Quando o jogo de Portugal contra França terminou, o destino da Seleção Nacional ficou delineado. O próximo destino seria Sevilha, o que antecipava desde logo uma enchente de adeptos portugueses na cidade espanhola. Ultrapassada a fase de grupos, alcançada a fase a eliminar, desenhou-se uma nova quadra de incentivo — diferente da do Euro 2016 e criada especialmente para o confronto dos oitavos de final contra a Bélgica.

Não jogam nada,
É só choradeira,
Chora o Lukaku, chora o Hazard, 
Chora a Bélgica inteira.

Ficha de jogo

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Bélgica-Portugal, 1-0

Oitavos de final do Euro 2020

Estádio de la Cartuja, em Sevilha (Espanha)

Árbitro: Felix Brych (Alemanha)

Bélgica: Courtois, Alderweireld, Vertonghen, Vermaelen, Meunier, Witsel, Tielemans, Thorgan Hazard (Dendoncker, 90+5′), Eden Hazard (Yannick Carrasco, 87′), Kevin De Bruyne (Mertens, 48′), Lukaku

Suplentes não utilizados: Mignolet, Sels, Boyata, Denayer, Benteke, Batshuayi, Trossard, Doku, Praet

Treinador: Roberto Martínez

Portugal: Rui Patrício, Diogo Dalot, Pepe, Rúben Dias, Raphael Guerreiro, João Moutinho (João Félix, 55′), João Palhinha (Danilo, 78′), Renato Sanches (Sérgio Oliveira, 78′), Bernardo Silva (Bruno Fernandes, 55′), Cristiano Ronaldo, Diogo Jota (André Silva, 70′)

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, Rui Silva, Nélson Semedo, José Fonte, Nuno Mendes, Rúben Neves, Pedro Gonçalves

Treinador: Fernando Santos

Golos: Thorgan Hazard (42′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Palhinha (45′), a Diogo Dalot (51′), a Vermaelen (72′), a Pepe (77′), a Alderweireld (81′)

O cântico ouviu-se e repetiu-se na Plaza de San Francisco, uma das zonas do centro de Sevilha que concentrou mais portugueses, bem perto da Catedral. Os adeptos da Seleção Nacional espalharam-se pelas esplanadas de vários bares, entre grupos que agregavam várias mesas, e entoaram a quadra sempre que os belgas, equipados a rigor, atravessaram a praça. Esses, porém, limitavam-se a rir e a filmar com os telemóveis, demonstrando um fairplay acima da média que acabou por garantir que a tarde decorresse sem conflitos ou episódios de pior memória.

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Ora, dentro de campo, Portugal defrontava a Bélgica este domingo, no Estádio de la Cartuja, e procurava carimbar o passaporte para os quartos de final do Europeu — onde já sabia que iria defrontar a Itália, que eliminou a Áustria, em Munique. Quanto ao onze, Fernando Santos fazia duas alterações: trocava Danilo, que protagonizou o choque violento com Lloris contra França, por João Palhinha, que entrou muito bem contra os franceses, e ainda Nélson Semedo, que saiu totalmente esgotado fisicamente dessa partida, por Diogo Dalot. Renato Sanches voltava a ser titular, assim como João Moutinho, Bruno Fernandes voltava a começar no banco e William (titular nos dois primeiros jogos), Rafa e Gonçalo Guedes formavam o trio que ficava de fora dos 23. Do outro lado e sem Chadli, que se lesionou e nem sequer viajou com o resto da comitiva para Espanha, Roberto Martínez lançava Eden Hazard no onze, com Tielemans, Witsel, De Bruyne e Lukaku, e Yannick Carrasco era suplente.

Os primeiros minutos da primeira parte permitiram perceber, desde logo, a dinâmica predominante da partida: a Bélgica teve a posse de bola durante largos minutos depois do apito inicial, Portugal teve a posse de bola durante largos minutos depois de a conquistar. As duas equipas procuravam construir a partir de trás e ambas apostavam na largura dos corredores, sendo que os portugueses exploravam principalmente a velocidade de Ronaldo, Jota ou Bernardo e os belgas tentavam encontrar as arrancadas de Thorgan Hazard e Meunier. A Seleção Nacional defendia de forma semelhante à forma como o fez contra França — e depois da má experiência contra a Alemanha –, com Bernardo e Jota a recuarem nas alas para realizarem as compensações a Dalot e Guerreiro, respetivamente. Ainda assim, ficava a ideia de que Meunier tinha sempre mais espaço para progredir e receber bolas, no lado direito do ataque da Bélgica, e João Palhinha acabava por apoiar também o movimento ofensivo naquela zona do terreno.

Do outro lado, a Bélgica atacava com Lukaku a cair na direita e Eden Hazard na esquerda, sendo que De Bruyne servia de elo de ligação ao meio-campo e procurava servir as investidas dos dois colegas. A equipa de Roberto Martínez teve mais bola nos primeiros minutos, até porque Portugal parecia não demonstrar a agressividade exigida — na linha técnica, Fernando Santos implorava aos jogadores que subissem e encurtassem espaços –, mas a verdade é que as melhores oportunidades foram criadas pela Seleção Nacional. Jota ficou perto de abrir o marcador com um remate ao lado depois de uma arrancada de Renato (6′), o próprio Renato tentou a sorte com um pontapé de longe que também saiu desenquadrado (22′), Ronaldo obrigou Courtois a uma defesa apertada com um livre direto a descair na direita (25′) e Palhinha, finalmente, atirou por cima também de fora de área (27′). A Bélgica explorava principalmente a largura dos corredores e a profundidade mas o lance mais perigoso que criou, neste período, foi um remate por cima de Hazard depois de Lukaku ganhar posição de costas para a baliza (10′).

