A ministra da Saúde, Marta Temido, declarou esta quarta-feira que a “resiliência” deve ser um fator a ter em conta na contratação de profissionais de saúde, por ser um aspeto “porventura” tão importante “como a competência técnica”. O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) reagiu às declarações da ministra classificando-as como uma “imperdoável ofensa” que os médicos “não mais perdoarão e esquecerão”.

A afirmação de Temido foi feita durante uma audição na Comissão Parlamentar da Saúde, a propósito da situação no Centro Hospitalar de Setúbal. Questionada sobre a falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde e o recurso às horas extraordinárias, a ministra preferiu falar do processo de contratação destes profissionais, sublinhando que características como a “resiliência” e a “resistência” devem ser procuradas.

É bom que todos nós, como sociedade, pensemos nas expectativas e na seleção destes profissionais. Porque, porventura, outros aspetos como a resiliência são aspetos tão importantes como a sua competência técnica”, disse Temido, antes de acrescentar que as profissões na área da saúde “exigem uma grande capacidade de resistência, de enfrentar a pressão e o desgaste e temos que investir nisso”.

Na mesma audição, a ministra da Saúde ainda falou sobre o caso dos médicos que têm denunciado falta de condições no Hospital de Setúbal e deixou um reparo a esses profissionais: “A melhor forma de atrair recursos humanos é conquistá-los para projetos de trabalho e não passar uma imagem, ou intensificar uma imagem, de que a instituição vive enormes dificuldades e num clima de confronto”.

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Bastonário da Ordem dos Médicos: “Se calhar arranjava-se outro ministro”

As declarações não agradaram ao bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que as considerou “uma ofensa”. “Tentar justificar com isto a saída dos médicos do SNS é uma situação grave”, disse, numa entrevista à CNN divulgada esta quarta-feira.

 [Marta Temido] quer implementar em Portugal uma escravatura médica, à semelhança do que acontece em alguns países que não são democracias?”, questionou o bastonário, relativamente ao recurso a horas extraordinárias no SNS.

Já esta quinta-feira, em declarações à Rádio Observador, Miguel Guimarães sugeriu a saída da ministra da Saúde do Governo. “Isto na nossa opinião é inqualificável. Eu já nem acho que isto precise propriamente de um pedido de desculpas. Isto é o pensamento de esta ministra da Saúde, que não gosta dos médicos e que quer que os médicos sejam escravos do sistema”.

Defendendo que se chegou a uma situação em que “passa a haver uma incompatibilidade entre a senhora ministra e os médicos, por responsabilidade total dela” e considerando que “ninguém aceita isto, a ministra conseguiu unir os médicos todos, isto é uma situação totalmente inqualificável”, o Bastonário da Ordem dos Médicos rematou:

Num país normal, se calhar arranjava-se outro ministro.”

Considerando ainda os médicos como “os profissionais que mais horas extraordinárias fazem”, Miguel Guimarães lembrou que há “um limite para as horas extraordinárias” que “muitos médicos ultrapassam claramente” por necessidade de acudir o SNS. Esse limite, notou ainda, existe também para garantir a qualidade da prestação de cuidados de saúde aos doentes.

A senhora ministra da Saúde nunca soube até agora resolver o problema da falta de profissionais no SNS. E portanto lança mais este soundbyte na Comissão Parlamentar da Saúde”, referiu ainda o Bastonário, acrescentando: “Além desta questão da resiliência — como se proventura existisse uma profissão mais resiliente —, se os médicos levarem isto à lei e começarem a cumprir a lei o SNS cai. E a responsabilidade é da ministra, não é de mais ninguém”.

[Oiça aqui as declarações do Bastonário da Ordem dos Médicos à Rádio Observador:]

Ordem dos Médicos. “Se calhar arranjava-se outro ministro”

Sindicato Independente dos Médicos: “Uma imperdoável ofensa”

As afirmações de Temido também desagradaram ao Sindicato Independente dos Médicos, para quem estas “mais do que ultrapassaram qualquer linha vermelha que pudesse ter sido traçada”. Em comunicado, o SIM diz que a afirmação de que devem ser contratados médicos mais resilientes é “uma imperdoável ofensa” que os médicos “não mais perdoarão e esquecerão”.

O sindicato destaca ainda que as horas extraordinárias para os médicos do SNS são obrigatórias, algo que não acontece em toda a administração pública, e pede para estes profissionais “uma remuneração base digna”, que condiga “com a sua responsabilidade, com a sua diferenciação, com a penosidade do seu trabalho”.

À direita críticas de Rangel, à esquerda de Catarina Martins

Também no campo político as declarações de Marta Temido estão a merecer críticas de vários protagonistas. O candidato à liderança do PSD, Paulo Rangel, apontou num evento com militantes em Santarém, de acordo com o jornal Expresso: “Estou escandalizado, chocado até, com as declarações da ministra da Saúde”.

Rangel classificou ainda o discurso da ministra como “infantil” e defendeu os médicos, que diz estarem a “acumular horas extraordinárias” e que não conseguem “resolver muitas preocupações que têm quando as emergências não funcionam”.

Já a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, reagiu às declarações de Marta Temido através da rede social Twitter. “Não, senhora Ministra. O que precisamos é de mais profissionais de saúde no SNS. E de respeitar estes trabalhadores tão “resilientes” já fizeram mais de 17 milhões de horas extraordinárias”, escreveu a líder bloquista.