Enviado especial do Observador, em Tóquio

“E hoje revelo um dos segredos mais bem guardados da minha preparação olímpica! Quando tudo estava a correr bem, lá vem mais um obstáculo! Nada de novo numa vida recheada de tantas pedras no caminho! Mas mais uma vez chorei, arregacei as mangas e fui à luta! A três dias da minha prova, só posso dizer que tive menos de 18 semanas de preparação para esta competição! A minha última! Se acredito?! Sempre!”

Na antecâmara da qualificação para o triplo salto, Nelson Évora revelou aquilo que alguns já sabiam há algum tempo nos bastidores e fez quase um pré-anúncio de que as coisas podiam não correr como durante anos a fio ficámos habituados sempre que o seu nome aparecia numa qualquer prova internacional. Era assim, era apenas e só o Nelson. Aquele atleta que conseguiu furar toda a concorrência e sagrar-se o quarto campeão olímpico de Portugal. Aquele atleta que superou uma lesão gravíssima sobretudo para a especialidade em causa e voltou a voar como os adversários nem imaginavam ser possível. Aquele atleta que nasceu para ser grande e que se tornou grande por pensar grande sempre que o desafio era grande. Ou, simplesmente, aquele atleta.

Depois do sexto lugar nos Jogos do Rio de Janeiro, onde alguns nem numa presença na final acreditavam, Nelson foi andando de obstáculo em obstáculo a dar o triplo que tinha de dar para ser feliz ao fazer outros felizes. Foi assim que se sagrou campeão europeu de Pista Coberta e medalha de bronze nos Mundiais ao Ar Livre de 2017, foi assim que se sagrou campeão europeu ao Ar Livre e medalha de bronze nos Mundiais de Pista Coberta de 2018, foi assim que se sagrou vice-campeão europeu de Pista Coberta em 2019. Depois, veio a pandemia. Mais do que isso, veio aquele adversário que Nelson Évora temia. A luta começou, ainda mais, a ser contra si mesmo.

Esta terça-feira, em Tóquio, Nelson Évora perdeu para Nelson Évora na despedida dos Jogos Olímpicos. Aos 37 anos, Nelson Évora ainda não se dá como derrotado para Nelson Évora mas houve um capítulo que se fechou.

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Logo na primeira tentativa, no início da qualificação, o triplista português sentiu uma dor forte, fez nulo e saiu sobretudo agarrado à perna com um esgar de dor. De longe (e é mesmo literalmente longe de onde fica aqui no Estádio Olímpico a bancada de imprensa), o mais normal era pensar-se que o problema estava no joelho que tinha sido alvo da intervenção cirúrgica mas, como explicou depois na zona mista, foi mesmo a virilha que lhe pregou uma partida. O fim ainda teve mais dois capítulos, com um 15,39 e um nulo, mas ficou escrito nesse momento fatídico. Apesar de acreditar que era possível, não desistiu sabendo que não iria qualificar-se.

“Tentei saltar pelos portugueses porque sei que há muita gente que esteve a acompanhar, muita gente que me acompanha. Por isso, aguentei as dores. Aguentar um dia de dor não é nada, aguentar uma competição com dor não é nada. Por isso tentei, tentei até ao fim. Infelizmente o meu corpo não me permitiu. Estou cheio de dores”, disse o atleta na zona mista, explicando mais uma vez o que o fez não desistir: “Há que tentar e eu tentei. Fi-lo pensando em todos aqueles que estão a acompanhar-me e todos aqueles que acreditam e acreditavam em mim. E mesmo os que não acreditavam, a mensagem está lá… Já fiz saltos mais dolorosos. A dor física não é nada, foi mais a dor de dececionar quem me acompanha, por isso chorei…”, referiu antes de voltar a ceder às emoções e voltar a fazer uma pequena paragem pedindo desculpa enquanto as lágrimas lhe caem pela cara.

Queria fazer tudo bem mas não pude, lamento. Por incrível que pareça, o joelho respondeu bem. A virilha é que me apanhou desprevenido. Fiz muito bons treinos nos últimos dias, estou bem”, disse.

“Este é só o adeus aos Jogos Olímpicos, em relação à carreira isso não está ainda em cima da mesa. Dos Jogos Olímpicos sim, sem dúvida, tenho 37 anos e acho que tenho de sair. Não tenho nada a provar, apenas queria divertir-me. O que me deixou mais emocionado foi logo no primeiro ensaio doer-me da forma como doeu e não poder desfrutar”, voltou a salientar, enquanto era cumprimentado com grande respeito por outros atletas na zona mista, com aconteceu com o francês Melvin Raffin. “Todos os atletas foram muito respeituosos, muitos deles aprenderam a saltar com vídeos meus, como eu aprendi com outros mais velhos e isso vale muito mais do que qualquer medalha. Claro que as medalhas dão estatuto mas o respeito de todos foi reconfortante”, relevou.

Foi nesta parte que Nelson Évora falou por exemplo de Will Claye, um dos grandes adversários que teve ao longo dos últimos anos. “Ele é um superatleta, supertalentoso. Temos os nossos despiques nas provas, respeitamo-nos todos. O desporto não é uma guerra, é só uma competição e é contra nós mesmos, respeitando os adversários. Depois das provas somos todos amigos, uns mais que outros. O Claye deu-me um abraço forte”, contou sobre o momento final numa pista olímpica onde já não estava Pedro Pablo Pichardo, por ter saída após arrancar um salto fantástico que lhe valeu a qualificação para a final logo na segunda tentativa. E se lá estivesse?

“Se acho que ele me iria dar um abraço? Sinceramente, acho que não”, disse com um sorriso à mistura. “Não sei porquê, não é por mim, mas não teria de ser eu a abraçá-lo. O Pichardo há-de aprender com a vida. Espero que tudo lhe corra muito bem”, atirou, numa frase que acabou por sair do contexto em que se falava, de um adeus aos Jogos Olímpicos de um dos quatro campeões olímpicos nacionais. “Agora? Agora tenho de respeitar o meu corpo, dar-lhe o respetivo respeito e regenerar bem. Sinto-me capaz, os dados indicavam que estava bem e foi por isso que me senti frustrado no final”, concluiu, sem apontar em específico a próxima prova que fará.