeira estação ferroviária do Porto. Estamos a falar da tecnologia mais revolucionária que o Homem alguma vez fez na Terra e que tem aqui um exemplo perfeito da sua aplicação, com a primeira estação de uma das principais cidades do país. Mas isto não é suficiente para que a Câmara Municipal do Porto entenda que a sua classificação é justificada”, refere Hugo Pereira.

Câmara do Porto rejeita classificar estação da Boavista onde Corte Inglés quer construir

A 24 de março, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ouvido na Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, afirmou que “o Estado não vai rescindir” o contrato entre a Infraestruturas de Portugal (IP) e o ECL que prevê a compra dos terrenos, salientando que não cabe ao Governo decidir se “aquele terreno é para um centro comercial ou não”.

Em abril deste ano, a Assembleia Municipal do Porto aprovou uma recomendação do PAN para que a autarquia promova a discussão pública sobre o destino dos terrenos da antiga estação ferroviária da Boavista. A proposta contou com o voto contra do grupo “Rui Moreira: Porto, O Nosso Partido”.