Dos 23 arguidos que estão a ser julgados pela investigação e pelo furto nos Paióis Nacionais de Tancos, seis voltaram esta quinta-feira ao Tribunal de Santarém numa última hipótese de defesa perante o coletivo de juízes que está prestes a tomar uma decisão. O primeiro a falar foi o major Vasco Brazão, antigo porta-voz da Polícia Judiciária Militar e chamado a liderar a investigação. “Para mim era impensável fazer um acordo com quem quer que fosse para a recuperação do material de guerra”, disse o militar acusado de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação e ou contrafação de documento, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal por funcionário.

Depois de o tribunal ter feito algumas alterações pontuais na acusação do Ministério Público, os militares da PJM e da GNR que agora falaram focaram a sua defesa num ponto em comum: nenhum deles sabia que João Paulino, tido como o cérebro do assalto a Tancos, tinha participado no crime e, garantem, trataram-no sempre como informador a quem prometeram a salvaguarda da sua identidade, mesmo que tivesse que prestar depoimento em tribunal como testemunha.

Decisão de Tancos adiada para 28 de outubro. Tribunal tira “investigação paralela” da acusação

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um acordo bem diferente daquele que o MP o acusa. “Não foi estabelecido nenhum acordo com João Paulino [para entrega das armas em troca de imunidade]. Ele foi sempre tratado como sendo um informador. Não há qualquer acordo, isso seria impensável da minha parte”, disse o major.

O militar aproveitou ainda a sessão para ler um e-mail que tinha mandado aos seus superiores hierárquicos no final da investigação ao caso da morte dos Comandos que está em julgamento. Perante um relatório “muito criticado pelo assessor jurídico”, Brazão defendeu a sua investigação num texto que terminou com a frase: “estou cansado de tanto cobarde e de tantos encobridores da verdade”. O juiz não percebeu logo onde queria chegar com aquela leitura, mas o arguido explicou que aquele e-mail era representativo da sua “personalidade” e forma de pensar.

“Tentaram fazer uma avaliação da minha personalidade. Tenho pena que não tenham conseguido”, disse. O Ministério Público chegou a tentar, mas o próprio arguido não respondeu.

Tancos. Vasco Brazão é “manipulador”? MP quis perícia em segredo, mas o major recusou responder

Brazão recusou responder ao advogado de João Paulino, Carlos Melo Alves.

Seguiram-se as declarações de Bruno Ataíde, o militar da GNR de Loulé que conhecia João Paulino desde a infância e que foi a ligação com a PJM e o arguido. O militar voltou a dizer que inicialmente o pedido de informação que lhe chegou era sobre Paulo Lemos, conhecido como “Fechaduras”. E que só foi falar com Paulino porque este o conhecia. (Foi aliás a Paulo Lemos que ele pediu ajuda para o assalto, segundo o MP).

O juiz perguntou-lhe então porque é que entre o aparecimento do material e a sua detenção, Ataíde não comunicou aos seus superiores que na origem da recuperação do material bélico não estava uma chamada anónima mas sim um trabalho feito com um informador naquela que agora é vista como uma investigação paralela e ilegal. “Eu pertenço uma instituição militar que tem um código de disciplina muito rigoroso. Ninguém me fez uma única pergunta sobre isto. Naquele momento senti me muito pequenino”, disse o militar, lembrando que na altura se gerou uma guerra entre duas polícias.

O colega de Ataíde, José Gonçalves voltou a lembrar que nas viagens que fez a Tomar para falarem com Paulino nunca ouviu nem os colegas, nem os militares da PJM, a afirmarem ou insinuarem sequer que Paulino tinha participado no assalto. “Conheci o João Paulino no dia em que somos detidos”, afirmou o militar. Reconhecendo que sempre achou que ele teria algum conhecimento do crime, mas que só fica com a certeza quando as armas aparecem de facto.

Já o investigador da PJM do Porto, o major Pinto da Costa, lembrou que tudo o que fez foi por ordem superior chutando a responsabilidade para a hierarquia. “Só tenho comando sobre o sargento Lage de Carvalho porque eu sou superior hierárquico dele. O tenente coronel Donato Tenente no Porto e o coronel Luís Vieira é que tinham competência”, apontou. Lage de Carvalho também apelou ao coletivo de juízes, lembrando que mesmo com Brazão tinha estado poucas vezes, pelo que não compreende o porquê se falar sequer de um acordo entre todos.

Assalto e encobrimento. Quem é quem no julgamento de Tancos

O coronel da GNR, Taciano Correia, o último a falar, também sacudiu responsabilidades. “Fui de férias a partir do 31 de julho e nunca mais ouvi falar nisso. Quando fui de férias passei o serviço ao coronel Marques”, apontou, admitindo mesmo que com o conhecimento do caso que tinha na altura, faria o mesmo aos dias de hoje. “Sou do tempo em que a palavra valia mais que um simples papel”, afirmou, para justificar não ter visto o despacho de delegação de competências na PJ civil e de desconhecer que a PJM não tivesse a investigação do furto e Tancos nas mãos.