Com a aproximação do intervalo, ambas as equipas perderam alguma capacidade de pressão e Portugal conseguiu estender o jogo e espaçar os setores, adiantando-se no terreno e discutindo de outra forma a partida. As consequências desse alargamento do relvado verificaram-se junto às duas balizas: Meunier atirou uma trivela ao lado depois de combinar com De Bruyne e fugir à marcação de Jota e Palhinha (37′), Dalot ficou perto de marcar depois de um passe longo vindo de trás (39′). O golo, o único da primeira parte, acabou por surgir numa altura em que ambos os conjuntos já pensavam no intervalo. Numa jogada de insistência da Bélgica, Meunier voltou a ter muito espaço para entrar em zonas interiores e descobriu Thorgan Hazard na esquerda; o jogador do Borussia Dortmund, sem grande pressão e de fora de área, atirou cruzado e certeiro para a baliza, num lance em que Rui Patrício parece ser mal batido (42′). Na primeira oportunidade que construíram e no primeiro remate enquadrado que alcançaram, os belgas abriram o marcador.

Portugal desceu ao balneário a perder, depois de sofrer um balde de água fria nos últimos minutos da primeira parte e com a segunda para dar a volta ao resultado e evitar a eliminação do Euro 2020. De forma claramente positiva, iam-se destacando as exibições de Renato Sanches, que continuava a carregar a equipa para a frente com os duelos que ganhava e os passes verticais, e ainda João Palhinha, que era eficaz nas compensações defensivas mas também aparecia no ataque, encerrando o primeiro tempo com três remates realizados. Do outro lado, a par do óbvio Thorgan Hazard, sublinhava-se a prestação de Witsel, sempre ligado ao jogo e com enorme preponderância no meio-campo belga.

Nenhum dos treinadores mexeu ao intervalo mas Roberto Martínez foi forçado a mexer logo nos primeiros minutos da segunda parte: Kevin De Bruyne, que já tinha tido problemas físicos durante o primeiro tempo, não conseguiu permanecer em campo e foi substituído por Mertens. De forma natural, foi Portugal quem pegou na bola depois do intervalo, procurando de imediato chegar ao empate e relançar a eliminatória. A Bélgica conformava-se com esse contexto e tentava defender com os setores juntos e sempre com uma pressão muito intensa, explorando sempre a velocidade de Lukaku na frente na altura do contra-ataque.

Com 10 minutos volvidos na segunda parte e ainda sem que a Seleção tivesse criado uma oportunidade para empatar, Fernando Santos não esperou mais e fez uma dupla alteração: saíram João Moutinho e Bernardo Silva, entraram João Félix e Bruno Fernandes. O jogador do Atl. Madrid, que se estreou no Euro 2020, foi naturalmente para o lado direito do ataque, enquanto que o médio do Manchester United entrou diretamente para o meio-campo. A presença de Bruno Fernandes em zonas interiores fez-se desde logo sentir, com o jogador a combinar de forma perfeita com Ronaldo na direita para o capitão português, de seguida, colocar em Jota na grande área; o avançado do Liverpool recebeu bem mas atirou por cima (58′). Neste período, Portugal não deixava a Bélgica sair de forma apoiada ou em transição ofensiva — até porque Pepe ia realizando uma exibição enorme através da tarefa de parar Lukaku — e era capaz de recuperar a bola em zona adiantada, concentrando a partida no meio-campo adversário.

A cerca de 20 minutos do fim e já depois de tanto Bruno Fernandes (61′) como Lukaku (63′) terem rematado por cima da baliza, Fernando Santos voltou a mexer e tirou Diogo Jota para lançar André Silva. Portugal continuava com o controlo do jogo, sem permitir que a Bélgica saísse em contra-ataque, mas tinha algumas dificuldades para penetrar no último terço adversário, que estava escudado por linhas compactas. O selecionador nacional fez outras duas alterações a menos de um quarto de hora do apito final, lançando Danilo e Sérgio Oliveira para procurar refrescar o meio-campo e a forma como a Seleção construía as jogadas — e até para colocar algum gelo no encontro, que começava nessa altura a entrar numa fase algo anárquica, entre várias faltas mais duras, muita contestação dos adeptos ao árbitro e até algumas discussões entre jogadores das duas seleções.

Portugal teve uma enorme oportunidade para empatar, com um cabeceamento de Rúben Dias na sequência de um canto na direita (82′), mas a bola saiu à figura de Courtois e o guarda-redes do Real Madrid conseguiu evitar o golo. A Seleção ia apertando, até porque o relógio continuava a andar, e Raphael Guerreiro acertou em cheio no poste com um remate cruzado na esquerda (83′). Yannick Carrasco ainda entrou para o lugar do esgotado Eden Hazard, a Seleção tentou tudo para chegar ao empate, Felix Brych deu cinco minutos de tempo adicional e João Félix teve uma última oportunidade que passou ao lado (90+5′) — no fim, nada foi suficiente.

A Seleção Nacional, campeã europeia em título, foi eliminada pela Bélgica com um golo no único remate enquadrado sofrido e não passou dos oitavos de final do Euro 2020. Na segunda parte, principalmente, tentou tudo: mas tudo saiu ao lado, por cima, ao poste e para fora, numa noite em que a sorte não esteve do lado dos audazes. Esta equipa, de uma forma global, tinha qualidade, talento, força e experiência de sobra para construir uma era sem par no futebol português. No final, não conseguiu fugir à ideia de que o que aconteceu em França, em 2016, foi um ato isolado.