Os profissionais de todos os ofícios têm os seus tiques específicos. O de James Bond, enquanto agente secreto, é estar sempre a olhar para trás do ombro para ver se alguém o anda a seguir. Serve-lhe de pouco em “007: Sem Tempo para Morrer”, 0 25.º filme da saga do maior agente secreto de Sua Majestade, realizado por Cary Joji Fukunaga, e último com Daniel Craig a interpretá-lo. É que o SPECTRE tenta matá-lo pela frente, fazendo explodir o jazigo em que está sepultada Vesper Lynd em Itália, e que Bond foi visitar para lhe prestar uma última homenagem.

É claro que a seguir, vendo que a manha falhou, o SPECTRE ataca 007 com a habitual horda de pistoleiros em carros negros e de moto vindos de todos os lados. A que Bond escapa acrobaticamente graças a uma corda de uma velha ponte, e que a seguir dizima metodicamente, usando o armamento do seu Aston Martin, em duas sequências como manda o caderno de encargos da série. Só que “007: Sem Tempo para Morrer” não se limita a cumprir com as obrigações da praxe bondiana. Além de ter um James Bond emocionalmente mais vulnerável e mais sensível, em especial ao que lhe respeita pessoalmente, é um filme que marca o fim de um ciclo, com reencontros, despedidas e surpresas.

[Veja o “trailer” de “007: Sem Tempo Para Morrer”:]

Após uma dupla abertura, remetendo primeiro para a infância de Madeleine Swann (Léa Seydoux), e depois, muitos anos mais tarde, para uma estadia romântica desta e de Bond em Itália, brutalmente estragada pelo referido SPECTRE, avançamos mais cinco anos no tempo e reencontramos 007 reformado e a gozar a vida na sua casa à beira-mar na Jamaica. Só que o repouso não dura muito porque o seu velho amigo Felix Leiter (Jeffrey Wright), da CIA, o vai desinquietar para que Bond o ajude a resgatar um cientista russo que se passou para o lado de um misterioso vilão, Safin (interpretado em registo de psicopata “zen” por Rami Malek). Além de ter um sério problema dermatológico, Safin está de posse uma nova e temível arma biológica, com a qual ameaça a humanidade. 

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[Veja uma entrevista com Daniel Craig:]

“007: Sem Tempo para Morrer”, combina temas, figuras e situações tradicionais da saga James Bond com o espírito pessimista, moralmente turvo e desencantado dos tempos que vivemos hoje, tendo no centro um Bond fatigado e que cortou – de forma dolorosa, num aspeto particular — com tudo o que o prendia ao passado. Mas que volta ao ativo para uma derradeira missão que, como descobrirá, vai ter um elemento que o envolve de forma pessoalíssima e incontornável. Este é um mundo onde MI6 e CIA estão de costas voltadas, onde os serviços secretos ingleses desenvolveram uma arma ultra-clandestina e perigosíssima, e onde os vilões se matam entre si e aos seus agentes.

[Veja uma entrevista com o realizador Cary Joji Fukunaga:]

Além do habitual duo Neal Purvis/Robert Wade, o argumento foi também escrito por Phoebe Waller-Bridge (“Fleabag”) e pelo próprio realizador, fazendo algumas concessões à turma da “diversidade”. O enredo é atarefadíssimo, para poder manter legíveis as várias linhas narrativas da fita, incluir e fazer conviver a variedade de tons que tem que contemplar, do mais espectacular ao mais íntimo, servir as sequências de ação à altura daquilo a que a série nos acostumou (há uma fulgurante em Cuba, com a capitosa Ana de Armas como Paloma, uma recém-formada — mas nem por isso menos eficaz — agente local da CIA) e deixar tudo bem atadinho no final, sem uma ponta solta. 

[Veja uma sequência do filme:]

Também não faltam a “007: Sem Tempo para Morrer” os necessários toques de humor negro na mais pura veia de 007 (a melhor delas envolve o olho postiço biónico do principal assecla do vilão). E para quem estiver bem atento ao desenvolver do enredo, há pistas que anunciam a surpresa final, o desenlace que ninguém adivinhava e foi mantido mais secreto do que uma missão do próprio Bond, assinalando o fim da vigência de Daniel Craig na pele da personagem, bem como o encerrar de um lucrativo e mítico ciclo para o herói de Ian Fleming no cinema.