O português José Carlos Barros, com o livro “As Pessoas Invisíveis”, é o vencedor deste ano do Prémio Leya, um dos principais galardões para romances inéditos em língua portuguesa, correspondente a 50 mil euros e a um contrato de publicação. O anúncio foi feito esta terça-feira ao fim da manhã na sede do grupo editorial Leya, em Alfragide, perto de Lisboa.

O romance de José Carlos Barros é “uma viagem por vários tempos da história recente de Portugal desde a década de 40 do século XX narrado a partir de uma personagem ambígua, Xavier, que age como se tivesse um dom ou como se precisasse de acreditar que tivesse um dom”, descreveu o júri. “De salientar o trabalho de linguagem, o domínio de uma oralidade telúrica a contrastar com a riqueza de vocabulário e de referências histórico-sociais.”

A última vez que o prémio tinha tido destinatário foi em 2018, quando o júri optou pelo romance “Torto Arado”, do brasileiro Itamar Vieira Junior. Em 2019 não foi anunciado qualquer vencedor porque “as obras concorrentes não correspondem aos parâmetros de qualidade literária exigidos”. O mesmo sucedera em 2010 e 2016. Em 2020 o Prémio Leya foi interrompido, devido à pandemia. E em janeiro último os organizadores fizeram saber que o galardão voltaria em 2021 mas com um valor pecuniário de 50 mil euros, metade do atribuído em edições anteriores.

Itamar Vieira Junior é o vencedor do Prémio Leya 2018

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732 originais, 14 finalistas

A decisão deste ano foi tomada por unanimidade e o autor foi informado por telefone por Manuel Alegre pouco antes da divulgação à imprensa. O júri era composto por Ana Paula Tavares (escritora e poetisa angolana), Isabel Lucas (jornalista e crítica portuguesa), José Carlos Seabra Pereira (professor de literatura portuguesa), Lourenço do Rosário (professor de letras em Moçambique), Nuno Júdice (poeta e escritor português) e Paulo Werneck (editor, jornalista e tradutor brasileiro), além do poeta e escritor português Manuel Alegre, que presidiu.

Os jurados reuniram-se na tarde de segunda-feira e também nesta terça de manhã. Analisaram 732 originais a concurso (inicialmente o número divulgado pela Leya era de 802), provenientes de 20 países. A saber: Alemanha, Angola, Áustria, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Equador, França, Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda, Luxemburgo, Moçambique, Polónia, Portugal, Rússia, EUA e Vietname. Os originais remetidos no ano passado “foram considerados para a presente edição”, segundo a Leya. Dos 732 originais, 14 “foram selecionados para apreciação do júri”.

Poeta, deputado, arquiteto paisagista

José Carlos Barros nasceu em Boticas, em 1963, é licenciado em arquitetura paisagista pela Universidade de Évora e vive em Vila Nova de Cacela, no Algarve. Foi diretor do Parque Natural da Ria Formosa e deputado à Assembleia da República pelo PSD.

Já tinha sido finalista do Prémio Leya em 2012 e publicou pelo mesmo grupo editorial o romance “Um Amigo Para o Inverno” (2013). Antes tinha assinado “O Prazer e o Tédio”, além de várias obras de poesia, área em que primeiramente se destacou. “Uma Abstração Inútil”, “O Uso dos Venenos” e “Penélope Escreve a Ulisses” são exemplos da sua obra poética. O Observador tentou contactar o autor, mas sem êxito.

“Qualidade para publicar não significa qualidade para ganhar”: porque é que o Prémio Leya não foi atribuído?

“Declaração de protesto” por causa das ligações aéreas a Moçambique

Na comunicação aos jornalistas, esta terça-feira, Manuel Alegre começou por referir que o jurado Lourenço do Rosário, no início de uma das reuniões, tinha feito uma “declaração de protesto contra as medidas da União Europeia no sentido de proibir os voos para Moçambique e outros países da África Austral”, no contexto da pandemia. Os outros jurados “associaram-se” à tomada de posição, disse.

Isaías Gomes Teixeira, presidente da administração do grupo editorial, declarou que os 732 originais a concurso e os 14 finalistas corresponderam à “maior safra” alguma vez registada no Prémio Leya. Acrescentou que “o júri já deu indicações ao secretário do Prémio, João Amaral, de que, para além do vencedor, há outros candidatos que têm muita qualidade para serem publicados”, o que acontecerá. Não foram adiantadas datas.

“Há sempre uma sensação de estranheza”

Ao Observador, a jurada Isabel Lucas explicou que o livro de José Carlos Barros “é difícil de descrever” porque “parece que está sempre a escapar àquilo que é”. “A liberdade dada ao leitor é um dos elementos que mais destaco neste livro, a liberdade de entrar com a sua própria imaginação, porque nunca sabemos tudo nem sobre o Xavier nem sobre as pessoas com quem ele se vai cruzando”. A história inicia-se nos anos 1940, com a descoberta de minas de ouro num lugar inóspito de Portugal, e vai até à década de 80, atravessando paisagens rurais e urbanas e a Guerra Colonial.

Com “As Pessoas Invisíveis”, José Carlos Barros “foge a classificações”, disse Isabel Lucas. O facto de se tratar de um poeta, leva-o a empregar um “vocabulário muito rico” e uma “linguagem muito cuidada”. “É um livro que desafia o leitor e e é atravessado por uma grande estranheza. Há sempre uma sensação de estranheza. O narrador nunca escorrega nas soluções que vai encontrando para solucionar os vários tempos [cronológicos]. Sabe agarrar o tempo”, analisou Isabel Lucas. Disse ainda que os outros finalistas, apesar da qualidade, “não continham a complexidade” do livro de José Carlos Barros.

De acordo com o regulamento, o Prémio Leya “tem por objetivo incentivar a produção de obras originais de escritores de língua portuguesa e destina-se a galardoar uma obra inédita de ficção literária, na área do romance, que não tenha sido apresentada em nenhum outro concurso com decisão pendente”. A decisão do júri “é definitiva e não suscetível de apelo”, diz o mesmo regulamento.