O Banco Espírito Santo (BES) tinha nas suas contas um valor “empolado” para a BES Vida até 2014, seguradora que depois da resolução do banco se passou a chamar GNB Vida e que acabou por ser vendida a uma fração desse valor, impondo perdas de 268 milhões compensadas pelo Fundo de Resolução. Quem o diz é Paulo Vasconcelos, que a convite de Eduardo Stock da Cunha liderou a seguradora GNB Vida até à sua venda – o responsável lembra que quem fazia a avaliação da BES Vida para o BES era o banco de investimento do grupo, ou seja, essa avaliação “vale o que vale“.

A reflexão foi feita durante a audição de Paulo Vasconcelos na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco. Esta é uma seguradora que acabou por ser vendida por 123 milhões de euros mais uma componente variável que pode ir até 125 milhões de euros adicionais (mas também pode vir a ser zero, dependendo do volume de vendas de produtos de seguro, como o responsável também admitiu nesta sessão parlamentar).

Nesta sessão foi também revelado, pelo deputado do PSD Hugo Carneiro, que o comprador fez uma reclamação e pediu 14,3 milhões de volta ao Novo Banco por considerar que houve “informações erradas” dadas no momento da venda. Segundo o deputado, terá pedido ao Fundo de Resolução para ressarcir os compradores pelo valor em causa, que assim subtraiu aos 123 milhões já pagos.

A esse respeito, Paulo Vasconcelos comentou que folgava “em saber que só ajustaram 14 milhões” porque estavam em causa até 28 milhões em ativos por impostos diferidos (DTA, na sigla anglosaxónica por que estes ativos são mais conhecidos) que geraram um diferendo que o gestor considerava “injusto”. Sendo esse ressarcimento já posterior à saída de Vasconcelos, que abandonou a empresa no momento da venda, o gestor garantiu, porém, que nunca houve “intenção” de prestar informações erradas ao comprador.

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O dividendo de 600 milhões pago ao BES de Ricardo Salgado, em 2013

Seja como for, o valor final da venda contrasta com mais de 600 milhões de euros a que a seguradora estava avaliada nas contas do BES, valor que se manteve inalterado com a resolução. E só no momento da venda se gerou a imparidade que teve de ser compensada pelo Fundo de Resolução, organismo público que é alimentado por contribuições dos bancos mas tem vivido nos últimos anos sobretudo com empréstimos anuais dos contribuintes, a longo prazo.

Para Paulo Vasconcelos, essa discrepância tem de ser vista à luz de vários fatores de mercado, como a evolução das taxas de juro, mas também um fator crucial que é o pagamento de dividendos à casa-mãe. E, aí, recordou que em 2013 a se seguradora desfez de uma grande quantidade de títulos de dívida pública (recorde-se que foi a era do regresso aos mercados, em que a dívida pública portuguesa passou a gozar de melhor perceção de risco). Eram títulos que rendiam 6% ou mesmo 7% anualmente, à seguradora.

Essa venda foi como uma “antecipação” de resultados dos anos seguintes, porque os títulos, uma vez vendidos, deixavam de dar rentabilidade à companhia nos anos seguintes. E o que se fez com essa mais-valia que terá ascendido a 600 milhões de euros, em 2013? Pagou-se um dividendo à casa-mãe, ao BES, recordou Paulo Vasconcelos, sustentando que há que olhar para a evolução do valor da companhia à luz desse facto.

A partir daí, vieram os prejuízos: a companhia passou a ter uma carteira de investimentos com rentabilidades cada vez menores, de 1% ou pouco mais (também uma fase em que as taxas de juro caíram muito, o que se mantém) e a ter de continuar a entregar aos clientes rentabilidades médias de 5% ou 6%. Esse fator contribuiu para que a empresa perdesse cada vez mais valor, à medida que o tempo passava – sendo que se trata de uma seguradora sem autonomia, que apenas vivia da distribuição de produtos através do canal bancário (BES e, depois, Novo Banco).

Por outro lado, explicou o responsável, “o valor que vinha do passado estava sobrevalorizado porque estava indexado a um volume de vendas que nunca se veio a concretizar” – caberia ao banco cumprir esses ambiciosos objetivos nomeadamente quando vendesse seguros associados aos créditos à habitação que concedesse aos clientes.

Novo Banco. O negócio da GNB Vida e o magnata que espiava as namoradas

Paulo Vasconcelos, que falou por videoconferência a partir de Lima, Peru, acrescentou que estes fatores ajudam a explicar porque é que a empresa foi vendida a um preço tão abaixo daquele a que estava registado. Mas não foi o único: “Se a venda foi ou não mal feita, não sei dizer”, porque “era administrador, esse era um tema dos acionistas”.

Mas comentou: “Quando pomos um ativo à venda, quando temos uma data-limite para a venda e temos um mercado restrito isso coloca quem está a vender numa posição de desvantagem”, sobretudo quando se está a vender uma “companhia que trabalha em exclusivo para um canal bancário” e que, por essa razão, “nunca devia ser posta no mercado” porque “a companhia para o comprador vale sempre menos do que valia para o banco”.

A única alternativa seria não vender. Não havendo alternativa à venda, tinha de se vender àquele preço”, notou.

A seguradora esteve em 2018 para ser vendida a um magnata norte-americano, Greg Lindberg, por 190 milhões. Mas esse comprador acabou por ter problemas com a Justiça dos EUA, envolvendo suspeitas de corrupção, o que suspendeu o processo de venda que estava em curso.

Todos estes fatores empurravam o valor da empresa para baixo. Havia um comprador, depois desapareceu, os que sobram tentam sempre comprar mais barato. Quando há uma obrigação de fazer uma venda torna-se mais difícil. Cada candidato que sai, cada notícia que surge, vai-se desvalorizando o ativo”, afirmou.

Mas a venda acabaria por avançar, sendo o comprador o fundo Apax Partners. A venda terá, segundo o jornal Público, gerado uma queixa apresentada à ESMA (Autoridade Europeia de Mercados e Títulos) que lançava suspeitas pelo facto de ter sido inscrito no relatório do primeiro semestre de 2019 do Novo Banco um valor de 391,2 milhões de euros, um cálculo já ajustado às reavaliações do ativo que, na altura, cumpria os rácios de capital e de solidez.

Desmentindo a notícia do Público, o Novo Banco garantiu que “o preço final da transação foi o melhor e resultou de um processo organizado de venda, competitivo e transparente, com o acordo do Fundo de Resolução, em que o comprador obteve idoneidade por parte da ASF”.