Cartas a pedir o adiamento das eleições internas, cartas a pedir a realização de eleições internas, declarações inflamadas, promessas de impugnação, acusações de desrespeito institucional, sentenças antecipadas de uma crise sem precedentes na história do partido. A reunião da Comissão Política Nacional do CDS que decorreu esta quinta-feira, acabou por ficar mais uma vez marcada por momentos de muita tensão — o estado habitual em que mergulhou o partido.

Nuno Melo, que se fez acompanhar de uma falange de apoio até à sede do CDS, em Lisboa, ter deixado o Largo do Caldas já depois da meia-noite e meia, quando ainda decorria a reunião da direção alargada do partido. Para trás tinha ficado uma declaração inflamada aos jornalistas onde o eurodeputado e challenger de Francisco Rodrigues dos Santos acusou a atual a direção do CDS de estar a preparar um “golpe de estado institucional” ao ponderar o adiamento das eleições internas para depois das eleições legislativas.

De acordo com o que apurou o Observador, a reunião começou logo mal: Nuno Melo pediu para falar em primeiro lugar, uma vez que tinha de seguir até ao Porto hoje mesmo, mas viu as suas pretensões rejeitadas por quem dirigia os trabalhos.

Inicialmente, estava prevista uma declaração de Melo aos jornalistas para as 21 horas. O eurodeputado deixou a reunião a meio perto das 22 horas para falar à comunicação social, rodeado de apoiantes que o aguardavam no exterior.

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“O CDS é um partido estruturante e fundador da democracia e vive hoje o primeiro ato de uma tentativa de golpe de estado institucional que eu quero denunciar e repudiar vivamente”, atirou Melo, acompanhado pelo líder da distrital do CDS/Lisboa, João Gonçalves Pereira, o líder da concelhia e vereador na Câmara Municipal de Lisboa, Diogo Moura, e os deputados Telmo Correia, Pedro Morais Soares e Miguel Arrobas.

Ainda no exterior, a equipa de Melo fez chegar à comunicação social uma carta assinada por vários dirigentes do partido, autarcas e senadores que respondiam a uma outra missiva posta a circular pela candidatura de Francisco Rodrigues dos Santos. Se, no primeiro caso, se defendia o adiamento das eleições internas para salvaguardar os interesses do partido, no segundo, os apoiantes de Melo defendiam exatamente o contrário.

“A suspensão do ato eleitoral do próximo domingo e do congresso previsto nos dias 27 e 28 de novembro representam uma suspensão da democracia interna e, desse ponto de vista, um verdadeiro golpe de estado no partido, do qual resultará um presidente e uma direção sem legitimidade interna e sem credibilidade no país”, podia ler-se.

“Solicitamos-lhe por isso que reveja a sua posição, mantendo as eleições do próximo domingo e o congresso dos dias 27 e 28 de novembro, sob pena de não o fazendo, passar a ser o único responsável por todas as consequências políticas e jurídicas, bem como pela justa indignação que tal decisão gerará”, rematavam os subscritores.

Dirigentes do CDS pedem adiamento de eleições internas para não fazer “frete ao PS”

Melo ameaça com “indignação” e “impugnação”

O eurodeputado chegara à Comissão Política Nacional com a estratégia do seu adversário absolutamente clarificada: primeiro, a carta dos apoiantes a pedirem o adiamento das internas; depois, o anúncio de que o Conselho Nacional extraordinário, órgão competente para se pronunciar sobre o assunto; finalmente, o envio da convocatória para dali a 24 horas.

Perante isto, e depois de ter falado aos jornalistas, Melo voltou à sala onde decorria a reunião da direção alargada do partido para deixar uma certeza: ou há eleições internas, ou Francisco Rodrigues dos Santos vai pagar o preço da indignação popular e vai ter de enfrentar as muitas impugnações que serão apresentadas na sequência do possível adiamento das eleições, que, no limite, podem mesmo chegar ao Tribunal Constitucional.

Lá dentro como fora, Nuno Melo questionou também o método de votação eletrónico que vai ser usado no Conselho Nacional do partido. Não é a primeira vez que o eurodeputado lança suspeitas sobre o grau de fiabilidade deste método de votação e já antes pedira uma auditoria externa ao sistema.

Líder do CDS não quer “guerrilha interna”

À hora de publicação deste artigo, Francisco Rodrigues dos Santos apenas intervira à porta fechado. De acordo com os relatos que chegaram ao Observador, o líder do CDS explicou que, atendendo ao calendário eleitoral, era preciso apresentar listas imediatamente a seguir ao congresso.

Além disso, explicou que, em tempo de campanha e de afirmação do partido, o debate interno em guerrilha não tem sentido. Quanto à alegada falta de legitimidade para conduzir o processo eleitoral, Rodrigues dos Santos recordou que o seu mandato só termina nos termos estatutários e não quando um adversário interno se assume como tal.

Mesmo sem se comprometer com o adiamento das eleições internas — será o Conselho Nacional a pronunciar-se sobre o tema — Rodrigues dos Santos deixou claro que a sua intenção é construir o programa eleitoral, definir a estratégia e escolher as equipas que vão a votos em unidade e conciliação com as tropas de Melo.

Pedro Melo, vice-presidente do CDS, acabou por ser o porta-voz da direção do partido. Aos jornalistas, o dirigente democrata-cristão repisou os argumentos sobre os riscos que o clima de “guerrilha interna” representam para o desempenho eleitoral do partido e garantiu que a direção do CDS não tem “medo” de ir a votos.

Esta sexta-feira, o Conselho Nacional do CDS, agendado para 19 horas, vai trazer novos capítulos da guerra fratricida que se trava no partido há quase dois anos.