Um anúncio que durou pouco. A Câmara Municipal de Lisboa escolheu como rosto do podcast sobre “atividade municipal” Fernando Alvim. O contrato foi assinado com uma duração prevista de 283 dias e um custo que ultrapassa os 20 mil euros — tendo cada episódio um custo de 350 euros (mais IVA) — mas durou apenas dois dias, depois de anunciado publicamente pela Câmara Municipal de Lisboa. A associação entre a realização do podcast e as eleições autárquicas deste ano foi imediata e depois do coro de críticas sobre o dinheiro gasto em época pré-eleitoral, Fernando Alvim anunciou que ficaria suspenso até depois das eleições. Ao Observador, a autarquia confirma que foram gravados dois episódios do podcast, mas que o apresentador não quer receber o valor correspondente.

Na última quarta-feira, através do Twitter, a autarquia publicou um vídeo para tornar público o novo podcast onde pretendia “revelar, de uma forma descontraída, o que de melhor aconteceu nos últimos dias na cidade e mostrar o que aí vem”. Pedia aos utilizadores da rede social que “ficassem atentos”. E foi isso mesmo que aconteceu, essencialmente na esfera política. Atenção àquilo que consideraram ser uso de dinheiros públicos para promover o atual executivo da autarquia, a poucos meses da ida às urnas.

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O deputado social-democrata Duarte Marques foi um dos primeiros a mostrar a indignação perante a iniciativa da autarquia que acusou de “gozar com os portugueses e em particular com os lisboetas”, mas as críticas mais acesas chegariam poucos minutos depois, pela rede social do adversário de Medina na corrida à autarquia Lisboeta, Carlos Moedas.

Diz Carlos Moedas que “usar dinheiros públicos para a candidatura de Fernando Medina à câmara de Lisboa é um abuso que deve ser denunciado”. E a declaração de Moedas foi uma das que mais pesou na decisão do apresentador e humorista suspender o podcast.

As associações entre o podcast e a instrumentalização em tempos de pré-campanha eleitoral foram inúmeras, com os utilizadores das redes sociais a questionarem a opção do apresentador, Fernando Alvim, que no dia seguinte publicou um comunicado sobre o assunto.

Visando diretamente a apreciação feita por Carlos Moedas sobre o podcast, que diz ter “lançado a suspeição sobre um trabalho” que “tem por fim falar sobre a cidade, medir-lhe o pulso e revelar” o que se pode fazer em Lisboa, Alvim afirma que “em nenhum momento se falou da participação do presidente Fernando Medina nem de qualquer campanha eleitoral”.

Publicação de Fernando Alvim no Facebook

Alvim diz que nem quando fez o contrato nem quando aceitou o convite se falou na participação de Medina ou “rigorosamente nada que o pudesse sugerir” e que “em nenhum momento” lhe foi sugerido “um apoio público a Fernando Medina”.

Os comentários e as notícias que saíram, davam conta de um negócio chorudo em que ao abrigo de um apoio público a Fernando Medina eu aceitaria fazer este podcast. Vale o que vale: mas em nenhum momento me foi falado em tal coisa e se ouvirem a emissão perceberão que estamos longe de um panfleto publicitário – aliás, foi desde cedo a nossa preocupação – fazermos um podcast isento, independente, livre e que falasse sem quaisquer condicionalismos sobre Lisboa e sobre quem a vive de todas as formas”, escreve o apresentador e humorista.

Para já, a garantia é que o podcast ficará suspenso até à realização das eleições autárquicas. “Percebendo agora que há pessoas que veem uma conotação política neste gesto e não querendo de todo contribuir para que alguma dúvida exista sobre isto, suspendo a minha participação neste programa até às eleições de outubro”, dá conta Alvim, mas não descarta poder realizá-lo mais tarde: “Pretendo se assim for possível, retomá-lo, da forma livre como o havíamos idealizado e independentemente do presidente x ou y”.

Roberta Medina foi a convidada da única edição do podcast

Num episódio de 23 minutos, com Roberta Medina, Fernando Alvim deu as boas-vindas à “Nova Lisboa”, o nome que tinha sido escolhido para o podcast, que devia ser emitido à quinta-feira, a cada 15 dias.

A entrevista foi realizada no Parque da Bela Vista, em Lisboa, espaço onde é realizado o Rock in Rio, com Fernando Alvim a confessar que “nunca tinha estado no parque” fora da realização do festival de música, com Roberta Medina a tecer elogios ao parque e às vertentes que tem além dos elogios à cidade de Lisboa. “Nos últimos anos estamos a assistir a uma grande mudança em Marvila”, diz Roberta Medina enquanto enaltece as potencialidades “da maior freguesia de Lisboa”.

Alvim visita ainda a oficina “Ripas“, que resulta da colaboração entre o município, a Junta de Freguesia da Ajuda e a Oficina Monstros — Associação de Artes e Ofícios, e convida quem está a ouvir o podcast a visitar o espaço. O apresentador dá depois palco a Gertrudes Dias, uma mulher na construção civil, que é conhecida por ser uma das poucas na área, onde se dedica a estucar as paredes depois de ter passado pelas cozinhas, enquanto cozinheira. O festival Jardins Abertos foi a sugestão da primeira edição do podcast Nova Lisboa, uma iniciativa organizada com o apoio da autarquia, que teve início em 2017. Antes de fechar a edição, Alvim explica ainda que o Castelo de São Jorge foi alvo de “melhorias” para o tornar mais acessível, algo possível durante o confinamento e o encerramento dos espaços ao público.

No ar ficou o aperitivo para o convidado do segundo episódio, Salvador Sobral, que venceu a Eurovisão em 2017. Certo é que não será emitido antes da realização das eleições, no mínimo, confirmou fonte da autarquia ao Observador.