Enviado especial do Observador, em Tóquio

“Um aviso, traz muita água. Está muito agreste”.

Este domingo todos os caminhos nacionais iam dar de manhã ao Ariake Urban Sports Park. Havia Pedro Fraga e Afonso Costa no remo, Joana Ramos no judo, Teresa Bonvalot e Yolanda Hopkins no surf ou Carolina João na vela mas a estreia do skate como modalidade olímpica e a presença do português Gustavo Ribeiro chegando com um quinto lugar no ranking mundial que já chegou a ser terceiro eram motivos mais do que suficientes para ter a atenção principal do dia. O jovem de 20 anos ainda chegou à final mas, depois de uma primeira queda um pouco mais agressiva nas decisões, forçou ainda mais, conseguiu ainda menos e não foi além de um oitavo lugar. De fora, a festa foi japonesa, brasileira e americana. Todos a suar, a maioria morena, alguns com um escaldão.

A questão da água (e muita nunca era a mais, confirmou-se) foi a mensagem que rapidamente começou a ser passada entre os jornalistas nacionais perante as condições em que ia ser realizada a prova: muito calor, sol a bater de frente, alguma sombra mesmo a acabar mas apenas nas eliminatórias. Não era por acaso que, numa novidade em relação aos outros locais de provas, a sala de imprensa estava carregada de água, de bananas e de pequenas sandes de manteiga de amendoim – tudo contava para tentava fugir ao choque de uma temperatura que, por altura da final, passava dos 35º com uma humidade asfixiante. E aquela mensagem inicial continuava a vir à cabeça, até porque três jornalistas japoneses que iam para o ténis levavam sacos de garrafas de água, que depois têm de abrir e beber quando vão passar no habitual controlo de segurança na entrada.

E o skate, como é o skate? Em resumo, é uma modalidade que tem tudo para crescer, até em contexto olímpico, mas que sem público e nas eliminatórias quase pareceu uns Jogos sem Fronteiras sem explicações do mítico árbitro Denis Pettiaux. No final, acabou da melhor forma e com 190 jornalistas a tentarem ter acesso a uma zona mista onde podiam apenas entrar 20. Só isso é um barómetro do interesse que conseguiu gerar na estreia.

Gustavo Ribeiro entrou apenas na última série dos 20 melhores do mundo que marcaram presença na primeira edição olímpica da modalidade, sabendo que teria de fazer pouco mais de 30 pontos para ultrapassar Micky Papa, o oitavo no somatório das três rondas iniciais que tiveram os principais favoritos a confirmarem esse estatuto incluindo o mais mediático Nyjah Huston, americano que ainda sentiu algumas dificuldades nos runs iniciais mas que conseguiu dar a volta com dois controlos fantásticos do corpo na queda após o trick. E para quem perdera o arranque das eliminatórias, ver o sul-africano Brandon Valjalo, o porto-riquenho Manny Santiago e o canadiano Matt Berger a passarem o tempo a limpar o alcatrão com manobras de risco máximo que nunca tiveram o resultado pretendido e acabaram com quedas aparatosas sem lesões graves aparentes.

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A maioria dos atletas usava calções com algumas exceções de calças, alguns faziam todas as manobras de phones nos ouvidos, todos tinham chapéu para proteger do sol. O ambiente é descontraído entre quem se conhece há alguns anos dos torneios internacionais e que estava ali a escrever história, qualquer que fosse o seu desfecho. Gustavo Ribeiro, de camisola e ténis rosas com calções pretos, era dos mais sóbrios. Na vestimenta, na postura. Enquanto fazia o aquecimento, não caiu uma única vez, fez manobras quase perfeitas e sentiu um apoio extra quando ouviu o seu nome ser muito aplaudido na apresentação não só pelos elementos da comitiva portuguesa presentes mas de outros adeptos do skate. Os dois runs voltaram a ser isentos de erros (7.39 e 7.50), os dois primeiros tricks passaram-no praticamente à final com 8.45 e 8.19 e ainda conseguiu fazer um 8.52 quando já não sentia a pressão da final. “Beautiful”, diziam os comentadores da transmissão. Foi mesmo.

No entanto, e para quem foi vendo alguns vídeos de outras provas, Gustavo Ribeiro não estava ao mesmo nível do que já fez. Mais conservador, a proteger-se mais, a jogar pelo seguro. A condição física ditava também regras e, ao saber o que era necessário para passar, o português de 20 anos cumpriu os mínimos. Primeiro obstáculo superado, segundo por superar. E foi esse segundo que ficou adiado para os Jogos de Paris, em 2024.

Ao contrário do que aconteceu na eliminatória, onde conseguiu a oitava e última melhor pontuação, Gustavo arriscou um pouco mais, teve um 7.23 no início que poderia chegar a 9 se não fosse uma queda na última fase desse run e não foi além do 5.82 depois de mais uma queda no segundo. O português olha para o céu, parecia quase estar a falar sozinho, tentava recompor-se para o que faltava. No entanto, a mão direita andava sempre agarrada ao ombro esquerdo. Uma vez, duas vezes, variadas vezes. Tantas que os dois primeiros tricks falhados acabaram de vez com a resistência mental de alguém que estava já sobretudo a combater contra o físico. A certa altura, Gustavo ficou mesmo sentado numa das partes do complexo, cabisbaixo, a olhar para o vazio como se fosse esse o seu estado por dentro. Só mesmo no último trick pontuou mas com apenas 2.00.

Ao longo de toda a prova, o português foi procurando as suas zonas de conforto na concentração. Ficava no seu canto, mesmo não estando a ouvir música como outros, de vez em quando ia beber água, outras ia ter com o pai e treinador, Paulo. Numa dessas foi mesmo o pai que se deslocou a outra zona para consolar o filho, percebendo que o facto de ter sofrido uma lesão grave no ombro e de ter ficado parado largas semanas era um adversário difícil de combater (e que vai fazer com que seja apurado). A bandeira que Paulo Ribeiro levava na mão, e que seria para a apresentação dos finalistas e quem sabe para uma medalha, voltou como veio. Mais do que não passar do oitavo lugar, ambos percebiam o que significava e o que justificava esse resultado.

Após acabar a sua prestação no final, Gustavo Ribeiro tirou a camisola rosa encharcada, tirou a proteção do ombro, agradeceu a todos os presentes, foi abraçar o pai e ficou a ver a confirmação da vitória surpreendente do japonês Yuto Horigome, que de forma muito discreta foi criando condições para surpreender o brasileiro Kelvin Hoefler (que começou muito bem a final) e o americano Jagger Eaton, sendo que os franceses Vincent Milou e Aurelien Gerard só não foram mais longe pelo mau início, o peruano Angelo Caro Narvaez fez por merecer bem mais e o americano Nyjah Huston não foi além do sétimo lugar. E foi essa posição daquele que é nesta fase o mais mediático dos principais atletas de skate que mostra como tudo pode acontecer numa prova destas, seja ela com 20, 30 ou quase 40 graus a uma sombra que desapareceu com os minutos na altura da final.

Para quem estava de fora a seguir e a escrever, garrafas de água foram quatro, sendo que uma por estar gelada serviu apenas para passar pela cabeça, e um escaldão está garantido. Mas, com público, pode-se gostar mais ou menos da interpretação olímpica do skate mas é uma modalidade que tem tudo para explodir para 2024.