O Enviado Especial da Venezuela Alex Saab, considerado testa-de-ferro do Presidente Nicolás Maduro, afirmou esta quarta-feira que está detido ilegalmente há mais de 400 dias em Cabo Verde, insistindo que o mandado de captura foi emitido noutro nome.

Através de uma “carta aberta ao povo cabo-verdiano”, Alex Saab, 49 anos, apresenta-se como “diplomata legalmente nomeado” que foi “raptado sob instruções dos Estados Unidos [EUA]”, durante uma escala para reabastecimento, em 12 junho de 2020, devidamente autorizada, na ilha do Sal, Cabo Verde.

O também empresário colombiano começa por recordar que partiu nesse dia de Caracas “numa missão humanitária como Enviado Especial da Venezuela” ao Irão, no pico da pandemia de Covid-19, cargo para o qual tinha sido “nomeado desde abril de 2018”.

“Esta função era a de ajudar a Venezuela a superar o perverso e imoral bloqueio económico imposto unilateralmente pelos EUA. O Presidente Maduro confiou-me esta honra singular porque eu mostrara ao longo de muitos anos que me podiam confiar para concluir contratos governamentais em tempo oportuno e dentro do orçamento”, escreve Alex Saab, que aguarda em Cabo Verde decisão sobre o pedido de extradição norte-americano.

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A sua detenção pelas autoridades cabo-verdianas e pela Interpol, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, colocou Cabo Verde no centro de uma disputa entre o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, que alega as suas funções diplomáticas aquando da detenção, e a Presidência norte-americana.

“Sou um diplomata legalmente nomeado da Venezuela, e, como qualquer outro Estado soberano, é direito da Venezuela quem ela escolhe para a representar. Tal como Cabo Verde selecionou o cidadão português César do Paço como seu cônsul-honorário na Florida [EUA], apesar de ter conhecido ligações a grupos racistas e extremistas de extrema-direita”, escreveu Saab.

Washington pediu a extradição do empresário colombiano, que acusa de branquear 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.

Contudo, a extradição está pendente de um recurso apresentado pela defesa, em abril, junto do Tribunal Constitucional, ainda sem decisão final.

Na carta, Alex Saab recorda que a sua missão ao Irão era de procurar “relações comerciais e financeiras” para a Venezuela, para “substituir aquelas perdidas devido à ameaça de sanções dos EUA”.

“Para garantir que eu pudesse cumprir o que me era pedido, como Enviado Especial eu teria direito à imunidade e inviolabilidade que me permitiriam circular livremente pelo mundo, tal como os diplomatas e os agentes políticos têm feito durante séculos”, insiste.

Sobre a escala técnica no Sal, recorda que foi “arrancado” do avião pelo “inspetor” Natalino Correia, alegando este que “havia um mandado de captura”.

“Um mandado que ele nunca sequer me mostrou e mesmo quando me identifiquei como Enviado Especial com imunidade diplomática, ele ignorou-o e fechou-me num calabouço”, afirma Alex Saab, garantindo que nas horas seguintes os governos da Venezuela e do Irão confirmaram a Cabo Verde a condição de Enviado Especial, mas sem qualquer alteração.

“O procurador-geral de Cabo Verde esperou um ano para ‘descobrir um erro’, mas aqui estão provas claras de que não dentro de um ano, não meses, não semanas, não dias, mas algumas horas Cabo Verde foi notificado formal e oficialmente de um grande erro e decidiu deliberadamente não intervir. Isto mostra acima de tudo que quando os funcionários do seu Governo afirmam que a questão da minha extradição está nas mãos dos tribunais, eles não estão a ser verdadeiros”, lê-se na mesma carta.

Em causa, conforme esclareceu anteriormente fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Cabo Verde, após a divulgação pública de documentos do processo, está o facto de a acusação dos EUA visar Alex Saab e um colega, tendo sido alegadamente registado um erro na versão do mandado de captura em inglês (uma das três línguas utilizadas). Nessa versão, o mandado estaria em nome do colega Álvaro Pulido Vargas, mas nas versões em português e espanhol em nome de Alex Saab, situação que a PGR considerou apenas um “lapso”.

Para Alex Saab, o procurador-geral da República, Luís José Landim, admitiu desta forma “que não havia um mandado de captura que apoiasse o alegado Aviso Vermelho da Interpol” para a sua detenção, pelo não havia “validade legal” para a detenção.

“José Landim afirma agora estar a retificar um ‘erro trivial’, mas o seu ‘erro trivial’ manteve-me detido ilegalmente durante mais de 400 dias. O seu ‘erro trivial’ fez com que eu fosse torturado física e psicologicamente, mantido em isolamento, sem comida, sem cuidados de saúde especializados, sem acesso adequado aos meus advogados e sem contacto com a minha família. Isto não é um ‘erro trivial’, mas uma campanha sistemática de motivação política para me romper mentalmente e fisicamente”, afirma ainda.

Garante que após a detenção no aeroporto do Sal, apesar de ser um “diplomata dotado de imunidade e inviolabilidade”, foi “obrigado a passar 48 horas sem comer” e “torturado”, antes de ser levado ao juiz, que confirmou a sua prisão preventiva.

“O primeiro-ministro, Ulisses Correia, fez da minha prisão, detenção e extradição um assunto político desde o momento em que fui retirado do meu avião”, acusa.

Neste processo, continua a insistir que está “legalmente nomeado” Enviado Especial da Venezuela, tendo “direito à imunidade e inviolabilidade”: “Cabo Verde tem o direito de se opor à minha presença no seu território, declarar-me persona non grata (…) Eu não tinha intenção de entrar no território de Cabo Verde e foi a polícia cabo-verdiana que me fez comprar um visto de entrada antes de me levar para a solitária”.

Alex Saab esteve em prisão preventiva até janeiro, quando passou ao regime de prisão domiciliária na ilha do Sal, sob fortes medidas de segurança.

“É evidente que houve a participação de altos funcionários para levar a cabo este rapto. Espero que a justiça do vosso país julgue um dia os responsáveis porque asseguro-vos que eles serão julgados, se não em Cabo Verde, então certamente em tribunais internacionais”, afirma ainda Alex Saab nesta carta aberta aos cabo-verdianos.