Marcell Jacobs estava longe de ser um dos candidatos à vitória nos 100 metros. Apesar de ter sido medalha de ouro nos 60 metros nos recentes Jogos Europeus de Torun e apesar de ter vencido o respetivo heat de qualificação, o italiano foi apenas terceiro na meia-final que disputou e nem sequer tinha um dos melhores tempos da grelha da final. No fim, teve um dia bom. Ou melhor, teve nove segundos e 80 centésimos muito bons que lhe deram uma medalha de ouro que ninguém imaginava que levasse para casa.

Mas levou. O velocista italiano, de 26 anos, foi o sucessor de Usain Bolt nos 100 metros e tornou-se o primeiro europeu a ganhar a distância desde o britânico Linford Christie, em 1992. Mais rápido do que o norte-americano Fred Kerley, que foi segundo, e do que o canadiano Andre De Grasse, que foi terceiro, Marcell surpreendeu o mundo inteiro e alcançou o maior (e praticamente) único grande feito da carreira, quebrando ainda o recorde europeu que ainda pertencia ao português Francis Obikwelu.

O atleta é filho de mãe italiana e pai afro-americano e nasceu no Texas, nos Estados Unidos, já que o pai pertencia ao Exército norte-americano. Quando o pai de Marcell Jacobs foi transferido para a Coreia do Sul, a mãe não quis mudar-se para o país asiático e voltou a casa, em Itália, levando consigo o filho que ainda nem tinha completado um mês de vida. O atleta cresceu em Itália e considera-se “100% italiano”, apesar das raízes texanas, e começou a praticar atletismo ainda criança. Iniciou-se na velocidade, teve uma passagem pelo salto em comprimento mas depressa voltou às corridas — de onde não voltaria a sair.

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Pelo meio, porém, perdeu-se a relação com o pai. Ambos os pais do italiano eram adolescentes quando este nasceu e Marcell Jacobs cresceu em Itália, perto de Brescia, junto da família da mãe e sem a presença do pai. Algo que, no último ano e para a presença nos Jogos Olímpicos, teve de ser recuperado. “Eu tenho algumas dificuldades com a minha mente. Quando chego a momentos especiais, as minhas pernas às vezes não correm. Nos últimos dois anos, especialmente durante a pandemia, trabalhei muito na minha saúde mental com uma mental coach. Ela ajudou-me mesmo muito”, começou por contar o atleta à NBC, já depois do final da prova, revelando depois que a retoma do contacto com o pai acabou por ser crucial para a vitória.

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O atleta celebrou agarrado a Gianmarco Tamberi, também italiano, que tinha acabado de conquistar o ouro no salto em altura

“A dada altura, a mental coach disse-me que se queria correr depressa tinha de chegar a um lugar de entendimento com o meu pai. Disse-me que tinha de falar com ele para conseguir chegar aos Jogos Olímpicos e talvez ganhar”, explicou Marcell. O italiano entrou em contacto com o pai, o pai respondeu. E no sábado, na véspera da final dos 100 metros, enviou uma mensagem ao filho. “Chamas-te Lamont Marcell Jacobs Jr. Podes ganhar nos Jogos Olímpicos. Estamos contigo. Amamos-te. E apoiamos-te”, escreveu o norte-americano. “Aquilo, para mim, foi realmente importante”, completou o velocista.

Tal como o pai antecipou, Marcell Jacobs ganhou mesmo. E ganhou de colar de diamantes ao pescoço — “todos verdadeiros”, apontou. “Perdi muitas, muitas vezes. E todas essas derrotas ajudaram-me durante o ano passado. Isto é fantástico”, disse o italiano. E foi mesmo fantástico.