É um desporto de extraterrestres. Esta terça-feira à noite, na baía de Tóquio, Ana Marcela Cunha nadou durante uma hora, 59 minutos e 30 segundos nos 10 quilómetros em águas abertas para se tornar campeã olímpica e conquistar a única medalha que ainda não tinha no museu lá de casa: depois de cinco ouros, duas pratas e cinco bronzes em Campeonatos Mundiais, a brasileira de 29 anos chegou finalmente ao ouro olímpico. E levou o cabelo pintado com as cores da bandeira do Brasil, quase como se já soubesse que ia fazer a festa.

Ana Marcela, que só depois de tirar a touca mostrou o amarelo e o verde do cabelo, foi a primeira a terminar a dura prova de águas abertas onde Angélica André cruzou a meta no 17.º lugar — igualando o melhor resultado de Portugal nesta competição, quando Daniela Inácio ficou na mesma posição em Pequim 2008. Com esta vitória, a brasileira natural de Salvador, na Bahia, conseguiu finalmente colocar um ponto final a uma espécie de maldição que ainda não tinha contrariado nos Jogos Olímpicos.

Em 2008, com apenas 16 anos e na estreia nos Jogos, Ana Marcela Cunha terminou a prova no quinto lugar, um registo que parecia promissor. Ainda assim, no ciclo olímpico seguinte, a brasileira não conseguiu os mínimos para se qualificar para Londres 2012. Em 2016, a nadar em casa e já enquanto clara candidata às medalhas, não foi além de um 10.º lugar, terminando em lágrimas e confessando que o resultado não era “digno” para uma atleta do seu calibre. Afinal, Ana Marcela é cinco vezes campeã mundial, o que faz dela a brasileira com mais títulos conquistados em Campeonatos do Mundo de modalidades olímpicas. Mas, por algum motivo, nada disso parecia traduzir-se em pódios olímpicos.

Até esta terça-feira. A nadadora, filha de um pai também nadador e de uma mãe ginasta, conseguiu finalmente conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos e terminou a prova, ainda dentro de água, já em lágrimas. Com uma preparação feita em altitude, na espanhola Sierra Nevada, Ana Marcela Cunha deu a última entrevista antes de Tóquio há menos de um mês, já a meio de julho. “Estou aqui na Europa nesta fase final de preparação. Estamos em altitude e a aproveitar o máximo possível, treino todos os dias de manhã e à tarde. Só tenho meio dia de folga durante a semana toda. As expectativas são as melhores possíveis. O foco está no nosso maior objetivo, que é a medalha. É o meu sonho, a única medalha que ainda não ganhei. Vou atrás disso”, contou. E chegou lá.

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