Pode um jogo começar nove anos depois? Não. Mas às vezes, sendo impossível, também acontece. Sim, é mesmo assim, este Suécia-Ucrânia começou em 2012 ou não estivessem no Estádio Olímpico de Kiev os dois nomes que iriam decidir através do banco. Nesse encontro também da fase final de um Europeu, os ucranianos estrearam-se na prova com um triunfo por 2-1 diante dos escandinavos com Andriy Shevchenko a contribuir dentro de campo com dois golos e Jan Andersson a ver na bancada os suecos entrarem na competição a perder. Quase uma década depois, por caminhos distintos, ambos são selecionadores. Ambos são antigos avançados e goleadores.

Shevchenko foi um dos melhores avançados mundiais na era que antecedeu a descida à terra dos extraterrestres Cristiano Ronaldo e Messi, que dominaram a última década e meia no futebol. Brilhou no Dínamo Kiev, tornou-se uma máquina no AC Milan, teve depois uma passagem menos conseguida pelo Chelsea, voltou aos rossoneri, acabou no clube de origem. Ao todo, e em pouco mais de 700 encontros oficiais, marcou 343 golos, a que se somaram mais 48 em 111 internacionalizações – e, já agora, uma Bola de Ouro, em 2004. Em 2016, quatro anos depois de ter arrumado as chuteiras, assumiu o comando da seleção na primeira experiência como treinador, qualificou-se para o Mundial e chegou agora aos oitavos do Europeu com condições para avançar ainda mais.

Andersson foi, literalmente, o melhor avançado do bairro. De forma mais concreta de um bairro em Hamlstad onde joga o modesto Alets IK, do quarto escalão sueco, onde marcou 207 golos em 383 jogos. Depois, estudou. Estudou, estudou e estudou entre alguns trabalhos como técnico adjunto, esteve depois cinco temporadas como treinador principal do Halmstads, passou pelo Örgryte IS e conseguiu o impensável com FK Norrköping, levando a equipa a um título que não acontecia há 26 anos com um triunfo decisivo fora contra o Malmö.

Os caminhos podem ser diferentes mas ambos construíram equipas com táticas diferentes, ideias diferentes e estratégias diferentes que têm um ponto comum de tratarem bem a bola. E se o prolongamento foi sobretudo uma zona conturbada sem jogo e muitos azares, os 90 minutos iniciais tornaram-se mais uma jogatana.

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Com a Ucrânia a jogar pela primeira vez com uma linha de três que permitia a Zinchenko soltar-se mais nas ações ofensivas (um pormenor importante mas já lá vamos), a oportunidade inicial do encontro esteve nos pés de Yaremchuk, a rematar para grande defesa de Olsen (10′), antes de Isak mostrar-se pela primeira vez com um tiro ao lado (19′). O jogo estava bom, com mais Suécia entre a capacidade de desdobrar o seu 4x4x2 clássico com e sem bola e a velocidade de execução a colocar a bola no último terço a três toques com bola pelo chão, mas foi a Ucrânia a inaugurar o marcador por Zinchenko (lá está), na sequência de uma variação de jogo de Shaparenko para cruzamento de trivela de Yarmolenko e remate cruzado de pé esquerdo do jogador do City (27′).

O conjunto de Shevchenko estava confortável no encontro e ainda mais ficou com a vantagem, apesar de um bom livre direto de Larsson com o arco por fora da barreira que Buschan desviou para canto (30′). Aquele golo de vantagem para a segunda parte era ouro entre o equilíbrio que se registava mas a Suécia nunca desistiu do empate no primeiro tempo e conseguiu mesmo chegar ao 1-1 pelo inevitável Forsberg, a receber a bola mais por dentro em posição de remate, a arriscar a sorte e a ter a taluda premiada pelo desvio num defesa contrário que acabou por enganar o número 1 ucraniano (43′). O jogo estava bom e recomendava-se. E melhor ficou.

Com as duas equipas a manterem os jogadores, os esquemas e as ideias para a segunda parte, Sydorchuk surgiu numa das raras ocasiões em zona de remate para acertar no poste da baliza de Olsen (55′) mas a resposta não demorou e Forsberg, depois de uma correria sem oposição de Isak, atirou também em jeito ao ferro de Bushchan (59′) antes de uma grande intervenção do guarda-redes a remate de Kulusevski (65′) e de mais um remate de Forsberg a bater desta vez na trave, em mais um momento de pura inspiração do jogador do RB Leipzig (69′). A Suécia foi melhor mas não desfez o empate e acabou por ir para o prolongamento, onde a expulsão de Danielson por uma entrada brutal sobre Besedin colocou a Ucrânia por cima. Mais do que isso, lançou para o campo aquele que viria a ser o herói improvável: Dovbyk apareceu na área para desviar de cabeça um cruzamento de Zinchenko da esquerda e marcar o 2-1 que fechou as contas do encontro nos descontos do prolongamento.

O jogo a três toques

Para recordar

Forsberg praticamente não apareceu em jogo com a Espanha (ainda que tenha estado mais vezes no seu meio-campo em equilíbrios defensivos do que outra coisa), marcou de penálti à Eslováquia num encontro onde Isak foi a principal figura da equipa, bisou diante da Polónia no jogo decisivo para segurar o primeiro lugar do grupo com uma exibição de encher o olho e foi um verdadeiro diabo à solta contra a Ucrânia, marcando o golo do empate em cima do intervalo (o quarto já do Europeu, a um de Ronaldo) e acertando duas vezes no poste no arranque do segundo tempo. Um craque que sabe jogar como ninguém da esquerda para o meio e que promete dar ainda mais ao RB Leipzig – e a André Silva, confirmando-se a saída do Eintracht Frankfurt, porque tendo o sueco, Dani Olmo e Szoboszlai no seu apoio, o avançado tem tudo para marcar ainda mais golos…

Para esquecer

Ponto prévio: não houve maldade no lance nem havia a intenção de ter aquela entrada. Posto isto, a falta de Danielson sobre o recém entrado Besedin apenas com sete minutos do prolongamento foi verdadeiramente arrepiante, cortando primeiro na bola mas atingindo depois o avançado com os pitons no joelho que ainda para torceu logo de imediato. O cartão vermelho saiu apenas depois da intervenção do VAR mas acabou por ser um fator de mudança em todo o encontro quando a Suécia tinha refrescado todo o seu ataque e ia começar o ataque final à baliza da Ucrânia. Já Besedin saiu amparado, sem conseguir pousar a perna. Teme-se uma lesão grave. Era bom que fosse um momento para esquecer mas no caso do avançado parece que vai demorar a esquecer…

Para valorizar

Olsson joga ao lado de elementos mais experientes como Larsson ou Ekdal mas tem apenas 25 anos. 25 anos e tanto futebol que às vezes parece ter muitos mais. Aliás, só não está numa liga mais competitiva porque não teve também aquela pontinha de sorte que é sempre necessária no início da carreira: recusou fazer um período de testes no Chelsea, teve convites da Juventus e do Ajax (sempre atentos ao mercado escandinavo), aceitou fazer testes pelo Arsenal, assinou pelos londrinos saindo no primeiro ano de sénior sem experimentar as emoções da Premier League, passou pelo Midtjylland, esteve no AIK e encontra-se desde 2019 nos russos do Krasnodar. Que não deve ser por muito tempo: com e sem bola, Kristoffer Olsson voltou a ser um autêntico pêndulo no meio-campo sueco em mais uma grande exibição a segurar toda a equipa e a fazer a ligação entre setores.